Modelo científico
 
Luiz Carlos Pais
 
 
Diferentes teorias desenvolvidas no quadro de referência do programa epistemológico da Didática a Matemática recorrem ao conceito de modelagem ou modelo científico. Segundo nosso entendimento, trata-se de um conceito de grande relevância que deve ser analisado com mais detalhe porque, certamente, está na base evolutiva de constituição da didática dotada de maior estabilidade científica.

Como já tivemos a oportunidade de destacar em outro texto, a elaboração histórica de uma abordagem científica qualquer se faz por sucessivos lances de aproximação e por constantes retificações, ao contrário de uma afirmação dogmática definitiva, conforme enfatizou o filósofo das ciências Gastão Bachelard, falecido em 1961, na obra intitulada a Formação do Espírito Científico, onde apareceu, pela primeira vez, o conceito de obstáculo epistemológico. Foi essa base que proporcionou a transposição e adaptação da noção para o plano das atividades didáticas.

 
Embora não seja um atuor citado com tanta ênfase nos atuais textos da Didática da Matemática, o referido filósofo exerceu uma influência considerável na constituição do pensamento científico e educacional, principalmente nas áreas científicas, na década de 1960, quando o jovem Guy Brousseau iniciava sua virtuosa carreira como uma das lideranças de constituição da Didática da Matemática. Entre outros, ruptura e obstáculo epistemológico são conceitos amplamente aceitos e aplicados na constituição inicial da grande área de educação de ciências e matemática. Estamos fazendo essa articulação com o renomado filósofo das ciências porque, na linha de pensamento que ele fomentou, a formulação de um modelo foi sempre defendida como meta de qualquer abordagem científica. De certo modo, a apropriação de suas ideias permitiu um avanço considerável na constituição da didática científica, no sentido de contemplar especificidades dos saberes envolvidos.
 
No caso da matemática, os teoremas podem ser considerados modelos, pois é constituído por uma síntese capaz de ser aplicar num grande número de casos particulares. Todas as vezes que as condições particulares de um problema ou de uma situação satisfizerem as hipóteses de um teorema, esse poderá ser aplicado de modo satisfatório, ou seja, produzirá uma solução plausível. Um dos aspectos mais marcantes de um modelo científico é a regularidade com o mesmo pode ser aplicado a uma ampla diversidade de casos particulares. De certo modo, trata-se de uma verdadeira máquina abstrata, cuja generalidade foi provada e permite resolver um grande número de problemas semelhantes.
 
Um critério de divisibilidade é um modelo matemático, pois sua aplicação permite verificar uma grande quantidade de casos particulares: se a soma dos algarismos de um número for divisível por três o número também será divisível por três. Do ponto de vista didático, na linha do programa epistemológico é importante perceber a dialética existente entre a generalidade afirmada no modelo e a particularidade de cada caso particular. Desse modo, a produção de modelos didáticos é uma das metas principais da Didática da Matemática, tendo que em vista que não se trata de pensar no caso particular de uma única sala de aula, mas na generalidade de um grande número delas, onde seria possível aplicar um modelo para conduzir as atividades de estudo. Essa pequena incursão no conceito de modelo é importante para entender porque Guy Brousseau considera as situações didáticas como modelos, cuja regularidade de ocorrência permite o pretendido enfoque científico das práticas de estudo.
 
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