STA. Parte VI - A QUEDA DE UM ANJO
Olhando pra baixo
Sentindo cada pessoa
Cada desejo
Cada suspiro
Cada motivação
O ser humano se tornou tão complexo
Que nem o estudo sobre si mesmo
Pôde entendê-lo.
São tão diversos, e por vezes,
É esta mesma diversidade é o que os une.
Frágil no amor e forte no ódio,
Às vezes, o contrário.
Às vezes nem usam palavras,
Basta um olhar ou sequer um sorriso
Para demonstrar todo um sentimento.
Nesses tempos de paz, me deixou ocioso.
E busco refúgio na vida humana.
Não sou como eles, nem imagino como ser,
Essa mistura complexa de emoções
Que existe até em uma recém-existente criança.
Mas estamos vivendo em tempos de mudanças
E o amor continua perdendo seu espaço
E as lágrimas,
Insistentes e cheias de dor,
Agora culpa nós anjos, nos condena à morte.
Quem sou eu para ter culpa da dor humana,
Sou apenas mais um servo,
E talvez eu não possua alma,
Talvez eu seja apenas uma essência.
Quem seria eu para entender a dor da alma?
A vida é vista por muitos como um jogo de xadrez
E muitos se matam neste jogo.
Não entendo essa pressa de morrer,
Talvez eu precisa viver para poder entender
Essa vontade de morrer.
Quanta ironia
Ter de viver para aprender a morrer.
Queria poder partilhar dessa dor,
Ando sufocado pela minha plenitude,
Devo estar perdendo minha santidade
Mas não sei saberia viver
Amar alguém, desejar uma família.
Por que se sentem tão incompletos?
Que necessidade é essa de precisar de alguém?
Que vazio é esse na alma?
Não há mais ordens para nós
Há simplesmente o céu.
O céu não deveria ser o suficiente?
Dizem que todos desejam o céu.
Por que ainda sinto falta de algo?
Será que existe um céu além deste?
Aqui é o limite de tudo?
O céu é o fim?
E o que há depois do fim?
Cada vez me sinto limitado ao céu.
Acho que me ouviram,
Vejo olhares de dúvidas me rodeando
Suas silenciosas asas batendo.
Meus irmãos estão aqui
Mas por que então se escondem?
Há quanto tempo estão aqui?
O que eles devem ter ouvido? Será que tudo?
Somos tão frios, mais que qualquer criatura,
Temos de ser, senão nosso julgamento é afetado.
Mas por que rezam para nós em busca de afeto?
E aqueles olhos brancos,
Todos ao meu redor agora
E nada dizem.
Será que errei em questionar?
“Falem, meus irmãos! O que os trouxeram aqui”
“Suas Dúvidas”, disse um deles.
“Quem dúvida do próprio céu
É por que, nele, não pertence.
E por que duvidaste agora irmão?”
Palavras ditas pelo mais velho deles
“Diga-me se também não duvidas, Grande Irmão”
Foi a única frase que consegui formular.
Começava a sentir algo nunca antes sentido por nós,
um arrepio, algo se incorporara em mim
E logo percebi o que sentia: Medo.
Como posso sentir medo?
Não tenho emoções, vontades ou desejos.
Não é permitido sentir.
Mas naquele momento eu sentia
e pulsava cada vez mais forte.
O grande anjo se aproximou de mim,
Não sabia seu nome, se é que tinha.
Talvez fosse o aclamado Miguel
Simplesmente não sei.
Mas havia uma seriedade naquele olhar.
“Por que te afastaste de nós, irmão?
Vejo-te mais humano que anjo agora
O que te fez mudar tanto?
Não pretendes mais continuar um anjo?
Fala-te conosco!”
Tentando me manter firme,
e com meus pés trêmulos,
aproximei-me dele.
“Não vê as pessoas lá em baixo?
não te dá inveja não poder ter o que eles têm”
O Grande anjo arregalou os olhos,
que de severos passaram para pasmos,
como se não acreditasse no que eu disse.
e mais perto chegou,
e a cada passo, maior ele parecia.
“Você está com inveja?
como? Não sabes que isso é pecado?
Como ousa um dos pecados ao céu?
E que inveja eu teria? São tão impuros.”
Seus olhos penetravam minha essência
Dessa vez eu consegui dizer sem tremer
“Eles têm o que eu nunca pude ter,
Eles morrem por amor e continuam vivendo,
Eles, por mais impuros que sejam, buscam a felicidade.
e as vezes a tem. O irmão a tem também?”
Ele se limitou a não me responder,
talvez não soubesse a resposta, então disse:
“Irmão, tu traz contigo grandes conflitos,
que, aos poucos, vem tirando a paz deste lugar.
Diga-me de uma vez, com toda certeza, o que desejas?”
Aquelas palavras me acertaram,
como uma faca,
várias e várias vezes.
Eu estou tirando a paz do céu
por querer amar intensamente como as pessoas?
Minha essência, além do medo que a arrepiava,
agora me sufocava com uma tristeza profunda,
estou sendo repreendido por tirar a paz do céu,
de perturbar a casa do meu Criador,
Tinha de falar algo
“Quero um motivo para morrer”
“Quero poder viver um amor”
“Quero morrer por amor e continuar vivendo”
foram as três frases que consegui falar, quase gritando
Foi quando uma lágrima surgiu em minha face.
Todos permaneceram em silêncio
Era a lágrima de um anjo
Fazia quase uma eternidade que não se ouvia falar dela
e ali estava ela, surgindo da essência de um anjo profano,
que desejava não ser mais anjo, como podia?
A lágrima se soltou da minha úmida face
e caiu sobre as nuvens do céu
uma grande luz surgia, tão forte, tão brilhante.
Os anjos ao redor, tão desconexos e perplexos,
rezaram pedindo orientação.
O grande anjo me olhou com carinho desta vez,
que assim seja feita tua vontade irmão.
e em coro os anjos cantaram.
A Canção da Queda
só me lembro do começo, depois tudo ficou escuro.
Sinto que estou caindo
Mas não posso enxergar nada
Acho que já não sou mais anjo
E isso me limita a visão apenas do mundo humano
E assim fiquei, não sei por quanto tempo.