"E a Light bancou Chateaubriand"
Conta José Pontes que a The São Paulo, Tramway, Light & Power, ou apenas Light, como viria a ser conhecida posteriormente, sempre primou pelo exercício de um poderoso e eficiente “lobby”, atuando com grande desenvoltura nos meandros do poder político. Esta característica de intimidade com as autoridades brasileiras remonta até mesmo anteriormente à 1899, ano em que foi fundada a companhia.
Américo de Campos, membro de uma das mais influentes famílias do cenário político da 1ª fase republicana (1889 – 1930) foi articulador da vinda do grupo para o Brasil. A concessão original para a exploração dos serviços de transportes eletrificados foi comprada do comendador Antonio Augusto de Souza, sogro de seu irmão Carlos de Campos – o qual, anos mais tarde, se tornaria presidente do Estado com o decisivo apoio da Light.
Em pouco tempo, o grupo “canadense” – com a fundamental participação de sócios norte americanos como Frederick Pearson e Percival Farquhar – conseguiu estender a concessão original para a geração e distribuição de energia elétrica e iniciou o desenvolvimento de negócios neste setor. Estes perduraram até 1979 com a venda da então Light – Serviços de Eletricidade S/A para a Eletrobrás, por um preço aviltado para uma concessão próxima de seu vencimento.
Entretanto, o prestígio já inaugural entre as elites não bastava. Nos idos de 1906, preocupado com a oposição que a Light vinha sofrendo na imprensa paulistana, o então dirigente da empresa em São Paulo, W.N. Walmsley, escrevia uma carta para Alípio Borba, encarregado do sistema de transportes: “Eu tenho uma carta do Sr. Mackenzie (Alexander Mackenzie, o chairman do grupo no Brasil, nessa época já sediado no Rio de Janeiro) sugerindo a subscrição de cinco mil contos de réis em ações de uma nova empresa jornalística a ser iniciada em São Paulo. Ele me informou que este é um assunto do qual você já tem conhecimento. Entendemos ser vantajoso para a companhia ter um jornal voltado aos seus interesses e temos a autorização para fazer uma subscrição nesta quantia; porém, por razões óbvias, esta subscrição não poderá ser em nome da companhia, ou mesmo em nome de algum funcionário desta”.
A GAZETA
Mais adiante ele finalizava à carta com uma frase igualmente reveladora dos bastidores do poder: “Você pode dizer ao Carlos de Campos (naquele momento advogado do grupo e deputado pelo PRP, o mesmo partido do presidente do Estado e do presidente da República) que quando estivermos seguros de que o negócio dará certo subscreveremos 5 contos, de forma a ser combinada mutuamente, fazendo posteriormente a instalação elétrica a preços os mais baixos possíveis e dando descontos especiais até que o empreendimento seja rentável”.
Em 16 de maio de 1906, menos de um mês após, circulava o primeiro número do jornal A Gazeta com longos editoriais defendendo a Light, sobretudo na polêmica questão das desapropriações para a construção da represa de Guarapiranga. Adolfo Campos de Araujo era o responsável pelo jornal. Poeta simbolista e jornalista, era grande admirador do progresso material dos países industrializados. Com sua morte em 1917, sua viúva tenta manter o jornal, mas, no espaço de um ano, três diretorias se sucedem até que os acionistas decidem vendê-lo ao jornalista Casper Líbero, até então responsável pela sucursal carioca do jornal O Estado de São Paulo.
Terminava a fase lightiana de A Gazeta, porém isso não significava absolutamente que a light se desinteressava por um braço jornalístico. Ao contrário, seus interesses neste ramo agora ganhavam projeções nas mãos de um grande amigo e admirador de Mackenzie e Farquhar: o jovem e talentoso advogado e jornalista paraibano Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo – o Chateaubriand, ou simplesmente Chatô.
