Infidelidade
SIDARTA — Alteza, as vezes, precisamos ser flexíveis e nos dar oportunidade de acreditar naquilo que julgamos ser um verdadeiro absurdo. Recomendo que faças presumir a própria ignorância, pois um dia poderá surpreender-se com a possibilidade de que possas ter razão.
“Daria tudo o que sei e o que apreendi em minha vida em troca da metade do que ignoro”.
(Descartes)
SIDARTA — O que se ignora não se vê e a cegueira é semente que faz germinar falsos profetas.
ELIZABETH — Não estas querendo convencer-me de que haja uma explicação para infidelidade de meu marido? Acaso foste ele quem lhe enviou aqui?
SIDARTA — Majestade, só a verdade é convincente. Os fatos são imutáveis e não podem amoldar-se as teorias. Se estiver convencida de algo que não seja verdadeiro, a verdade virá à tona. Mas, se por outro lado estiver convencida de algo verdadeiro, nada poderá fazer a respeito! Esteja certa de que ninguém poderá fazê-la mudar de opinião – a menos que decida fazê-lo por si mesma.
ELIZABETH — Nunca duvidei do amor. Meu marido e eu nos amávamos antes de assumir a Coroa. Hoje, percebo que fui enganada pela minha própria tolice.
SIDARTA — Nem sempre as coisas acontecem conforme a nossa vontade, o que não significa que elas não tenham ocorrido como deveria ser.
ELIZABETH — Hipócrita! Dizes que eu deveria ter sido traída? Quem você pensa que é para dirigir-me a palavra dessa maneira?
SIDARTA — Não minha rainha. Seu marido jamais deixou de amá-la. Foi a si próprio que rejeitaste.
SIDARTA — Imagine que um homem esteja atraído por uma mulher a quem não conhece – Não cogito, por ora, a hipótese de um amor verdadeiro. Diante das circunstâncias, ele ousaria fazer tudo aquilo que pudesse para chamar-lhe a atenção e conquista-la [...]
ELIZABETH — Certamente.
SIDARTA —Como eu estava dizendo [...] a conquista fará acentuar os talentos que possua, ao mesmo tempo, em que o nobre cavalheiro se esforçará para ocultar as suas vergonhas. Por isso, não enxergamos tão facilmente os defeitos da pessoa amada. Mas, por favor, não se deixe enganar. O amor é uma conquista, embora não possa ser conquistado.
ELIZABETH — Vossa senhoria está insinuando que meu rei, preferiu aconchegar-se nos braços de outra mulher, por descobrir que tenho defeitos? Creio que o amor verdadeiro é sublime e tudo suporta!
SIDARTA — O amor é sublime, mas também é complicado. A proximidade entre os amantes só faz crescer a possibilidade de um conflito amoroso. É mais difícil nos desentendermos com aqueles que estão longe do que com as pessoas que estão sempre ao nosso lado.
ELIZABETH — Clichê. As pessoas a quem mais amamos, também são aquelas a quem mais magoamos. Por favor, isso não é novidade.
SIDARTA — Concordo. Mas, infelizmente, ouso dizer, poucas são as pessoas que realmente compreendem o motivo. É apenas uma questão matemática. Temos mais oportunidade de magoá-las, porque passamos mais tempo do seu lado. Além disso, as pessoas são diferentes e não concordam, entre si, com absolutamente tudo.
SIDARTA — Majestade, os talentos a que me referi na arte da conquista tornam-se comuns com o passar dos anos. Você espera que a pessoa amada aja como sempre agiu e com isto, enxergarmos melhor os defeitos que outras pessoas não possuem. Digo que serão estas pessoas que empregarão o mesmo artificio da conquista. Seja você quem for, sempre serás assediada, pois nem todos os homens se importam com o compromisso que, por ventura, possua.
“Quero-te não exatamente por quem tu és, mas por quem eu sou quando estou contigo”.
(Gabriel García Marquez)
SIDARTA — Não é raro que percamos o amor próprio, de vez em quando e é extremamente perigoso que outra pessoa possa vir a regatá-lo. Vossa alteza não foi traída, porque seu marido deixou de amá-la. Foi traída, porque ele, simplesmente, se esqueceu das razões que fariam com que outras pessoas pudessem por ele apaixonar-se. É como perguntar a si mesmo: O que tenho de tão interessante? O que será que ela viu em mim? [SIDARTA entrega um lenço a ELIZABETH para enxugar as lágrimas que percorriam o seu rosto].
ELIZABETH — Talvez eu tenha sido muito ríspida com ele, mas ainda não me sinto culpada.
SIDARTA — E nem deveria sentir-se de tal maneira, minha rainha. Pode-se dizer que um relacionamento terminou, porque não deu certo ou, como creio ser mais apropriado, vislumbrar que aquilo que sentistes um pelo outro foi verdadeiro e, portanto, deu certo, enquanto durou. Mesmo porque, se nada dura para sempre o fim é só uma questão de tempo.
SIDARTA — Desconfiantes dele, porque percebestes a sutil delicadeza de um cuidado repentino. O despertar da vaidade que antes não havia para com a beleza de seu marido. A preocupação outrora discreta de falsos compromissos. A constante prestação de contas de quase todos os seus atos – ou apenas daqueles, cuja conveniência o faria justificar-se.
“Em minha amada creio, e sei que mente [...] Oh, lei do amor fingir sinceridade”
(Shakespeare)
ELIZABETH — Você está certo Sidarta, meu marido perdeu a autoestima e a resgataste pela atenção de outra mulher, cujas qualidades se sobrepuseram sobre as minhas virtudes, as quais com o tempo, tornaram-se imperceptíveis.
SIDARTA —Majestade, será que este homem que lhe dirige a palavra seria digno de ser o primeiro a saber sobre o que fará a despeito disso tudo?
ELIZABETH — É claro, Sidarta. Mas, por favor, peço que me chame apenas de Elizabeth.
ELIZABETH — Criado, onde você está? Venha até aqui. Depressa! [ELIZABETH se recompôs e pôs-se a falar]. Como representante de Deus e desta Nação diga ao povo meu novo decreto: a partir de hoje será extremamente proibido cobiçar o homem e a mulher do próximo.
MOISÉS – Sim, minha rainha!
Autor: Augusto Felipe de Gouvêa e Silva.
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