EPOPEIA DE UM ANJO - Erro Médico

Pra você não esquecer que a vida tem sempre surpresas, vai aí a caixa-preta de mais esse voo.

Aracaju/SE, 01 de fevereiro de 1995.

Ao Conselho Regional de Medicina de Sergipe – CREMESE

Dr. Ailton Pita Falcão - Presidente

Edifício Oviedo Teixeira, sl. 307 - Centro - Aracaju

No dia 8 de dezembro de 1991 fui internado na Clínica Renascença, com o objetivo de me submeter a una cirurgia de hérnia de disco na região lombo-sacra (L5/S1). Em princípio, esse procedimento cirúrgico acontece com absoluta freqüência e não oferece maiores riscos aos pacientes.

O motivo de haver escolhido tal data, 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, não foi outro se não o de pedir proteção aos céus e me segurar de unhas e dentes na fé de recuperar a saúde através das mãos dos ilustres mortais. Com certeza, não fossem as forças ocultas da natureza conspirando a meu favor eu não estaria aqui para contar a história.

Munido de tomografia computadorizada, radiografias em todas as posições e cortes, mil fotografias, um milhão de recomendações e as tripas lavadas a Fleet Enema, fui conduzido ao centro cirúrgico daquela unidade hospitalar, onde acordei oito horas depois, completamente debilitado dos membros inferiores. Ali, começava o meu périplo. A sensação de dormir com pernas e acordar sem elas é qualquer coisa que não quero desejar a nenhum de vocês.

No dia seguinte, fui informado pelo chefe da pressuposta equipe, Dr. Luis Soares Bandeira, neurocirurgião, de que o acidente cirúrgico acontecera graças ao fato de o único assistente escalado, Dr. Daniel Andrade Bispo Filho, ortopedista, não haver comparecido ao centro cirúrgico no horário previsto.

Com a cumplicidade do Dr. Antonio Roberto Figueiredo, anestesista, os trabalhos foram iniciados, estendendo-se por um período de tempo infinitamente superior ao preestabelecido pelas regras que disciplinam a conduta do procedimento cirúrgico ao qual me submeti.

Com a pressuposta equipe desfalcada não poderia ser diferente. A posição de corte para se obtenha melhor acesso à região pretendida é com os joelhos flexionados e todo o peso do corpo sobre as pernas. Ora; com o tônus muscular diminuído a tendência natural, pelo bloqueio da circulação sanguínea, é formarem-se coágulos que vão, paulatinamente, bloqueando as vias circulatórias até o seu colapso total, fenômeno este que recebe a honrosa denominação de trombose venosa profunda, graças ao estrago que é capaz de causar à integridade física de qualquer ser vivente, vertebrado, do reino animal.

Lembro-me bem de que ao nascer, o meu filho Pedro trazia à mão esquerda um dedinho a mais. Necessário foi, tão somente, fazer-lhe um garrote com uma linha amarrada a sua base e, após arroxear, caiu sem vida como se fora uma fruta peca. As minhas pernas certamente também teriam caído se houvessem permanecido por mais algum tempo naquela posição.

Vasculhando os anais das ocorrências de tratamentos cirúrgicos dessa natureza, não precisei ir muito longe para descobrir que as hérnias de disco são retiradas ou reparadas, já ha bastante tempo, através do método de microdiscectomia, prática que demanda entre vinte e quarenta minutos para a sua realização. Infelizmente, porém, tive que servir de cobaia para aprendizes da idade da pedra.

Revoltante mesmo é saber que existe medicação especifica para coibir o comportamento do organismo na determinada situação. Teria sido suficiente a administração de Heparina, anticoagulante, droga por demais conhecida dos quantos militam nas hostes hospitalares, para que fosse evitada a tragédia, o que caracteriza a exigibilidade de conduta diversa. Mas, enfim, eu estava fadado a pagar, naquele momento, o preço por não haver sido criterioso na escolha dos que estariam com a minha vida em suas mãos.

