E POR FALAR EM FOLCLORE
Houve tempo que insanos sonhos permeavam o universo humano sem que os mesmos fossem fatos de desconexão com o que se considerava divinal.
Houve tempo em que o desprover do conteúdo imaginário fora impingido ao ser humano sem que o mesmo notasse o fato; esse ser, permissiva e inconscientemente deixava se levar pelas marés que emergiam na sociedade e a dominava.
Houve tempo de heróis que resistiram aos ímpetos petulantes dos que se instituíram senhores das verdades; esses sim teceram com o fio da espada em punho, a luta imaginária de anti heróis e quixotes tupiniquins, que na sequencia de seus sonhares são coroados em reinados e impérios imaginários.
Crê-se que a força maior impera nas mãos de quem abençoa, através de suas invocações. O que para uns é feitiço, para outros a cura de quem reza um pedido, causando espanto ou até um susto aos desavisados que sequer suspeitam fazerem parte da crença popular.
O ato de fé é indefinido e não é setorial, pois presente está no ritual de cada direcionamento dado pelo ser, em cada produto cultural recebido em herança, individual ou coletivamente.
Joga rede no rio, sapeca o milho o fogo, guarda o cordão umbilical do filho, graduam-se doutores, que ouvem, que tocam na alma e, ao som de um instrumento que adentra dentro daquele que há de ser curado; o presente faz morada no ritual de cada nativo, ofertando a vontade de perpetuar o que trouxe de seus pais e avós.
Recolhe a rede no barco, cuscuz na panela, raspa de resto de bolo de fubá sorvida à lambida na colher de pau, e o rio entrando e saindo de piracemas que redobram o real sentido de sobrevivência de tudo o que faz parte da cultura local e que muitas vezes sequer notamos.
Pendura a rede no gancho, cantoria nos pousos do divino, dançantes criaturas que saboreiam nos corpos os doce movimento que dá vida à arte, rodopios, desvios, santos que baixam em nós e levam sua voz de inúmeras formas, promessas de continuidade daquilo tudo que vem de tempo remoto, adapta-se feito mistura de arroz com feijão no prato fundo de louça lascada pelo uso.
Quem há de negar que a sociedade é provida sim de elementos míticos que afloram fisicamente e que por hora não ousam serem explicados pela intelectualidade. Com o tempo e com a evolução os signos que a sociedade nutre em seu percurso, tornam-se ricos elementos de junção do universo físico e extra dimensional que se habita.
Discordo da inoperância e impostura de tratar a humanidade enquanto mecanismo de manobra, impingindo no indivíduo pseudo necessidades consumistas e que direcionam olhares e percepções à um lugar onde habita a ignorância dos fatos. Essa sede de poder é um mecanismo doloroso para muitos e lucrativamente prazeroso para poucos.
Através dos mitos, ritos, crenças ocorre também a sobrevivência de um forte elo de unificação com o Divino, mesmo que inconscientemente, cabe a cada um o cuidar de seu refletir, o cuidar de sua obra maior, de seu templo interior e de seu padrão de evolução. É um momento tão lindo esse que nos encontramos.
Abraços afetuosos e fraternais!
Roberta Lessa – Folclorista