UMA BRIGA QUE VALEU...
UMA BRIGA QUE VALEU A PENA
Estava no segundo ano da Faculdade de Jornalismo “Casper Líbero”,quando consegui trabalhar na Rádio Gazeta,que na época era considerada a emissora “de elite”...só tocava músicas clássicas e seus locutores eram bem selecionados.Eu redigia notícias divulgadas nos intervalos,sob o patrocínio da joalheria “Bim-Bam”,sito perto do Largo São Bento,na rua do mesmo nome.(Não sei se essa joalheria ainda existe).
A nossa sala era ao lado da Redação do jornal A GAZETA, que tinha uma outra saleta,onde ficavam os teletipos da United Press, France Press,além de outros. (Para quem não sabe, o teletipo foi uma belíssima invenção que recebia da sede o noticiário aos jornais de todo o mundo,em inglês e francês-Uma máquina de escrever ao contrário- ou seja -já vinha redigido,devendo só se fazer a tradução para o vernáculo)
De repente, a máquina começou a dar informações de seqüestro de navio(?)de luxo português ,com aproximadamente 600 pessoas a bordo,em pleno Oceano Atlântico...movimento político liderado por Henrique Galvão e o general Humberto Delgado. O navio era batizado por “Santa Maria” e,no golpe pelos insurretos contra o governo velhaco de Salazar passou a ser chamado de “Santa Liberdade”...Era a Legião Portuguesa que estava a partir daí enfrentando o ditador Salazar,uma das ditaduras mais duradouras da história-30 anos.Em pleno alto mar,chamando a atenção de todo mundo,inclusive dos EUA,pois,à bordo haviam 34 norte-americanos,no paquete.A Legião Portuguesa subornou funcionário do porto e embarcou centenas de armas,caso houvesse alguma resistência.Aliás,nada houve de gravidade.
Como redator procurei logo sintetizar o ocorrido e fui até a sala de locução,cercada de vidros por todos os lados, onde era tocada naquele momento,uma ópera...e,com absoluta má vontade e sem ter no sangue o “vírus” do jornalismo,o locutor,que parecia mais um ensebado funcionário público de velha repartição quando fecha o expediente, disse-me: “Não vou parar a música para dar notícia extra nenhuma”...
Como a gente tinha rádio-escuta até então ninguém tinha notado ou divulgado o fato extraordinário,recém ocorrido,no início da década de 60, mais precisamente,em 3 de fevereiro de 1961...Curiosamente, o presidente Janio Quadros estava para tomar posse na presidência da República,em Brasília,com a saída de Juscelino Kubitschek.
Diante da recusa do locutor em nada fazer, imediatamente,procurei meu grande amigo e diretor de “broadcasting”,Hélcio Carvalho de Castro,contando o que estava ocorrendo...( Hélcio já faleceu há anos atrás).
Imediatamente, Hélcio levantou-se e foi até o locutor e mandou parar a longa ópera para dar a notícia extraordinária do seqüestro.Aliás isso não ocorria todo dia.
Assim foi. Desde que você nasce e respira leva um “choque” com o ar e o nascituro chora. É a demonstração da vida. Após isso, você tem que matar um leão por dia para sobreviver.É a lei da selva.
Sinceramente, por questão de higiene mental, não guardo o nome desse locutor ,embora desde aquele momento jamais conversei com ele, sequer amenidades...Afinal tudo passa.
Só para esclarecer o navio que saiu de Lisboa acabou aportando em Recife,onde os revoltosos tiveram todo o apoio da população e do governo brasileiro.Mais tarde,vinte anos depois virou sucata, o mesmo destino do tirano Salazar,este esmagou impiedosamente Angola e Gôa...coisa do outro mundo!!
Outro dia, li no pára-choque de um caminhão: “Os amigos vão e vem, mas os inimigos se acumulam”.
Não esqueço esse incidente...Não consegui dar descarga desse fato em meu cérebro.Até quando?? Não sei.
Há mistérios entre o céu e a terra que não desvendamos.
Perdoar é preciso.O jornalismo agradece.UMA BRIGA QUE VALEU A PENA