Os dias passavam. De pernas pro ar, tentando provocar a circulação retorno, agora com a ajuda das Heparinas, destruía, voraz, tudo que aparecia para ler. Enquanto o tempo se arrastava, nem as flores que recebia como prenúncio da morte, nem os alertas de que minha urina estava se transformando em sangue foram suficientes para que os ilustres doutores, ao invés de repetirem, cinicamente: "é assim mesmo", tivessem procurado uma maneira de evitar, a tempo, o que culminou com a instalação de insuficiência renal aguda, complicando terminantemente o meu quadro clínico.

Em caráter de urgência, fui obrigado a abandonar o mau trato dos auxiliares da Clínica Renascença, que me enxergaram, apenas, como um traste que só servia para pedir água para beber e papagaio (vasilha usada nos hospitais) para mijar.

Saudade mesmo senti da agradável companhia daquelas tantas baratas e formigas que, durante as madrugadas, completavam o serviço das faxineiras, enchendo a barriga com migalhas de alimento espalhadas pelo chão. E eu ali, como coruja, prestando atenção a tudo.

Numa ambulância, com rubi vermelho incrustado na testa, a gritar eeeeeeeehhhhhheeeeennnnn pelas ruas de Aracaju, fui parar na UTI do Hospital São Lucas. O quadro era triste. Mais inchado do que eu, naquela ocasião, só existia a Irmã Dulce, personagem da história contemporânea do Brasil pela qual nutro o maior carinho, admiração, e quero que Deus a tenha em bom lugar.

O cheiro de mijo, por causa das altas taxas de toxinas não eliminadas, era insuportável, e logo eu, que sou chegado a suavidade dos perfumes franceses! Tenho certeza de que, se não fora a disponibilidade que me facultou o seguro Golden Cross, não teria sido o FUNRURAL ou o INPS que evitariam que a minha vida tivesse, naquele momento, recebido o seu ponto final.

Nem tudo na vida de um paciente à beira da morte é tão monótono como vocês podem imaginar. Na UTI, várias emoções me aguardavam. Primeiro, uma perseguição subcutânea encontrou a artéria subclávia, por onde foi introduzido e costurado um cateter, que passou a conduzir a maravilha do soro fisiológico, às vezes batizado com Heparina, às vezes com vitaminas, às vezes com morfina, e tantas outras inas que se propunham a aliviar meu sofrimento.

Enquanto isso meu peito exibia, triunfalmente, um tímpano ligado por cabos a um monitor que, do alto da cabeceira do meu leito, emitia sinais de luz em homenagem aos meus, ainda, batimentos cardíacos.

Estava feliz. Cercado de atenção e perguntas me sentia o centro das atenções e acontecimentos, até que surgiu, não sei de onde, um doutorzinho. Com as mãos calçadas em luvas de borracha, trazia consigo objetos semelhantes aos usados na cenografia de filmes de ficção científica. Sem cerimônia foi segurando o meu linga e introduzindo, através do canal uretral, uma sonda lubrificada com vaselina anestésica, é bem verdade. A gentileza da vaselina não serviu para evitar o inevitável. Ali, entre urros e sussurros, me senti deflorado e desfrutei a sensação de ser inflado no meu interior um balãozinho acoplado à extremidade da sonda vesical. O balãozinho serviria para estimular a bexiga na recuperação das suas funções, debilitadas pela paralisação total dos rins. A saída do balão inflado, dias depois, é melhor nem comentar.

Eu continuava ali, nuzão, de pernas pro ar. Vez em quando passava alguém; um sorriso, um gesto! Os primeiros movimentos de uma relação íntima que prometia ser duradoura.

Eram afáveis os enfermeiros da UTI do São Lucas. Insistente mesmo era o doutorzinho. Voltou à cena com mais objetos cinematográficos, e desta vez pediu permissão para fazer uma incursão através dos meus intestinos.

Munido de uma gigantesca agulha me penetrou a cru, peritônio adentro, e fez ali permanecer uma longa tubulação plástica que, posteriormente, serviria de via de acesso aos líquidos tépidos que circulariam pelas minhas vísceras, tentando, diuturnamente, desfazer a lesão renal que avançava em escalada letal.

