Ruas da Infância
A professora dizia que a rua tinha aquele nome em homenagem a um grande homem, digno de ser imitado.
Nós a ouvíamos meio duvidosos. Para nós a rua era do pipoqueiro, do sorveteiro, do vendedor de algodão doce, do velho contador de estórias. De alguém que nos significasse muito, era o nome da rua. A praça não tinha nome, era da molecada toda. No futebol as coisas mudavam: Rua de baixo x Rua de cima. As peladas eram na praça, atrás da igreja velha. Quando uma das turmas perdia na bola, tinha que ganhar no braço.
Minha rua era a de baixo. Casas velhas, sem pintura, algumas sem reboco. Cidadezinha que não coube no mapa, mas que transborda no meu coração.
Depois da rua de baixo, a cidade acabava e o rio nascia. No rio nadávamos, pescávamos. Para aprender a nadar bem, comíamos peixinhos vivos. Quando matavam porco, púnhamos restos da barrigada num balaio e os peixes vinham comer. Um dia, um cágado entrou no balaio e foi o nosso maior dia. Desfilamos com ele por todas as ruas. Depois passou a novidade e ele passou a morar só em nossa rua, uma semana em cada casa, até morrer.
Depois a gente cresceu e ficava feio brincar de esconder, jogar bolinha de vidro na toca, fazer açudinho com água da chuva, nadar pelado. Já se falava em namoradas.
O tempo passou, a turma se dissolveu. Caminho por movimentadas ruas de uma cidade grande, mas levo comigo as ruas da infância. Me disseram que estão cheias de buracos, viraram pastos, as casas estão caindo velhas. Mentiras, feias são minhas ruas de hoje, tristes ruas de adultos, sem mistério ou esperança.