Vida E Morte (EC)
O tema da morte, da finitude, em oposição à vida tem sido amplamente discutido por filósofos, poetas e teóricos, da antiguidade aos dias de hoje. Enquanto muitos fogem dessa ideia, outros consideram que pensar sobre a morte ajuda a compreender a razão de se viver. Ter consciência da própria finitude e avaliar os próprios comportamentos e atitudes é uma demonstração de sabedoria, fiquemos com o segundo grupo.
Para Sêneca, filósofo romano, quando as pessoas afirmam ser a vida muito breve é porque não compreendem o real valor dessa existência, dado que não está na extensão da vida, mas na arte de se saber viver, de não desperdiçá-la com atitudes que podem abreviá-la. Ele enumera algumas dessas atitudes: ganância, gula, trabalhos supérfluos, embriaguez, preocupação com a vida alheia, o lucro, a inveja pelo destino alheio, a falta de objetivos, a falta de rumo na vida, a riqueza, a raiva, a avareza, entre outros.
Refletir sobre essas atitudes nos faz perceber o quanto nós desperdiçamos as oportunidades nessa curta existência. Assim, a vida exige de nós uma constante aprendizagem, controle e consciência. Nas palavras de Sêneca “deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que te admires, durante toda a vida se deve aprender a morrer”.
Parece ser simples, no entanto é complexo e requer de nós uma autocrítica constante, não é fácil abrir mão de prazeres e desejos pessoais, tampouco é simples aceitar que tudo é transitório. A transitoriedade aqui se refere à matéria, pois os vínculos que formamos nessa morada breve são eternos. O amor, por exemplo, é um bem que carregamos conosco. Há uma definição de amor, que é bela na sua simplicidade, mas diz muito, “O amor é quando a gente mora um no outro”, do poeta Mário Quintana.
É preciso aprender a pensar sobre essa transitoriedade, que é a vida presente, e sobre sua finitude. Montaigne, ensaísta francês, século XVI, para quem filosofar é aprender a morrer, ratifica esse pensamento “Meditar previamente sobre a morte é meditar previamente sobre a liberdade (…). Não há nenhum mal na vida para aquele que compreendeu que a privação da vida não é um mal. Saber morrer liberta-nos de toda a sujeição e imposição.” Para ele, “Quem ensinasse os homens a morrer os ensinaria a viver.”
Mas o que significa viver bem?
Sêneca, o filosofo, nos aponta a ciência das coisas contra a ignorância acerca das coisas como um fator importante para o saber viver. "Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é por si só, uma vida", é uma advertência.
Dalai Lama, monge budista, nos diz que é necessário que enfrentemos a morte, a velhice e as doenças, que, tais como os furações, são fenômenos naturais que fogem ao nosso controle. E que o amor e a compaixão são as virtudes mais preciosas para se viver bem. O pensamento de Dalai Lama se aproxima ao de Sêneca ao considerar a ignorância a raiz de todo o sofrimento. Rancor, ódio e ciúme são não-virtudes e devemos nos afastar delas.
Deixando de lado o terreno da filosofia, os poetas nos apresentam esse tema sob diversas óticas. Mário Quintana, poeta modernista, brinca com a ideia da morte, segundo ele “A morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos”.
Florbela Espanca, poeta portuguesa, faz um convite a “indesejada das gentes”: Morte, minha Senhora Dona Morte, /Tão bom que deve ser o teu abraço!/ Lânguido e doce como um doce laço /E como uma raiz, sereno e forte. /Não há mal que não sare ou não conforte /Tua mão que nos guia passo a passo.
Fernando Pessoa, poeta português, criador do fenômeno da heteronímia, nos diz que “A morte é a curva da estrada,/morrer é só não ser visto./ se escuto, eu te ouço a passada/ existir como eu existo.
E Cecília Meireles, grande poeta brasileira, nos faz pensar sobre os adeuses, para ela é dos adeuses que morremos e Deus nos permite vir aqui para mostrar que estamos vivos: “Deus consente que os homens venham/a esta intimidade de amigos,/somente por mostrar que se amam,/que estão no mundo, que estão vivos./Depois, a música se apaga,/diz-se adeus com lábios tranquilos,/deixa-se a luz, o aroma, a sala,/com os serenos perfis divinos,/sobe-se ao carro dos regressos,/na noite, de negros caminhos (...). Dos adeuses/ que vamos sendo – ó ramos de ossos, flor de cinzas –/ é que morremos [...].
É curioso pensar sobre esses pontos de vista. A morte como libertação; como cura, um abraço doce que sara e conforta; como a inexistência dela própria, afinal morrer é só não ser visto; como um regresso, tranquilo e sereno.
É curioso e nos conforta, ampara nossa crença de que nossa estada aqui é passageira, fugaz, mas que há em tudo uma razão de ser, que existem, certamente, outras moradas – onde as pessoas se reencontram e podem, finalmente, amar, sem medos e imposições.
Pensar sobre a vida e sobre a morte é, pois, um exercício de humildade.
Este texto faz parte do Exercício Criativo (EC) sob o tema Vida e Morte. Outros textos versando sobre o mesmo tema neste link: http://encantodasletras.50webs.com/vidaemorte.htm