Matrimônio : Aliança e Reino
O título deste trabalho nos remete a uma reflexão profunda sobre o matrimonio : aliança e reino no mundo cristão. Onde começa um e onde começa o outro ? Fontes e aspectos bíblicos que encontramos nas Escrituras Hebraicas – EH a nas Escrituras Cristãs – EC .
Mas o que trataremos aqui é da metáfora entre matrimonio e aliança. Para tal nos apoiaremos nas seguintes fonte bíblicas : Gn 1,27 ; Gn 2, 18-25; Ex 6,7; Lv 26,12; Os 1,9; Os 2,21; Ef 5,21-33; Mc 10, 2-12; Mt 5, 27-32; Mt 19, 3-9.
Em princípio seria interessante fazer uma distinção entre casamento e matrimônio. Muitos acreditam que são palavras sinônimas. E são, mas com uma diferença peculiar : casamento é ato jurídico na esfera do direito. Matrimônio é ato religioso, na esfera transcendental, divina. Para nós cristãos, é a participação plena de Deus na felicidade e na vida do casal.
Em Gn 1, 27 , texto Sacerdotal, escrito depois do exílio na Babilônia, temos o seguinte : “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” Já percebe-se uma nova postura sobre a mulher, ela não é mais tratada como auxiliar, ajudante, adjutora ou seja lá o que for que a coloque em nível de desigualdade com o homem. Em Gn 2, 18 texto Javista, escrito antes do exílio, temos : “ E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele.”
Aqui temos os primeiros passos para o que chamamos ao longo dos séculos de casamento; mais tarde, com uma visão mais espiritual, passamos a entender o casamento como matrimônio, pois percebemos que tem tudo a ver com a Aliança entre Deus e seu povo : hebreu. Vejamos em Ex 6,7 “E eu vos tomarei por meu povo, e serei vosso Deus; e sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tiro de debaixo das cargas dos egípcios;” Uma Aliança entre o Senhor e sua amada : o povo de Deus. Nascia, assim, um pacto nupcial onde o Senhor sempre foi fiel, mas a amada por interesses mundanos diversas vezes lhe virou as costas.
A beleza dessa metáfora : o matrimônio entre Deus e seu povo é a base de sustentação, a viga mestra para entendermos que o casamento entre um homem e uma mulher tem ligação direta com essa metáfora. Afinal de contas, a liberdade de vontade que Deus nos deu continua firme. Quem quiser casar-se somente no direito pode fazê-lo sem problema algum. Mas aqueles que quiserem “convidar” o Senhor para participar da sua felicidade, encontrarão, no matrimônio, essa benção.
Em Lv 26, 12 o Senhor continua afirmando a sua aliança – matrimônio com o seu povo : “E andarei no meio de vós, e eu vos serei por Deus, e vós me sereis por povo.” É uma alusão clássica ao matrimônio e isso se transfere na integra para a aliança entre o homem e a mulher.
No Livro de Oseias a história fica clara, é a tristeza do Senhor pela infidelidade de sua amada : o povo hebreu. Ao determinar que o profeta se case com uma prostituta, o Senhor demonstra a quebra da aliança entre Adonai e o povo hebreu que dá as costas ao Senhor e age como uma prostituta. Em sua mágoa Ele promete vingança, mas jamais cumpre essa promessa, pois seu amor pelo seu povo chama-se misericórdia.
Para uma melhor visão e compreensão da maturação do instituto do matrimônio/aliança junto ao povo hebreu precisamos ir às fontes : Livro da Aliança – Ex 20,22 – 23,33 ; Código Penal Dt – Dt 12 – 28 ; Lei da Santidade Lv 25, 39 – 43. Nesses três Livros Sagrados, nos itens apontados, temos os detalhes da Aliança que Adonai fez com seu povo eleito. São dados específicos e não genéricos, que tratam das relações entre os hebreus e todos aqueles que os circundam e a base de tudo encontra-se na frase máxima repetida diversas vezes pelo Senhor : “… pois fostes escravos no Egito …” É vital que isso cale fundo no coração dos judeus para salvar a memória do povo e jamais permitir que façam aos outros o que já sofreram.
A teologia do matrimônio surge na criação, mais especificamente no livro do Gênesis, como mostramos anteriormente. E ao poucos demonstra uma desmistificação de que o casamento entre homens e mulheres era uma imitação do casamento de deuses (helenismo). Pelo contrário, o matrimônio entre os hebreus tem como ponto de referência a Aliança de Deus com o povo eleito. E isso era divulgado entre as nações circunvizinhas para que compreendessem o magnifico significado do poder do Deus único dos judeus. Portanto, a Aliança é o matrimônio e assim o matrimônio deve ser como a Aliança.
O ponto forte da reflexão sobre o matrimônio na era das Escrituras Hebraicas deixa de fora uma visão distorcida de que o casamento tinha como foco a procriação. Na verdade, o matrimônio tem como fundamento o amor entre o homem e a mulher e ao “imitar” a aliança entre Adonai e o povo eleito, fica mais claro ainda a dose generosa de amor que prevalece entre os noivos, pois sendo um povo altamente religioso a presença do Senhor na união dos casais é uma máxima.
Numa época em que as mulheres eram tratadas como propriedade dos homens (primeiro do pai e depois do marido) é interessante observar que o povo hebreu adotou a monogamia e não a poligamia como era muito natural entre os demais povos da região. A monogamia hebraica tem sentido exatamente no respeito à Aliança entre Adonai e os judeus. Mesmo com a reflexão que encontramos em Jr 23 quando o profeta fala na bigamia do Senhor ao desposar Israel e Judá.
Em várias outras passagens pelas EH encontramos referências importantes ao matrimônio como peça chave na evolução do povo hebreu, é assim no Cântico dos Cânticos, na literatura sapiencial, etc. Mas, a chave de leitura é mesmo a Aliança : o amor do Senhor pelo Povo de Deus.
Leandro Cunha
março de 2014