Durante dias e noites outras agulhas não paravam de entrar e sair das minhas veias e músculos. A bateria de comprimidos, juntada a aplicação subcutânea de injeções através de minúsculas agulhas, e o ornamento de uma infinidade de tubos e cores, me dariam a certeza, se não fossem as animalescas dores, de que estaria vivendo num mundo vegetal.

Naquelas circunstâncias, passei a ser digno de comiseração por parte de todos. Posso assegurar que, diante de tanto flagelo, não há cristão que não reconheça a maravilha da criação divina, que não reze pelo seu próximo, que não peça perdão pelos seus pecados, que não chore de alegria pela chance de viver, e que ria da ironia do destino de afastá-lo do mundo só para entendê-lo melhor.

E foi assim, cercado de votos de esperança dos verdadeiros amigos, e da dedicação de alguns profissionais que estiveram penitentes à cabeceira do meu leito, que deixei o box número 6 da Unidade de Tratamento Intensivo do Hospital São Lucas, após quase trinta dias de absoluta reclusão.

O apartamento 104 era uma maravilha. Já sem boa parte dos aparelhos e cateteres, pude ver a luz do sol e o azul do céu, após ser removido da maca para uma cadeira de rodas - cadeira de rodas, hein!? Como elas servem - e conduzido até a janela pelas mãos de Luis, um enfermeiro com o qual fiz uma amizade que perdura até hoje. Sempre que nos encontramos ele relembra a greve de banho que fiz, me negando a, no dia de Natal, tomar banho de gato. Fui levado ao banheiro com aparelhos, sondas e tudo. Ai sim, depois de três semanas no lodo tomei um banho decente. Água morna, farta, xampu, sabonete, barba feita, e bem escanhoada. O resultado foi surpreendente, me senti outro. Eles, todos eles, felizes por saberem que ali estava alguém com muita vontade de viver. Este fato foi suficiente para haver sido eu, pelo menos durante o tempo em que todos ali trabalham, o único paciente a tomar banho de chuveiro na UTI.

Voltemos ao apartamento 104. Lá uma parafernália eletrônica me esperava disposta a ajudar. Televisão, rádio, walk-man, relógio, barbeador elétrico, telefone, geladeira e tal, faziam parte da infra. Uma festa! As visitas traziam livros, jornais, revistas... As mais audaciosas, coca-cola, maçã e até acarajé. Sob protestos, eram obrigadas a voltarem com suas dádivas gastronômicas, uma vez que o estreito regime alimentar e absoluto controle da ingestão de líquidos só permitiam avanços de acordo com o resultado dos exames de sangue e urina aos quais era submetido diariamente.

A festa às vezes era regada a morfina, até que, um dia, ela não mais conseguiu aliviar as dores. Aí, a festa passou a ser regada a outro procedimento. Para aplacar as dores que percorriam o meu âmago como se estivessem dispostas a me remeterem ao mais longínquo reduto do sofrimento humano, foram necessários bloqueios anestésicos que consistiam em introduzir agulhas até os nervos responsáveis pela sensibilidade dos pés. O detalhe é que, do topo da minha sanidade, eu tinha que sentir a fisgada da agulha tocando o nervo, para fornecer ao anestesista o resultado da prospecção e orientá-lo a ministrar o anestésico no conduto certo: a bainha do nervo. Para cada pé existem três inervações responsáveis pela sensibilidade.

Estas sessões transformavam-se em verdadeiros suplícios, para o paciente é claro. A atrocidade era tamanha que uma visita ao presenciar o tenebroso espetáculo, passou mal e foi obrigada a provar da Coramina.

As anestesias duravam em média três horas. Daí em diante me nutria com rezas, canções e esperança. .

O sucesso da prática dos bloqueios anestésicos não durou muito. A partir da terceira sessão os pés passaram a apresentar ulcerações e pruridos, sintomas que, diante de uma circulação completamente debilitada, poderiam causar lesões irreversíveis, tais como gangrena e outras merdas mais. Sem opção, fomos obrigados a voltar ao tempo da Dolantina.

É claro, óbvio, evidente, ululante, que qualquer ser vivo, há seis meses sem dormir, com o agravante de estar sentindo profundas dores, está condenado a sofrer um colapso nervoso. Comigo não poderia ser diferente, o stress chegou em seguida.

