Didática da Matemática
 
Luiz Carlos Pais
 
 
Quando nos propomos a escrever sobre conceitos didáticos propostos por autores vinculados ao Programa Epistemológico, estamos diante do desafio de preservar o significado das produções originais e sempre esclarecer o que foi, eventualmente, adicionado por conta de nossa interpretação, ao empreender o exercício de apropriação das teorias propostas. Não podemos perder de vista que analisar e sintetizar são movimentos dialéticos inseridos no estudo, nesse texto no quadro de uma iniciação à Educação Matemática em nível de pós-graduação. Assim, ao escrever este texto destinado a orientar uma introdução à Didática da Matemática, estamos imbuídos dessa intenção de resguardar o significado original das noções, expressando por este e outros textos o sentido que elas assumem para nossa consciência de estudante. Daí a necessidade de estar em constante sintonia com os textos de referência.
 
Nesse sentido, destacamos que a descrição dos conceitos didáticos, nessa linha do Programa Epistemológico da Didática da Matemática, visa a mesma objetividade com que são definidos os conceitos, resultantes da longa tradição histórica dos diferentes domínios da área de Matemática. Essa é a postura de acreditar na constituição de uma abordagem didática de natureza mais científica, sem perder de vista as condições inerentes aos fenômenos humanos e sociais das ciências pedagógicas que também estão empenhadas em outras vertentes de ampliação das bases científicas de suas tantas teorias.
 
Um exemplo nessa direção científica de edificação da Didática da Matemática é a proposição recente do chamado “esquema herbartiano”, noção formulada por Yves Chevallard, e possivelmente relacionada à postura do pedagogo alemão Johann Friedrich Herbart, um dos pioneiros na proposta de uma abordagem mais científica da Pedagogia, na primeira metade do século XIX. De modo geral, entendemos que a proposta de conduzir uma abordagem científica da educação matemática, no plano das práticas realizadas na sala de aula, tem uma fonte de referência constituída pelo próprio saber matemático. Vale a pena enumerar alguns aspectos dessa linha de entendimento.
 
No sentido amplo do termo, os diversos domínios do saber matemático tratam da elaboração de “modelos matemáticos”, característica essencial da ciência que pretende, como grande meta de suas práticas e teorias, apreender a regularidade de fenômenos sintetizados numa fórmula, proposição, teorema, critério ou algoritmo. Todos esses objetos têm em comum a propriedade de reunir uma diversidade de casos particulares num único enunciado genérico. De modo análogo à validade de um teorema que sintetiza uma diversidade de casos particulares, a modelagem do ensino proposta por Brousseau está nessa linha de entendimento. Essa dialética entre generalidade e casos particulares está na essência do conceito de modelo científico, didático e matemático.
 
Essa ideia está em curso de transposição para a Didática da Matemática, onde diferentes resultados da epistemologia da matemática foram apropriados para tratar da especificidade da educação matemática. Outras dialéticas análogas – inspiradas em fontes da epistemologia – podem ser incluídas no núcleo rígido compartilhado pelas teorias do Programa Epistemológico da Didática da Matemática. Uma delas diz respeitos, por exemplo, às relações entre o plano das ações individuais e das práticas sociais, cujas raízes são amplamente enriquecidas pelo viés antropológico. Ao colocar essas questões, estamos ressaltando a necessidade de contribuir na expansão das condições de objetividade das noções didáticas, pois esta parece ser uma meta fundamental para manter o aspecto científico da área com a qual trabalhamos.
 
Foi com essa base inicial, em franco processo de consolidação, que o objetivo compartilhado por educadores matemáticos vem possibilitando ampliar as teorias vinculadas ao programa. Este texto visa incentivar o estudo das teorias do dito Programa Epistemológico. Trata-se de priorizar, duplamente, o estudo da didática através de uma abordagem conceitual, pois, por um lado, está o desafio da objetivação das ideias matemáticas, por outro, a formação dos conceitos didáticos referentes ao fenômeno do estudo.
 
Diante desse desafio, é natural indagar pelos argumentos que justificam o enfoque conceitual na didática da matemática. Seria uma influência direta das características do saber matemático? Em que aspectos essa proposta didática de cunho científico pode aproximar ou afastar das ciências humanas e sociais? Essas questões nos conduzem ao centro da análise das principais teorias do Programa Epistemológico, em seus diferentes vieses: práticas de ensino, bases cognitivistas, antropológicas, históricas, filosóficas, linguisticas, entre outras. Assim, se faz necessário retornar ao textos originais.