HISTÓRIA DE UMA PORTA

Conto de Camilo Castelo Branco

RESUMO

Um rapaz se perde durante uma pescaria no interior de Portugal. Seu nome é Camilo. Já era noite e, buscando informação à procura de abrigo para pernoitar, um pastor indica uma determinada propriedade. Quando chega ao lugarejo indicado, o rapaz fica extasiado pela beleza da porta, que era ricamente entalhada. Ele é, então, recebido pelo dono da casa, um pastor, lavrador e chefe de uma família grande e típica interiorana, chamado João Barroso. Então ele ceia, conhece um pouco dos hábitos locais, e pernoita. Mas, antes de dormir, depara-se com uma pilha de livros antigos, num canto que seria destinado à reza de padres. São obras antigas de um autor representante do iluminismo português, de exploradores portugueses, textos em latim e outros em espanhol.

Na manhã seguinte, vai até a porta, para apreciá-la com suas figuras e fatos bíblicos retratados, e outros detalhes que o impressionaram. O pastor, percebendo a curiosidade do rapaz, conta-lhe a história da porta, que já tinha cinquenta e seis anos.

Foi um tio formado padre, de nome Domingues Carneiro, que tinha voltado do Brasil, muito rico, e com um acompanhante aprendiz de padre, Vicente - a quem o padre dispensava muita atenção e afeto – quem propiciou o feitio daquela verdadeira obra de arte. Domingues Carneiro planejou o levantamento de uma grande casa, ali mesmo, começando pela porta. Encomendou artistas e mestres-de-obras da capital, especialmente para aquela construção. O padre morre e deixa a casa inacabada. Esta, devido o seu estado, o seja, ainda mal finalizada, foi comprada pelo pastor mediante o dote adquirido com o seu casamento. Nos seus últimos momentos de vida o padre Domingues Carneiro tinha deixado várias recomendações aos parentes sobre cuidados a serem dispensados com o tesouro que havia escondido, e com relação ao trato que deveriam dar ao seu acompanhante Vicente - que, aliás, tinha maus hábitos, apesar da boa educação e era chamado “filho”, pelo padre. Quando o pai do pastor vai à adega desenterrar o tesouro, repara que tinha sido subtraído do tesouro, e que Vicente, protegido do padre, havia fugido. Então, Vicente passou a ser procurado pela polícia local.

Passados sessenta anos, aparece no lugarejo um velho mendigo, que tinha algumas características do padreco suspeito. Por isso, as pessoas passaram a deduzir que o mendigo era Vicente, o antigo protegido do padre, e que estava a cumprir penitência pelo seu pecado no passado.

Até que certo dia, já doente, o mendigo morre à porta da adega, local em que, anos atrás, havia ocorrido o furto. A adega, conta o pastor, continua assombrada mesmo após todas as rezas que encomendaram por lá. Há quem diga tratar-se da alma penada do padre Domingues, inconformada. Mas, contraditoriamente, diz-se também que o suspeito era bispo no Brasil e, portanto, não poderia ser o mendigo.

Contudo, o jovem hóspede, encantado e ao mesmo tempo muito curioso com a história, promete a si retomar o assunto e desvendar o mistério por trás do feitio da porta, e também investigar sobre a descendência do aprendiz de padre que, segundo disseram, morreu Bispo no Brasil; se foi ou não, homem digno em seu feitos.

ANÁLISE

Narrativa:

em primeira pessoa; narrador observador.

Personagens:

Camilo: o jovem hóspede.

João Barroso: o pastor hospedeiro, dono da porta.

Domingues Carneiro: tio de João e padre.

Vicente: protegido do padre e possível filho daquele.

Enredo:

A história de uma porta esconde mistérios sobre a paternidade de um aprendiz de padre, Vicente; sobre as circunstâncias de e a respeito do furto do tesouro trazido pelo Padre Domingues.

Desenvolvimento:

Camilo, casualmente, vai parar numa propriedade, a princípio com uma estranha porta (primeiro momento);

Defronta-se com uma história de família, a partir dos enfeites entalhados (segundo momento);

Fica intrigado, prometendo-se desvendar um mistério sobre o caráter do bispo brasileiro. (terceiro e último momento).

Tempo:

O autor escreveu o conto entre 1845 e 1890, período em que foi produtivo como escritor. Podemos imaginar que o tenha escrito ainda jovem, em 1845.

Cronológico: O conto segue uma sequência de fatos narrados pelo autor onipresente, mas como existe outra história inserida no conto, há momentos que é preciso retroceder no tempo, o que caracteriza o tempo psicológico.

Observações:

. Supondo que o jovem Caminho esteja com vinte anos e a história da porta teve início cinquenta e seis anos antes, quando o pastor João Barroso tinha, sete anos, então, este estaria com setenta e seis anos. A porta foi talhada sob a influência do movimento Barroco, pelos inúmeros detalhes “rococó”, descritos por Camilo.

. Camilo estava duas léguas distante de sua casa, então, podemos imaginar, como exemplo, a visita de um paulistano ao interior, onde a oralidade é diferente. Por exemplo: Camilo estranha algumas palavras, cismas e expressões das pessoas:

Página 10: “- Vossemecê vai rebentar mesmo à porta do rio João Barroso. ... Rebentar, felizmente, era sinónimo de sair ou chegar.”

Página 12: “- Sim; diz lá o outro: não se pescam trutas a bragas enxutas... Não o vejo molhado!”

“Agradeci o suplício dos tamancos, e mantive a decência da jaqueta.”

“- Assis ficará até ao fim do mundo, que o portão só pode cair quando o mundo tiver sua fim”.

Página 14: “A ceia era um caldo de castanhas piladas bem adubadas de toicinho, e toicinho bem assazoado de batatas, a que lá chamam castanholas.”

Página 16: “Levantei-me; e como não visse lavatório, nem água, nem toalha, saí a lavar-me na fonte, que estava perto, e regressei a limpar-me aos lençóis.”

Página 24: “ – o homem deu-lhe alguma!-disse meu pai. Deu não deu, pr’aqui pr’ali, arrombe-se não se arrombe, cerca tem mão, às duas por três vem um ferro...”

. Pode-se notar, também, que a porta foi talhada num tempo em que acontecia a decadência da Igreja e a forte discriminação racial: “...Agora, pelo que oiço dizer, o estado manda aos matos buscar pretos para os fazer padres. A religião está por um cabelo!” páginas 20/21.

. Momento que gerou dúvidas e instigou a curiosidade de Camilo sobre os feitos de Vicente, apesar de ter encerrado a entrevista com a certeza de que este havia morrido como bispo no Brasil:

Página 27: “- Não vou jurá-lo; mas a verdade é que ele adoeceu neste aldeia, e uma noite saiu de um palheiro onde dormia, e foi morrer à porta da minha adega.

- Não há dúvida nenhuma que era ele – acudi eu.

- Pois sim; mas um brasileiro do Arco disse-me que o padre Vicente Carneiro, ainda há doze anos era bispo numa cidade dos Brasis.”

FALC – 3º Semestre de Letras/noturno - Literatura Portuguesa

Atividade apresentada para fins de avaliação de compreensão da estrutura e dos elementos da Narrativas em texto literário.

29/09/2011

Marisa Silveira Bicudo
Enviado por Marisa Silveira Bicudo em 31/10/2014
Reeditado em 07/11/2014
Código do texto: T5017943
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