Por mais que contasse os dias, as horas, os minutos, a alta não chegava. Enquanto isso, minhas nádegas, magras, eram espetadas, diariamente, por aquela agulha sisuda e respeitosa do Noripurum, e as mulatas a desfilarem nuas na Marquês de Sapucaí aviltando a minha capacidade de reagir. Desliguei imediatamente a televisão, peguei o telefone e exigi da minha namorada urgente providência. Vinte minutos depois ela invadia o apartamento munida de cartazete onde se lia: não perturbe. Pendurou-o à porta pelo lado de fora e, trancados, pudemos satisfazer aos desejos da deusa Vênus. Naquela noite não precisei de bloqueios anestésicos ou morfina.

No dia seguinte, o doutorzinho apareceu pela manhã bem cedo. Anunciou, com riso largo, os números otimistas das taxas de ureia e creatinina revelados pelos últimos exames. Depois, com ar irônico, comentou: "encontraram esperma no seu exame de urina."

Agora estava preso, apenas, a um cordão plástico que coincidentemente protuberava da região umbilical.

A relação com aquelas paredes gerou urna aversão recíproca. Talvez, por isso, como num passe de mágica, com menos da metade do peso habitual, magro, esquálido, capenga, e com um desejo incontrolável de comer jaca, fui expelido para a rua como se estivesse sendo parido de novo. Sem o tubo plástico que protuberava do meu umbigo, agora o compromisso era reaprender a andar.

De muletas, iniciei minha peregrinação pelas fisiatrias de Aracaju e adjacências. Durante meses retornava, quase que diariamente, a Urgência do Hospital São Lucas, onde dormia sob o efeito de analgésicos, sedativos e soníferos, uma vez que é desaconselhado, e até proibido, o uso doméstico de alguns medicamentos. Porém, o pior já havia passado. Era a vez de andar por aí expondo minha magrém, apesar do estômago insistir com suas dores e queimores, sintomas que só foram diagnosticados depois de realizados exames de endoscopia-digestiva e ultra-sonografia tendo acusado um processo avançado de gastrite crônica, provavelmente contraída em consequência do consumo de doses maciças de drogas nocivas à saúde do estômago, além de permanente estado de ansiedade e depressão causado por tantos percalços e tortuosos caminhos que a vida me obrigou a percorrer. Só a título de lembrete, estes foram alguns dos medicamentos que ainda consigo lembrar: Dormonid, Dolantina, Tegretol, Trental, Cronassial, Hidergine, Temgesic, Fenergan, Cardizem, Tryptanol, Zoloft, Prozac 20, Buscopan e tantos mais, como podem revelar os prontuários médico-hospitalares que registraram o meu padecimento. Contudo, até que é bonzinho receber aquela tubulação de fibra ótica goela abaixo, se comparada à sensação de uma retocolonoscopia, solicitada por motivo de sangramento rutilante pelo ânus, provavelmente em conseqüência também do uso abusivo de medicação tóxica.

Queimando por dentro e vazando por baixo, o caminho não foi outro senão: Vitarnina "K", Prepazol, Riopan Plus, Milanta Plus, Motilium, Simeco Plus, Antak etc. Minha ficha clínica, nos gastroenterologistas, haverão de acrescentar mais alguns nomes de delicatesses que fui obrigado a degustar para deixar o motor sem esquentar e o escapamento sem vazar. O fígado, este também reclamou, apresentando princípio de cirrose.

Como a desgraça nunca vem sozinha, ao já estar parcialmente recuperado do desastre cirúrgico sobre a L5/S1, fui convocado para doar sangue num posto do HEMOSE instalado no Colégio São José, por ocasião da gincana anual que ali se realiza, ato que somaria pontos para a equipe da qual o meu filho, Pedro, fazia parte.

Dias depois recebi um telefonema que me noticiou da presença do Vírus da * Hepatite “C” no sangue que havia doado. Eu estava diante dum mal incurável...

Mas a vida é assim mesmo, prezados senhores. Quem poderia imaginar que os ínclitos e incautos doutores Luis Soares Bandeira, Antonio Roberto Figueiredo e Daniel Andrade Bispo Filho, três simpáticos mocinhos, todos eles registrados nesse Conselho Regional de Medicina de Sergipe - CREMESE, seriam capazes de tamanha peripécia?

