SONHOS DE FIM DE ANO
Buscando nas lembranças as coisas que tanto amava, nos tempos que a tecnologia não dominava, descobri um desejo grandioso de viver alguns destes presentes que não existem mais nos dias de hoje, tais como: a calma a beira de um lago, tomar banho no rio, ver os pássaros, visitar cada ninho às cinco da matina, andar no canavial desacompanhada, fazer transa nas espigas de milho, pois eram as bonecas que conhecia àquela época. Se duvidar senti saudades até mesmo do furioso cavalo, que durante um acesso de raiva comeu a orelha do seu proprietário. Quando o via léguas de distância, já corria com medo de sua presença, pois era muito rápido e mal. Mas esqueçamos o safado do cavalo, único mal do meu passado.
Desejava um fim de ano diferente, com paisagens, silêncio e costumes que me mostrassem a paz buscada, por mim, em certos momentos. Momentos que, desde criança, jamais senti ou vivi como aqueles do meu tempo de menina. Queria um céu cheio de estrelas brilhando, piscando , comemorando a alegria, o simples, que pudesse ver a criançada festejando a liberdade, a natureza renascendo nos campos, os animais nos pastos, soltos e sem medo e me sentir mais perto de Deus. Não era uma fuga, apenas queria presentear-me com aquele cenário vivido e fugir das convenções, ficar longe dos prazeres da bebida, do desapego da família , do barulho ininterrupto dos carros de minha rua, da falta de sorrisos e ter de volta a amizade sincera e ver determinação e pureza nos olhos dos simples.
A oportunidade, do nada, me surgiu. Passei com minha filha na casa de pessoas simples e muito amigas. Pude vivenciar alguns desses bons e lindos momentos. Presenciei naquela gente, atos simples de solidariedade e de amizade em toda a comunidade. Distante no interior, a 380 da capital do Ceará, me permitiu reviver momentos semelhantes aos que vivi durante a minha infância e os poucos que vivi ao lado de meu pai em seu sítio. Dia de festa na casa de um foi festa na casa de todos. Logo cedo alguns, os mais íntimos, iam chegando com sacola nas mãos, trazendo roupas para se arrumarem após os preparativos da festa. Todos trabalhavam e, enquanto , as mãos ágeis não paravam, conversavam entre si e comentavam sobre seus filhos, o destaque deles na escola e outros assuntos afins. Chegada a hora do almoço ou do jantar todos prontos, amigos iam chegando e a presença surpreendia pois um convidado convidava outro e assim a casa ficava cheia de lindos sorrisos.
Pude, também, ouvir, ao amanhecer, o canto precioso dos pássaros. As ovelhas e suas crias nos pastos, abraços sinceros e não encontrei com a falsidade. Tive o prazer de olhar as estrelas no céu como uma mina brilhando e cheia de diamantes..Olhares sinceros e cheios de esperanças. Uma criança me falou sobre o solo seco e que todos os dias pedia a Deus para mandar chuvas pois temia pelos bichos , podiam morrer de sede e de fome Ela tem apenas sete anos. Pude então perceber que apesar do silêncio, sem ter acesso ao sinal de telefone, para desejar Boas Festas aos amigos, o cenário também tinha suas tristezas. Tudo era tão lindo aos meus olhos sonhadores que me surpreendi com a realidade que afligia aquela gente. Apesar da alegria vivida, naquele momento, a seca estava presente em suas mentes.
Talvez, tudo que desejava reviver não tenha passado de um sonho muito distante e que todo aquele cenário não tenha passado de imaginação daquela criança que cresceu rica de sonhos. Proprietária de uma imaginária fazenda onde jatobás eram carneiros, bodes, cavalos, jumentos; maracujás eram vacas gordas e touros; limões eram galinhas, patos, perus, pavões e as cascas de melancias eram transformadas em novas e enormes bonecas. As espigas que eram penteadas eram suas apenas amigas com que ela conversava enquanto as embelezavam. .Lógico que a tecnologia, os amigos virtuais não existiam. Enfim, conclui que a realidade de antes não existe. Pois em meio aquele cenário tranquilo e feliz o mal também existe. Alguém, sem convite adentrara uma das casas , lhes tirando a paz com ameaças, apontando armas e, em busca de joias de armas. Desrespeitando, assim, o sossego, a paz e a segurança daquela gente, conforme me foi contado.
Acabou, assim, o sonho infantil e diferente que foi transformado apenas em conto de fim de ano, mediante a realidade crua de nossos tempos.
Jan/2014
fama