O Maior Sofredor do Universo
Olhando pela janela para o pátio do vizinho algo chamou atenção. Um pedaço de carpete usado como tapete à porta dos fundos onde se pode ler a palavra “dores”. Nota-se que não é uma peça inteira, antes, um recorte de algo, cuja fragmentação coincidiu fazendo herdar parte de uma palavra maior, jogadores, espectadores, fornecedores, sei lá. Acontece que o fragmento se fez um todo que resolveu falar por si.
De certa forma aquilo figura anseios de nossas almas. Quem não gostaria de recortá-la extirpando apenas o pedaço das dores? Ou, tendo vivido-as, poder deixá-las para trás, na porta dos fundos da lembrança apenas; melhor, se precisar sair pela dita porta poder pisá-las, limpar nelas os pés de uma realidade feliz que as deixou assim no chão?
Não ignoro que as dores vivenciadas, ou sentidas fazem melhor nossa alma, emprestando têmpera quanto às privações próprias e empatia com as alheias. O fato é que elas são um tanto relativas, para não dizer um muito.
A uns “dói” a calmaria que reputam tédio, e sonham com agitação; outros cuja “agitação” é desastrosa como o tufão nas Filipinas, tudo o que anelam é a calmaria. Tendemos a cotejar nossa sorte com os que estão numa situação melhor que a nossa e sofrer nossas “privações”; mas se o fizermos em face aos que estão e situação inferior, invés de privação encontraremos digitais da ventura. Esse tipo de dores são de produção própria, mercê de uma visão deformada da realidade, e tais, bem podemos recortar.
Entretanto, há dores das quais somos inocentes; e, dessas, tudo o que podemos é haurir lições, crescimento. Salomão chegou a dizer que a tristeza do rosto faz melhor o coração, o que, facilmente se verifica. Pessoas de berço de ouro, de vida fácil, geralmente são arrogantes, prepotentes, superficiais, insensíveis... Aliás, o mais sensível de todos, Jesus Cristo, é chamado por Isaías de “homem de dores”.
Assim, as dores têm um quê de didáticas se fazem com que compreendamos melhor as diversas nuances da vida. Quanto mais sábio, vivido, esclarecido, alguém é, maior será sua percepção dos valores, sejam bons sejam maus. Como o mal prepondera nesse mundo caído, a boa índole associada ao discernimento faz do tal “privilegiado” refém de dores mais numerosas, pois, além das suas, divisa melhor as enfermidades alheias. Isso nos leva a concluir que Deus, dada Sua pureza e Onisciência, é o Maior sofredor do universo.
Se nossas dores logram incutir em nossas almas alguma empatia, mínima que seja, ao bem conduzirmos nossas vidas nos padrões celestes estaremos “recortando” uma centelha do imenso mosaico do Coração do Eterno. Afinal Ele também anseia ser feliz; e o será, quando lograr extirpar o mal de vez; e junto às suas dores, fará sumir as nossas, enxugando toda lágrima.