Vossas Senhorias haverão de me perguntar, e com muita razão: por que só agora, três anos depois, você resolve tomar providências? A resposta é simples: porque, assim como todo macaco quer banana, todo doente quer saúde. Sempre acreditei na minha total recuperação. Para tal não poupei esforços, porém nem as Correntes Galvânicas, Turbilhão, Tensis, Parafina, Forno, Massagem, Meias Sigvaris de Alta Compressão, Natação, Ciclismo, Caminhadas, Acupuntura, Ginseng, Proteinato de Cálcio, Óleo de Fígado de Bacalhau, Óleo de Germe de Trigo, Arcalion, Melatonina, Gelatina de Peixe, Geléia Real, Sebo de Tutano de Veado (animal da ordem dos artiodactilos, da família dos cervídeos), Pomada de Veneno de Abelha, Levedura de Cerveja, Benerva, Complexo "B" Concentrado, Curandeiros, Centro Espírita, Candomblé, Moxabustão, Banho de Lama, Cristais, Lecitina de Soja, All 26 Super, Pfáfia Paniculata, Imersão em Cozimento de Folha de Mangueira, Sebo de Carneiro Capado, Musculação, nem Rezas, nem Colágeno, nem Endorfinas, debelaram as sequelas que insistem em permanecer.

Hoje, três anos depois do fatídico acidente, eu e uma meia dúzia de amigos espalhados por estes quatro cantos do mundo, sabemos que jamais serei o mesmo que cruzou, em 8 de dezembro de 1991, a soleira da porta de entrada da Clínica Renascença que, aliás, tem parceria registrada no evento, uma vez que existe um responsável pelo Centro Cirúrgico, exatamente para fazer com que as coisas andem dentro das prescrições cientificas capazes de assegurar o bem estar dos que se servem da medicina, na esperança de verem solucionadas a infinidade de mazelas que atacam a molécula ainda viva. Todavia a garimpagem termina não preservando vidas. Estão aí os poucos Ianomâmis que não me deixam mentir.

O que Vossas Senhorias sabem até agora são dos males físicos que determinaram o meu calvário, no entanto existem outros de infinitos maiores poderes de destruição. Imaginem vocês como deve se sentir um profissional, pai de família, que vive do que tece, impossibilitado de, sequer, poder caminhar na direção de seus objetivos, e vê ceifadas as suas possibilidades de realizar os planos traçados. Posso garantir que emocionalmente e psicologicamente os estragos causados são inumeráveis, inomináveis, imensuráveis, isso pra não falar do rombo na saúde financeira do bolso de quem teve a infelicidade de enfrentar a “avant première” do Apocalipse.

Hoje, três anos depois, os meus pés queimam como se fossem duas bolas de fogo além estarem permanentemente edemaciados e intumescidos. Sinto câimbras, principalmente durante as relações sexuais, e os impulsos involuntários não escolhem hora, principalmente durante a noite, para investirem contra mim com seus endemoniados tridentes, perturbando, a choque, a minha tranquilidade.

Por entender que a ciência jamais será capaz de me transformar num ser incandescente, não ter o menor direito de prejudicar o meu orgasmo e não haver sido autorizada a invadir a minha privacidade para perturbar o meu sono, e que, ciente da extensão do mal a mim causado pela prática irresponsável da Medicina, solicito a Vossas Senhorias, a abertura de Processo Disciplinar, cujo objetivo e definir responsabilidades sobre a questão em foco. Resumindo, aquela cirurgia, em hipótese alguma poderia ter sido realizada.

Por quantas Clínicas e Hospitais pelos quais passei por este Brasil afora, consultando medalhões nacionais nas áreas de Neurocirurgia, Neurologia e Angiologia o meu caso foi digno de espanto e comentários, no mínimo, desapontadores para os que assinam a autoria desta obra.

