Um pouco mais de mil...
Recentemente me chamaram para uma brincadeira: revelar dez livros que houvessem tido importância capital na minha vida. Apesar de já ter lido mais de 'trocentos' livros, não foi tão difícil assim elencar os textos que ajudaram a nortear personalidade e caráter e alegrias, mas a dificuldade começou quando inventei uma tal de 'ordem de importância'.
Para resolver o caso – e graças também ao que aprendi com as mesmas leituras – deixei a tal tolice dificultosa de lado e fui ser feliz de novo só em lembrar das preciosidades que já passaram por meus dedos e olhos, mente e alma.
Pois bem, ei-las:
1. Um conto de Charles Perrault denominado 'RIQUETE DE CRISTA', que me ajudou a discernir entre a beleza da sabedoria e a inteligência da estética (creiam: o limiar é de uma sutileza infernal!). (Apenas a título de informação: o rapaz, escritor e poeta francês do final do século XVII foi o primeiro a dar acabamento literário ao conto de fadas – com isso estabelendo suas bases enquanto gênero artístico, feito que lhe conferiu o título de 'Pai da Literatura Infantil'.);
2. Dois contos de Hans Christian Handersen – um fenomenal dinamarquês do século XIX que gostava de marionetes – quais sejam, 'A SEREIAZINHA' e 'O PATINHO FEIO'. Aos catorze anos aprendi a renunciar a quem porventura viesse amar, se pudesse me transformar em nuvem e chorar suave e utilmente sobre plantas, bichos e gentes ( melhor isso que virar espuma do mar, acho – e eis outra beleza da sabedoria: conquistar a própria alma não é fácil, não!). Quanto ao segundo conto: amor de mãe até tive, mas tão bebê que nem lembro, e o diabo é que a gente busca pelo resto da vida – sem nem saber que quer – a mesma incondicionalidade. Fico cá pensando se o lindo cisne autoimposto não preferiria mesmo era ter sido pato... (E esse bem pode ser um tema para a talentosa da Simone Pedersen.);
3. 'MÚSICA AO LONGE', um romance de 1936 do gaúcho Érico Veríssimo, lido aos doze anos, e aqui explicando o caráter pragmático e meio desmazelado do meu coração romântico, seja pela artéria conformada que o faz pulsar, seja pela veia contraditória, viciada em sangue usado...;
4. 'A BELA E A FERA', um conto publicado originalmente em 1740, de autoria de Gabrielle de Villeneuve, escritora francesa. E nunca mais fui feliz com leveza ou sem intenção, pois, mesmo sabendo da altíssima probabilidade de jamais acontecer, procuro desde sempre um amor assinzinho;
5. 'Um livro meio desconhecido de Lewis Carrol, 'ALICE NO REINO DO ESPELHO', de 1871. Inversões, confusões, esquecimentos... e espelhos. Virei maníaca – muitos adolescentes ficariam – mas o problema é que a fixação continuou, de tal forma que em muitos dos meus escritos há referências indiretas ou explícitas a reflexos de si, do outro, da vida, dos ciclos, dos delírios, do 'nitrato de prata entre o vidro e o papelão'...;
6. 'A HISTÓRIA DA RIQUEZA DO HOMEM', um 'super panfleto' publicado originalmente em 1936 pelo escritor e jornalista norte americano Leo Huberman, que no prefácio propõe explicar "a história pela teoria econômica, e a teoria econômica pela história". Li quando cursava Ciências Socias na UFC, em 1989. Se gostei de perder as derradeiras ilusões? Sim. Mas ainda sonho com adoção deste livro como material didático de Sociologia nas escolas médias brasileiras...;
7. 'O TEMPO E O VENTO', a obra clássica de Érico Veríssimo, já apresentado. Fui Ana Terra e seu filho; fui o amante índio, também, e Capitão Rodrigo – mas Bibiana era chaaata!. Estive sopro e eternidade, e sempre estarei: ser é perigoso, por autoenganador;
8. De Franz Kafka, 'A METAMORFOSE'. Bom, depois de Gregor Samsa e de seu desespero acomodado perante o absurdo do mundo, nunca mais aceitei de bom grado a ignorância ou a mediocridade;
9. 'REINAÇÕES DE NARIZINHO', de Monteiro Lobato. Esse dispensaria comentários, mas que nem a Emília, sofro de prolixidade e vou abrir a torneirinha: criança que não leu isso não foi criança de verdade verdadeiríssima!;
10. De Richard Bach, um aviador que escreve bem pra caramba, li 'A HISTÓRIA DE FERNÃO CAPELO GAIVOTA', e me achei em duas outras manias: criar passarinhos na alma e deixar as asas preparadas para romper limites – tanto que romperei a barreira de dez textos e listarei ainda
11. 'CEM ANOS DE SOLIDÃO', incomparável fantasia de Gabriel Garcia Marques e que me abriu os olhos para minha real capacidade de compreensão da vida, da história, dos tempos e dos espaços; e
12. Uma história ambientada em futuro bem distante, numa sociedade diferente, mas tão desigual quanto a de agora, sobre uma criança capaz de ver as cores já inexistentes e sentir dores que haviam sido banidas. No afã de proteger outra criança, fugiu dos seus e de tudo que conhecia... Esqueci o título do livro, o autor, e – porcaria, porcaria! – não há registro do livro em minha ficha de leitura na biblioteca pública de Morada Nova, onde o volume foi encontrado, degustado, compreendido e chorado. Por gentileza, será que alguém pode ajudar a resgatar a humanidade perdida? Grata!