STA. Parte IV - A CANÇÃO DOS CONDENADOS

Ainda me encontro aqui parado,

Desta vez, sentado em algo que não sei dizer o que.

Devem ter se passado dias, talvez meses.

Quando não se há luz pouco se tem noção do tempo.

Mas ainda espero a hora certa de sair.

Deve ter sido derramado tanto sangue neste terreno

Pois aqueles gritos de agonia só agora cessaram

Talvez eu não queira abrir meus olhos

Quando a Luz voltar

Se ela voltar.

Pobre daqueles que se feriram,

Que gritaram em vão por socorro.

Imagino que ainda sofram as dores das feridas

Pois dessa vez a morte não é o fim de nada.

Apenas uma das razões de estarmos aqui.

Já estamos todos mortos

Quem viu a morte que se contente com sua lembrança

Pois aqui dificilmente ela voltará

Nós somos a escória da alma

Muitos de nós já fomos condenados

Ainda espero que volte a Luz,

E que ela nos traga um pouco de ordem.

O medo do escuro transforma qualquer um em inimigo

E o Medo é o professor mais irônico daqui

Pois o medo que nos moldam é o mesmo que nos corrompe.

Mas voltando aos meus pensamentos

Já faz uma era que o silêncio reina aqui

Até os gritos de agonia se foram

Como se nada estivesse acontecido

Hora de refazer meus passos e achar algum outro detento.

Enquanto ando me pego “filosofando”

Os vivos que lutam por igualdade deviam vim para cá

Aqui conseguimos ser todos iguais,

Mortos Condenados presos neste infinito Limbo

Somos todos simplesmente deixados aqui.

Será que aqui é o famoso inferno?

Os cristãos iriam adorar estarem certos,

ia ser um “eu te disse” infernal.

“está escrito”, “aqui diz...”.

Deviam é estar aqui também pela arrogância

Mas se for mesmo o tal lugar,

É melhor eu ir correndo fazer amizade com o patrão.

Mas deixarei isso para depois,

Dizem que ele adora brincar com o fogo

E eu já não.

Isso é algo que eu já deveria saber,

Eu estou há mais tempo aqui que muitos deles.

Já nem lembro os pecados que cometi

Nem a vida curta que tive.

Mas não acho certo isso de condenar por toda a eternidade.

“Heeeeeeey.... cuidado”

Disse uma voz fina meio rouca

E foi cada vez se aproximando mais

Mas havia outros passos também,

Que o acompanhavam depressa.

E já estavam ao meu redor

Eu conseguia sentir o cheiro fétido do grupo.

“O que querem? Só estou de passagem”.

Algo forte me segurou no braço

“E onde pensa que vai, aqui temos impostos”.

O medo me subiu a espinha.

Era certeza que iria perder um órgão ou um braço

E nunca ouvi falar de médico no inferno

A única coisa que consegui pensar:

“Tra... Trabalho para o Senhor daqui”

Em toda a escuridão que ainda reinava

O único meio de saber algo era ouvindo

E estranhamente o agito diminuiu

“O senhor trabalha para o Pata-Rachada?”

“seu trouxa, não fale assim do Belzebu” disse o de voz fina.

Eu simplesmente não acredito nisso,

Agora é só conter o riso.

“Sim, e ele me mandou reunir os condenados”.

“Reunir todos para cantar a Canção”

“vamos logo, reúnam os outros!!!”

E assim, eles foram correndo.

E assim fiquei aliviado, salvei-me.

Mas logo o medo voltou, voltou com força.

Quando eu percebi era tarde.

Tinha dito justo as mentiras que não podiam ser contadas.

E em pouco tempo,

Foram chegando em meio a tropicões

Talvez meu cheiro estivesse forte também

Pois foram parando próximo a mim

Como um exército em frente ao seu general

E, simplesmente, começaram.

Com as batidas das correntes de ferro no chão

E as pisadas duras com o pé direito.

E em perfeita simetria,

Cantaram a Canção dos Condenados.

Era uma canção que, resumidamente,

Suplicava misericórdia,

Prometia que os condenados, juntos, obedeceriam.

E invocava a “Formosa Piedade Entre Nós”.

Nome dado, carinhosamente, a Morte.

A canção finalmente acabou

e sabíamos quem estava vindo.

Já me faltava o ar de tamanho desespero,

Só conseguia pensar em uma frase:

“O que foi que eu fiz?”

E de pequenas chamas o lugar se iluminou,

O sangue daqueles gritos de agonia pintava o chão.

Todos ficaram parados.

Nenhuma voz ousava quebrar aquele silêncio.

Mas não precisou de som algum.

Bastou eu olhar a direita e meu sangue congelou

Ali estava ele, com a pele avermelhada.

E olhos que mudavam o tom conforme a dança do fogo.

Abriu um sorriso amarelado e apontou pra mim.

Já sabia naquele momento que eu não existiria mais.