Até Dr. Rui Dória, cirurgião bucomaxilofacial, ao passar pelo centro cirúrgico da Clínica Renascença foi convocado para manusear o meu corpo, inerte, e ajudar a colocá-lo na posição cirúrgica adequada, abandonando logo em seguida este posto para assumir os reais compromissos que o levaram ali. Ao saber disto, não tive dúvidas de que tudo funcionou como nas peladas de futebol de beira de praia, onde se fica chamando o primeiro que passa para completar o time.

São fatos como este que estou tendo o desprazer de narrar que fazem com que calçados, descalços e de chinelo digam, em alto e bom tom, sem o menor constrangimento, que o melhor médico de Sergipe é o Aeroporto Santa Maria, maculando a memória e a vida profissional de pessoas que transformaram o exercício da medicina num verdadeiro sacerdócio, como temos, em dignificante exemplo o Dr. Augusto Leite e o Dr. José Machado de Souza entre tantos outros.

É muito fácil entender a minha situação. Coloquem o filho mais querido de qualquer um de vocês no Ara , tendo a certeza de que não se repetirá o feito de Abraão no sacrifício de Isaac, onde Deus disse: "Abraão, toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac, e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que eu te indicar."

No dia seguinte, pela manhã, Abraão selou o seu jumento, tomou consigo dois servos e Isaac, seu filho, e, tendo cortado a lenha para o holocausto, partiu para o lugar que Deus lhe tinha indicado. Ao terceiro dia, levantando os olhos, viu o lugar de longe. "Ficai aqui com o jumento” disse ele aos seus servos. Eu e o menino vamos até lá mais adiante para adorar, e depois voltaremos a vós".

Abraão tomou a lenha do holocausto e pô-la aos ombros de seu filho Isaac, levando ele mesmo nas mãos o fogo e a faca. E enquanto os dois iam caminhando juntos, Isaac disse ao seu pai: "meu pai, temos aqui o fogo e a lenha, mas onde está a ovelha para o holocausto? "Deus, respondeu-lhe Abraão, providenciará, ele mesmo, urna ovelha para o holocausto, meu filho."

Quando chegaram ao lugar indicado por Deus, Abraão edificou um altar, colocou nele a lenha. Amarrou Isaac, e pô-lo sobre o altar em cima da lenha. Depois, estendendo a mão, tomou a faca pra imolar o seu filho. O anjo do Senhor, porém, gritou-lhe do céu: "Abraão! Abraão! Não estendas a tua mão contra o menino, e não te fará nada. Agora eu sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu próprio filho, teu filho único." Abraão, levantando os olhos, viu atrás dele um cordeiro preso pelos chifres entre os espinhos e, tomando-o, ofereceu-o em holocausto em lugar do seu filho", e sim trogloditas armados de bisturis e pinças, a guisa de c1avas, submeterão parte de vossa prole a agruras capazes de fazê-la, nua, percorrer a Groenlândia em pleno inverno polar e atravessar, a pé, o deserto de Saara sem uma gota d'água.

Porém, como bem aventurados são os que têm fome e sede de justiça, me restam duas opções: a primeira delas é esperar pela justiça divina. Neste caso, teria que ficar torcendo para que Luis Bandeira fosse devorado por um tubarão nas águas da praia de Boa Viagem, Antonio Roberto Figueiredo contraísse um verme que lhe roesse a medula ate reluzi-lo a um trapo, e um raio descesse do céu para transformar Daniel Bispo num ser amorfo, assim como faz com os cajus. A segunda opção é acreditar na respeitabilidade dessa soberana corte, e esperar que, no cumprimento do seu dever, aplique medidas que realmente sirvam para evitar novos desastres para a saúde dos que necessitam dos serviços da medicina em Sergipe.

Ciente do empenho dessa Instituição no sentido de apurar os fatos aqui denunciados, resta-me agradecer a atenção.

Ronald Cabral Simas

Quase Jornalista (informações com a Unit)

Publicitário – DRT 035/SE

* Após 24 penosas semanas de tratamento à base de Interferon Peguilado associado a Ribavirina o vírus da Hepatite “C” foi negativado.

Ronald Cabral Simas
Enviado por Ronald Cabral Simas em 17/07/2015
Código do texto: T5313730
Classificação de conteúdo: seguro