CHATEAUBRIAND
Controvertido, amado e odiado, Chatô era antes de tudo um homem de ação que iria criar o maior império brasileiro de comunicação até os anos 60: os Diários Associados, a Rede Tupi de Rádio e Televisão e a célebre revista O Cruzeiro. Por volta de 1915, quando ainda era um obscuro advogado e jornalista em Recife, Chateaubriand entrevista Alexander Mackenzie e Percival Farquhar durante escalas de navios que se dirigiam ao Rio de Janeiro vindo dos Estados Unidos e do Canadá. Assim como Adolfo Campos de Araujo, Chatô era grande entusiasta do liberalismo econômico e ferrenho adversário dos nacionalistas. Em 1918, já residindo no Rio, foi contratado por Mackenzie para a defesa de uma causa envolvendo a Light. Nessa mesma ocasião estava aguardando o melhor momento para o lançamento de um jornal na então capital federal. Vitorioso no tribunal, Chatô foi contratado como advogado fixo da Brasilian Traction, a holding que controlava a Light no Rio e em São Paulo.
Ainda em fins de 1918, Chateaubriand assumiu a direção do Jornal do Brasil, pertencente ao pernambucano Ernesto Pereira Carneiro. A sua gestão significou uma guinada radical na linha editorial, pois de nacionalista o jornal passa a ser um ardoroso defensor do capital estrangeiro. Para o cargo de conselheiro do órgão convidou João Teixeira Soares, nada menos que assessor de Mackenzie na direção da Brasilian Traction.
Como advogado, Chatô também trabalhou para outros interesses de Farquhar fora do Grupo Light: foi defensor do magnata americano numa pendência com o governo federal durante a gestão de Artur Bernardes para obtenção de uma permissão para a construção de uma grande siderúrgica em Minas – o que quase conseguiu. Quando Chateaubriand pretendeu comprar o tradicional Jornal do Commércio do Rio, o então ministro das Relações Exteriores, Félix Pacheco, escreveu ao presidente: “Doutor Bernardes, Raoul Dunlop (dirigente da Light) é o pseudônimo de Assis Chateaubriand. E Chateaubriand, o senhor sabe, é o pseudônimo de Percival Farquhar e de Alexander Mackenzie. Estes serão os verdadeiros donos do jornal que Chateaubriand vai comprar pela mão de Dunlop. Imagino que o senhor, um patriota, não permitirá que um dos jornais mais antigos do continente caia nas mãos da Itabira Iron (empresa de Farquhar) e da Light”.
Ao que o presidente (nacionalista) respondeu: “Esse Chateaubriand é inacreditável. Todos nós temos um mito brasileiro: o deste é Caxias, o daquele é Floriano, o outro tem Rui Barbosa. Os heróis do mundo de Chateaubriand são Farquhar, Pearson, Mackenzie e Herbert Couzens. Agora anda de namoro com um tal engenheiro Billings. Nunca o vi pronunciar o nome de um brasileiro como objeto de sua admiração”.
Por fim, o negócio não se efetivou por causa da oposição de Bernardes , sem que este tenha suspeitado das outras intenções de seu ministro: em 1923, o Jornal do Commércio foi vendido a ninguém menos que Félix Pacheco. Diante da impossibilidade, Chatô conseguiu outro veículo, O Jornal, comprado por 6 mil contos de réis, dos quais Mackenzie teria contribuído com 1.500.
Chatô nunca escondeu sua ligação forte com a Light. Certa vez terminou um artigo dizendo: “[....] no mês vindouro a Light & Power completa mais um ano de atividade no Brasil. Fora outro o nível mental de nossa gente esse dia deveria ser feriado nacional”. Durante muitos anos costumava passar logo cedo no escritório de Mackenzie antes de se dirigir a O Jornal. Muito tempo depois, em 1944, estando em Nova York e tendo que retornar ao Brasil, deu uma “esticada” até Toronto, a centenas de quilômetros, para depositar flores no túmulo do amigo.
À medida que o império de comunicação de Chateaubriand ia se expandindo e se diversificando, o mesmo acontecia com as matérias de divulgação da Light, frequentadora assídua das páginas da revista O Cruzeiro, e patrocinadora de programas de televisão na extinta TV Tupi.
Por Pedro Nastri