A JACA- Roberta Lessa
- Era a menina nascida em frente ao portão de casa, que de tão atirada sequer avisou sua vinda ao mundo, nele estreando sendo de sopetão apanhada pelas mãos daquela que seria então sua dinda querida. Já de imediato sua mãe já sabia que essa coisinha “daria trabalho”, tal sua sede e pressa de nascer, crescer e conhecer o mundo novo que se apresentava. Porém nada a mãe temia, pois a certeza dessa vida nova vir, independente de querências, tecia novos propósitos à família que a recebia, sabiam que nada seria comum e simples para a menina.
- Era a menina que crescia andando por entre cabras, vacarias, cavalos, cães, raposas, aves e outros seres, enfim toda miríade que habitava o local que a acolheu absorvendo-a enquanto parte daquilo tudo. De nada adiantava chama-la quando se perdia no universo daquela terra, nem o cheiro da comida do fogão de lenha, nem a chegada da parentada da capital, queria sim continuar aqui e acolá perseguindo borboletas, trepando em árvores e conversando com Totó, seu bode amigo de todas as empreitadas e aventuras.
- Era a menina de cabelo desgrenhado pelo vento que soprava ideias de liberdade já em sua tenra idade de correr solta pelo mato, que crescia impune e imune às periódicas enxadadas daqueles que arduamente cuidavam da terra. Dentro do peito, forte e firme, aquele que somente deveria pulsar suavemente aumentava seu compasso tamanho era o gozo da criança descalça ao sentir a terra e dançar por entre as folhas que caiam das copas das árvores até sua chegada ao chão. Felicidade que poucos sabiam conter em pequenas ações.
- Era a menina pisadora da terra que nascera entre animais orvalhados pela madrugada e ensolarados pelo sorriso de quem os nutria ao raiar do dia. Sabia da unidade daquele espaço, daquele tempo que seria marcante para o resto de sua vida, mesmo que aqueles que de fora olhassem jamais tivesse a sensibilidade de desvelar seus segredos tão visíveis à olho nu. Sorria livre a menina sem saber que o tempo se aliaria ao seu cotidiano e tornaria boa recordação cada segundo vivido e intensificado na memória afetiva.
- Era a menina nutrida pelo que hoje se categoriza cultura campesina, mas nem se dava conta, pois era mais intensa a vivência do que a teoria dos que apenas observam. Seu corpo todo vertia vida e sorvia esperança de dias que repetissem as delicias do dia anterior,
- Era a menina de sonhos acordados entre o realizável e o impossível que nutria pernas, mãos e sorrisos onde todos apenas viam sobrevivência, a terra era amada como parte de si mesma e cada seiva era a mesma que corria por dentro de seu corpo inquietado pela idade do descobrir.
- Era a menina de odores, sabores, paladares jamais experimentados por outrem, a certeza da vida era o que mais a atraia no lugar, pisar a terra era além do pisar na terra, e essa delével marca levaria consigo eterna e intensamente. Tempo de pés e almas desnudos, de coloridos olhares refletidos em vidraças molhadas pela chuva matinal, de cheiro de pão e café da hora, de mãos de afagos e colos jamais esquecidos. Apesar do tempo, um belo hiato tornou-se oásis em seu tempo, e a ele recorre quando necessário fortalecer-se.
Ana Regina Z. Everaldo, agradeço pela gentileza, e nem sabes o quanto me remeteu ao meu oásis, no tempo dessa menina que cresceu amando a terra e vivenciou acima de tudo o sabor de toda grandeza de crescer entre animais, plantas, comida de vó e tudo mais que recordo. O que me marcou em sua sensibilidade foi dar-me esse mimo, pois sem saber, fez minha emoção aflorar, remetendo-me à infância em que, sentada em baixo da imensa jaqueira sonhava crescer e continuar liberta, trago o cheiro desse tempo desde sempre.
Quando cheguei em casa à noitinha e vi o que fizeste chorei de emoção e fiquei a admirar o bendito fruto que suas mãos me enviou, como sê o passado e meus ancestrais viessem e soprassem em meu ser o recado que estão e sempre estarão vivos em mim. Sua forma carinhosa fez-me crer novamente em seres de delicadeza perdida nesse planeta que ainda acredita em seus filhos, seu gesto teve imenso significado para mim. Esse seu presente fez-me retornar ao que mais amo que são minhas raízes que estruturam o que hoje sou.
Gratidão, mansa, imensa e intensa, sua gargamela querida. Sua horrorosa de lindosa, olha o que fez comigo