Fome
Desesperada e instigante, uma dúvida desperta do fundo. Desperta, já tem um por que, o porquê da resposta e não da pergunta. Aquele tipo de questão que só faz sentido quando Já foi resolvida, quando não se esperam mais resultados, quando a mente descansa, como quando presenciamos os segundos de calmaria que precedem um instante de puro caos, ou,a realidade absurda.
O problema é que a verdade é podre, no seu sentido mais simples, decompõe-se junto com a carne, como nós, a verdade é orgânica, passageira. Nutre uma terra que gera frutos devoráveis, consumíveis, nutritivos, para no fim deixar uma ideia: a ideia da lembrança do que foi um sabor. A verdade é devorada quando não está mais presente, quando temos fome, e colocamos sentido naquilo que buscamos, e quase nunca sabemos o que buscamos.
A verdade se revela então tal qual o porquê, afinal, se não fossem as verdades tão ditas, não haveriam os porquês. Se a verdade é um motor, o porquê é que lubrifica suas engrenagens,
Corrobora para o objetivo final, que é produzir movimento, o caos que atordoa, o fruto que nutre, o silêncio que a assusta.
Com a dúvida, então desperta, o olhar é atento, foca, escapa e abrange, o ponto de fuga é seu descanso, o zunido leve no ouvido, situa a mente de que é necessário estar presente e ausente,
É um aviso, de que na verdade, a linha tênue entre o consciente e seu subconsciente, o porquê e a verdade, vibra fervorosa, e é preciso estar entregue para que alguma mensagem seja reproduzida, toda essa confusão não tem nada a ver com o sujeito que você acredita ser, nada se organiza diante do caos constante.
Talvez sejamos frutos devoráveis, talvez o tempo nos mastigue e tire o sentido de toda a verdade que carregamos, dura, com as articulações rangendo. Talvez a medida de tempo que nos condicionamos a calcular só sirva pra nos tornar mais um porquê, que vai nutrir o chão pra que nasçam outras verdades, que sejam devoradas, irrevogáveis, vivas, orgânicas.
O flagelo rompe quando um conflito delicado surge de todo esse movimento. Outros olhares. Aqueles que nos congelam e arrancam de nós a primeira e última impressão. O martelo que julga infinita a verdade que sangra do fruto mordido pela primeira vez. O olhar, que procura a forma e o sabor do pomo que lhe agrada, que cospe quando não gosta do amargo, que rejeita o podre.
Qual era a dúvida ? O zunido desaparece e a mente parece tatear o que lhe parece palpável, e o corpo, como se recuperasse de um leve esforço se reúne numa certeza revigorante, talvez a única da qual se vale nutrir: não me interessam as certezas, são podres.
E vão nutrir a terra, tudo que sair do chão será verdade, vai alimentar porquês, e haverá galhos para pendurar novas dúvidas, e quando as certezas caírem dos pés, serão mastigadas, como nossas mentes que se perdem entre si e o tempo, recordam sabores, transbordam pomares.
Se não houver dúvida nos olhares, certezas por entre os medos, verdade em cada loucura, quero ser do fruto mais podre, que se rejeita antes de ser provado, quero eu mesmo, consumir meus absurdos, provar das minhas barbáries... Alimentar minha fome.