O menino e o barco.

Um barco de brancas velas, ao longe surgindo, vem com tranqüilidade, deslizando por águas límpidas azuis. Desperta ainda mais a admiração de um menino, que observando o horizonte tão distante, o vê chegar assim, inexplicável. Desde muito pequeno, ali ficava observando o mar, sem nada ver.

Com seu olhar ingênuo, ou meio malandrinho, fica extasiado na beira do cais. Tão próximo agora, quer tocar-lo mesmo por breve um instante, afastar as duvidas de que não era um sonho, ilusão ou miragem. Em sua imaginação estava se formando a intima relação, somente ele e o barco, admira-lo seria pouco, queria seduzi-lo, trazer para junto de si, e nunca mais se afastar.

O pedaço de mar que os separava é largo e profundo, aumentando a angustia de estender o braço em vão, vai se formando em seu coraçãozinho apertado de tristeza, a paixão cada vez maior ainda mais incontrolável.

Ancorado ao largo, imóvel a espera de uma nova rota. O menino de longe a beira do cais, a desejar, que no mínimo, ali ficasse, seguro, distante de mares bravios e do mal tempo.

E silêncio aguardando, que mais próximo fique, a ponto de se tornarem um só, esquecer o tempo; o frio da solidão, aplacando com a distancia reduzida. Às vezes um aceno louco, tentando a atenção chamar, um olhar constante, terno e vigilante, não querendo que desapareça do alcance da vista.

O menino já reconhece que envelhecer também faz doer, de nada poder fazer, a não ser, pacificamente esperar. Quem sabe o destino, em um ato inesperado, os seus sonhos se realizam; um otimismo, quem sabe ou tem certeza, sem o menor fundamento. Teimosia , continuar esperando sem descanso, sonhar; um choro de silencio e tristeza.

Em certa ocasião tão atrevido estendeu o braço, chegou ao barco tocar, ingênuo, jogou-o mais distante, e por castigo foi lançado ao fundo, um retorno molhado de frio na realidade do porto, tremia. Mas por aquele ínfimo instante, pode-se dizer feliz, sem arrepender-se, embora tão desajeitado não medindo conseqüência, se pudesse novamente o faria inúmeras vezes, em nome de e um desejo maior... Nada fez por merecer, que o barco mais próximo ficasse.

Agora longe, com aparência frágil do barquinho de papel, pequenino navegante, no oscilar das marolas, silencioso a vagar, aos olhos deste guardião.

À noite, o menino adormece, cansado, mesmo assim não abandona os pensamentos do dia, seus sonhos, tem maior intensidade e vibração, inconfessável segredo, poder fechar os olhos, na intimidade do sono, sem medo ou pudor, realizar tudo o que mais quer, a liberdade e se por a viajar.

Ao romper do dia, bem antes de nascer o sol, o menino corre! Um único objetivo, ver o barco. O nevoeiro da manhã, dando uma atmosfera mística, encobre o olhar, dando a impressão que já partiu, na calada da noite, sem que pudesse dizer “adeus! Volte um dia! Que estarei à espera!”

Enfim, chega o sol, acariciando quente mais um dia, vestindo de dourado as brancas velas, debaixo do céu mais azul, nuvens qual flocos de algodão, lambidas pelo flamejante espetáculo de falhar o fôlego, tão monumental o matutino descerrar das cortinas, num palco chamado vida, seus atores não ensaiam uma vê se quer, no seu papel, o vivem simplesmente, dia após dia. Aqui é proibido fazer o bis, voltar a cena, começar de novo, nada se repete, não sobra tempo, que passa , corre em fuga, qual grãos de areia por ente os dedos. O menino sabe que quem acordou tarde, não sabem o quanto perdeu; como a existência só vive um momento de cada vez, cada qual a sua maneira, sendo primeiro e único. O menino guarda para si a tocante visão, relembrar ao menos um dos bons momentos, quando se disser mais idoso, de cabelos brancos, um sorriso nos lábios, fechar os olhos e deixar escorrer uma lágrima da lembrança, no rosto já sofrido.

E momento em momento, o fazem esquecer da sua infância; bolinhas de gude, o velho estilingue; provavelmente uma transição para a puberdade, o reconhecer de algum excelente motivo, continuar entusiasmado, guardar na memória pequenos fragmentos do que ainda é considerado bom, sentir o palpitar de uma paixão, tudo o mais advindo do mesmo sentimento, por mais temporário, proibido , não sairão facilmente da cabeça, ainda não existe palavra que defina exato estado de espírito, pela simples visão , ao menor toque o faria enlouquecer, paralisado, confuso, não sabe se grita ou chora.

Deu-lhe as costas, inconformado com a distancia, aparentemente maior, cabisbaixo, pensativo sem dar a menor importância, como o dia poderia terminar. Como se fosse um castigo o barco, também some no dia seguinte, sem o menor vestígio. Sem saber para onde foi! A saudade já quer fazer da suas, com os olhos marejados, procura por mil motivos plausíveis, na tentativa de abrandar a preocupação, ao contrário, aumenta ainda mais, por não ter visto partir; ao inflar as velas ao sabor do vento mais brando, o deslizar suave sobre as pequenas ondas, deixando um véu de espuma ao passar....