A CRIATIVIDADE NAS PEQUENAS COISAS

A figura do homem ou mulher de sucesso sendo vencedor sobre os seus pares, é muito veiculada pelos organismos de mídia. O termo vencer sugere termos passado à frente de outros em alguma atividade, termos obtido distinção por meio de algum tipo de competição via selecionamento. O ser, mesmo sendo regulado pelos reflexos ambientais ao qual está inapelavelmente submetido, o que inclui certa disputa com os companheiros ombreados em busca de determinada posição social, não necessariamente poderá encontrar nessa busca o acalentado espelho de sucesso em todos os setores de sua vida. Por uma razão, de certa forma, simples: a criatividade opera em muitos níveis.

Provavelmente uma das finalidades da incompletude do ser, seja necessitarmos continuamente uns dos outros. Como poderíamos desenvolver toda riqueza humana se tudo pensássemos individualmente saber de antemão, sem nada precisarmos construir coletivamente? Por certo teríamos um fundo ainda maior de egoísmo. A criatividade, ao lado do Amor, é a atividade humana que mais nos aproxima dos potenciais cósmicos. Embora seja uma atividade realizada particularmente, partindo do universo psíquico-corporal individual do ser, seu verdadeiro efeito só pode ser vislumbrado de maneira coletiva. Antes mesmo de colocar-se o produto final da criatividade nos braços do mundo, ainda em seu próprio processo de manufatura, o ser trabalhará com todo material que antecedeu a sua presente dinâmica criativa. Para criar, o ser jamais poderá ser um apartado da criação, por ser um criador adjunto, um participador do processo, um co-partícipe.

Funcionaria então a criatividade somente para os grandes desenvolvimentos da Humanidade, como sugerem as eminentes imagens dos gênios? De forma alguma. Todas as vezes em que me disponho a fazer aquilo que jamais fiz, estou agindo criativamente. Isso inclui pequenas atividades, como mudanças de hábitos, por exemplo. Nosso psiquismo cria sistemas de recompensa para aquilo que lhe dá satisfação, é bioquímico, isso se reflete na rede neural, em sua organização e na forma de distribuição do potencial sináptico. Quando temos diante de nós um fato recorrente, a primeira resposta será aquela que já foi respondida inúmeras outras vezes, pois é como se fosse uma lei da natureza o menor gasto energético para a obtenção de um resultado. O condicionamento é sempre um caminho mais curto para o psiquismo, requer menos dispêndio energético. Se, no lugar disso, dispomos de recursos suficientes para driblar a ação imediata da resposta, dando outro significado ao estímulo, estaremos criando um novo caminho, uma nova direção causal estará sendo posta em prática. Estaremos criando e nos modificando, consequentemente.

O senso comum acredita que o mundo jaz criado e somos meros atores num palco montado. Seria isso, verdade? Ou será que o teatro-mundo, além de servir de palco educativo, serviria de texto para modificar-se o próprio teatro e ajudar a transcendência dos personagens nele atuantes? O estudioso Ytzhak Bentov assim descreve a comunicação com a Natureza:

“Compreende as alusões que a Natureza lhe insinua sob forma simbólica, como se esta lhe estivesse dizendo claramente: ‘Olhe pra cá. É assim que eu funciono.’ Entende o significado do aforismo ‘o que está em cima é como o que está embaixo’, e sabe que a Natureza tende a reutilizar, muitas e muitas vezes, em todos os níveis da criação, um projeto bem-sucedido, imprimindo-lhe, talvez, ligeiras modificações. Em resumo, o projeto do microcosmo reflete a estrutura do macrocosmo, e vice-versa”. – “À espreita do pêndulo cósmico”, p. 164, edt: Cultrix/Pensamento.

Estaríamos lendo com destreza a simbologia da Natureza?... Uma coisa é certa, o verdadeiro vencedor jamais será aquele que venceu o próximo para atingir um estado eternamente por se preencher, seja qual for a atividade humana empregada. Mas será sempre aquele que criativamente procura se reinventar para viver conscientemente o significado do instante, consigo e com os outros, em todas as atividades a que se dispuser.

Vitor Silva

Bauru, 13/VII/13