A DERROTA DE ANDERSON SILVA
Não vi a luta. Como sempre acontece quando minha mulher viaja, tomei umas cervejas a mais e fui dormir cedo. Quando acordei, às cinco da manhã, vi a postagem no facebook da secretária de nossa academia: “Pow, o Spider perdeu”. Então, corri para ler as notícias que, invariavelmente eram “Anderson Silva brinca e é nocauteado por norte-americano”.
Sempre imaginei o Spider imbatível. Talvez pudesse ser derrotado por Jon Jones, que tem maior envergadura. E ninguém mais. Contudo, em suas últimas declarações, achei o ex-campeão meio cansado. Todos queriam lutar contra ele, que defendeu o cinturão por onze vezes seguidas. Teve que aturar provocações injuriosas, como as de Chael Sonnen. Derrotou Vitor Belfort com um magnífico mae geri – chute frontal – no rosto. Fez hstória.
O treino para uma luta de MMA é muito duro. Deve-se acordar cedo, dar e levar pancada o tempo inteiro. Minha arte marcial preferida é o caratê. E nosso professor não gosta quando reclamamos da dor. “Fazer caratê é também aprender a agüentar porrada”, ele sempre repete. Então, imagino como deve ser o treinamento destes monstrengos que disputam o UFC. E, na última declaração do Anderson, ele reclamava do assédio excessivo da imprensa e do povo em geral.
Sequer podia mais levar seus filhos para os treinos. E todos sabiam da paixão dele pelos meninos, que sempre o acompanhavam nos treinos para as grandes lutas. Lembro-me dele dizendo, em sua última entrevista, que se inspirava em Bruce Lee. Ora, Lee foi um poeta das artes marciais. Tanto que as levou para o cinema. Contudo, a poesia não existe mais. O que existem são brucutus viciados em jiu-jitsu e muay thai, que não possuem qualquer budô. São apenas formas de transformar homens em animais de rinha.
Funakoshi, o fundador do estilo shotokan do caratê, desprezava esta forma de se ver a arte marcial. O primeiro lema dele era “se esforçar para melhorar o caráter” e também sempre respeitar o adversário. Não creio que Anderson Silva tenha desrespeitado seu adversário ao abaixar a guarda. Foi uma estratégia que se revelou errada.
Na memorável luta entre Muhammad Ali e George Foreman no Quênia, registrada no documentário “sempre fomos campeões”, Ali resolveu que o melhor seria deixar Foreman – muito mais forte e jovem – bater nele até se cansar. E se defendeu até o quinto assalto, aguentado as pancadas de Foreman, que pareciam coices de cavalo. Até que o que ele previa aconteceu. Cansado, Foreman foi abatido por um único golpe.
As declarações de Spider após o combate são enigmáticas em relação ao seu futuro. Falou até em uma possível aposentadoria e ainda descartou uma revanche. Entretanto, Dana White, o chefão do UFC já sonha com esta revanche, por causa dos milhões de dólares que levantaria e talvez convença o ex-campeão a voltar ao octógono contra... quem mesmo... Weidman. Não sei, os grandes lutadores não têm este tesão todo por grana.
Miyamoto Musashi, o maior dos samurais, se cansou de tantos desafiantes que encontrava em seu caminho. Um jovem apareceu e o chamou para um duelo. Musashi disse que só aceitaria se fosse em uma pequena ilha. Foram de bote até o local. Lá chegando, o desafiante logo pulou do bote. Musashi então voltou remando e deixou o outro sozinho na ilha, que, irritado, lhe lançava imprecações. Anderson Silva pode aproveitar esta derrota para voltar remando tranquilamente para casa. Sua história já está feita.