Abordagem Antropológica
 
Luiz Carlos Pais
 
O objetivo deste texto é destacar alguns aspectos que possam contribuir no estudo da teoria antropológica em didática, a partir das noções propostas por Yves Chevallard. A principal referência para realizar esse estudo é o artigo sobre a análise das praticas de professores de matemática, cuja versão original foi obtida na página digital mantida pelo referido autor[1]. A princípio, antes de ser publicado numa importante revista de educação matemática francesa, este artigo tinha sido publicado nos anais de um curso ministrado no período de férias pelo autor, para professores de matemática. Esse curso foi realizado na cidade Rochelle em 1998 e seus anais foram publicados pelo IREM (Instituto de Pesquisa em Ensino de Matemática) da cidade de Clermont-Ferrand. Recorrer aos textos originais do autor é um compromisso que deve ser vivenciado no sentido expandir nosso entendimento da teoria proposta. Para isso é necessário do que persistir na leitura dos textos originais, sem com isso deixar de fazer o exercício simultâneo da leitura, da redação, da exposição, da audição e da reflexão. Somente assim será possível estudar.

Didático

Podemos iniciar o estudo da abordagem antropológica da Educação Matemática com o destaque do significado de alguns termos que assumem o estatuto de conceitos importantes na estruturação da teoria ou dos princípios básicos admitidos pelo autor. Entendo que dois desses termos sejam: didático e antropológico, tal como Chevallard propõe no texto de referência e que certamente poderá não ter o mesmo sentido que, por ventura, temos na nossa linguagem. Além do mais, no caso da formação dos professores de matemática no Brasil, tal como ocorre em outros países, não é usual ter um envolvimento mais profundo com as ciências humanas.

As rápidas leituras feitas de Psicologia da aprendizagem ou Didática Geral, quase sempre, estão bem mais voltadas para aspectos excessivamente pedagógicos e quase nada consideram das especificidades pertinentes ao estudo da Matemática. Nesse sentido, é preciso ressaltar que o termo didático é proposto pelo autor para qualificar o estudo, as ações que as pessoas realizam para estudar um determinado assunto, resolver um problema ou se apropriar de uma disciplina qualquer. O estudo é um conceito concebido como precedente, isto é, deve ser ressaltado antes de falar no ensino ou na aprendizagem. Esse não é exatamente o sentido predominante na didática tradicional, tal como eu mesmo ensinei ao longo de vários anos, quando costuma afirmar que “o objeto da didática é o processo de ensino e aprendizagem”.

Entretanto, a visão destacada pelo autor, de fato, parece ser mesmo muito mais significativa e consistente, pois, sem conceber a precedência do estudo, não há como pensar em ensino ou aprendizagem. Desse modo, na linha da teoria antropológica do didático, o objeto da didática é o processo de estudo, antes de pensar no processo de ensino. Além do mais admitir esse precedência do estudo não é uma questão puramente retórica. A defesa da precedência do estudo em relação ao processo de ensino revela o compromisso de compreender as ações pertinentes à natureza da atividade matemática. Certamente, estudar matemática ou fazer matemática não é a mesma coisa que fazer literatura ou estudar as artes. O destaque dessa precedência remete-nos para as ações realizadas no estudo.

Existem raízes construtivistas na valorização dessa precedência do estudo porque as ações nele envolvidas podem ser concebidas também com uma sucessão dos esquemas usados pelo sujeito na realização de uma tarefa.  
Assim, ao considerar a didática da matemática, podemos pensar ações envolvidas no estudo dessa disciplina. Essa abordagem antropológica visa analisar, com mais pontualidade, essas ações, atribuindo para elas o nome de tarefas. 

Antropológico

Para destacar um dos aspectos mais relevantes da abordagem antropológica, no que diz respeito aos seus fundamentos, o autor observa que “a teoria antropológica do didático situa a atividade matemática no conjunto das atividades humanas e das instituições sociais”. (CHEVALLARD, 1999) O viés antropológico consiste em observar e valorizar essa observação como princípio que a sociedade de modo geral está organizada em diferentes instituições ou grupos sociais organizados, cada qual com suas problemáticas específicas. Universidade, Escola, Professor, Livro Didático, Políticas Públicas são instituições nessa linha postulada pelo referido autor.

Este ponto é um divisor de águas entre essa abordagem antropológica e outras formas teóricas de conceber o ensino da matemática. Entretanto, resta-nos compreender o significado dessa localização da atividade matemática no conjunto de todas as atividades humanas e das instituições sociais. Nesse sentido, antes disso é preciso retomar o sentido atribuído à atividade humana, e mais especificamente à atividade matemática, como práticas regularmente realizadas pelas pessoas em determinados contextos institucionais. A própria noção de regularmente está fortemente associada à noção de praxeologia ou de organizações praxeológica, como veremos na continuidade.

Cada instituição é constituída, além de sua problemática específica e as suas práticas usuais, por pessoas que pertencem a essa organização social e nela ocupa determinadas posições, pressupondo hierarquias que suportam o seu funcionamento. Nesse sentido, nem toda ação realizada por uma pessoa será avalizada ou aceita pela regras existentes na sua estrutura. Penso que é preciso fazer uma diferenciação entre ação pessoal e prática social, sendo essa última baseada no que a cultura de uma determinada instituição aprova e valoriza na sua trajetória histórica.


Referência Bibliográfica

CHEVALLARD, Y. Análise de práticas docentes e didática da matemática: a abordagem antropológica. Atas da Universidade de Verão realizada pelo IREM de Clermont-Ferrand: IREM, 1998.
 
 
 

[1] Analyse des pratiques enseignantes et didactique des mathematiques: L´approche antropologique, publicado na revista Recherches en Didactique des Mathématiques, Volume 19, nº 2, pp. 221-266, 1999.
 http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip/IMG/pdf/Analyse_des_pratiques_enseignantes.pdf