O IMPERATIVO CATEGÓRICO ONTEM E HOJE

Considero o imperativo categórico a maior descoberta do homem na questão da moral. A moral é a busca da resposta à antiqüíssima questão: como devemos agir neste mundo? Para os fanáticos religiosos a resposta é evidente. Basta seguir os ditados desta ou daquela doutrina e acabou. Ocorre que os livros doutrinários nunca são suficientemente claros a ponto de evitar a criação de visões radicalmente opostas e rupturas entre os seus seguidores ponto de gerar conflitos muitas vezes violentos.

Na filosofia, o primeiro a formular o imperativo categórico foi Kant. Se não me engano, em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Ele pode ser definido como: “Aja neste mundo como se sua ação possa se tornar uma máxima universal”. Ou algo assim. Na linguagem mais popular é o famoso “Não Faça Aos Outros O Que Não Quer Que Façam A Você”. Parece simples, não é? É bem mais simples falar do que fazer.

No mundo real impera a malandragem. E eu fico pasmo como a malandragem é vista como virtude. Quantas vezes não ouvimos a velha frase: “passei a perna no otário”. As mulheres, em geral, adoram tipos assim. Não estou generalizando, é claro. Mas isto mostra o quanto longe estamos do elevado estado ético formulado por Kant. O egoísmo predomina neste mundo de maneira tão selvagem que não entendo por que se irritam quando debocho da história de que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Parecemos mais hienas disputando carniça.

Será que um dia chegaremos lá? Acredito que evoluímos um bocado neste sentido, mais por força da vantagem de agirmos todos civilizadamente. Ou seja, não chegamos aqui desinteressadamente. Mas quando olhamos para trás e vemos o que já fizemos, ficamos horrorizados. Freud, em um texto, narra um momento crucial na história da humanidade. Quando os filhos, crescidos, se revoltam contra a tirania do pai, agora velho e acabado. É provável que o tenham despedaçado e o devorado. Mas depois, vendo que eles mesmos terão filhos e envelhecerão, percebem a monstruosidade do ato cometido.

A moral surgiu inicialmente em grupos inicialmente pequenos. Mas estes grupos faziam guerras uns contra os outros, de modo que a moral prevalecente era sempre a do vencedor. Nietzsche percebeu que em um único caso, ironicamente isto não aconteceu. Foi com Javé, o Deus dos hebreus. Enquanto Israel era um Estado poderoso e vencedor, seu Deus tinha a face horrenda e vingadora que vemos no Velho Testamento. Mas quando se tornaram escravos, mantiveram seu Deus com outro aspecto. O aspecto que apenas um escravo poderia lhe dar. Um Deus dos fracos.

Isto se acentuou com o cristianismo, que agora trazia a imagem de um Deus crucificado. Tal imagem horrorizaria os homens a ponto de o cristianismo ter se tornado a religião oficial do ocidente. Há muito mais fracos do que fortes no mundo, e eles aprenderam a se unir e a olhar para os senhores. O olhar é uma forma ao mesmo tempo sutil e violenta de dominar o outro. Imagine um torturado que instante da morte cospe na cara de seu torturador. Bem, este sentirá um estranho sentimento de fraqueza ante à ausência de medo da morte.

O capitalismo surgiu de formas avançadas do cristianismo, diz Max Weber. Eu sempre achei que aquela história de “amai os vossos inimigos” ou “dai a outra face” contém a quantidade necessária de hipocrisia para sairmos de uma forma violenta de dominação – a escravidão – para outra aparentemente menos forte – o trabalho assalariado. De qualquer modo, a ascensão da burguesia trouxe a idéia de uma vida moralmente racional.

É óbvio que ainda estamos longe disso, pois o próprio capitalismo é uma forma violenta de opressão – ai de quem não tiver um emprego hoje. E os capitalistas são ladrões descarados, e não velhinhos bondosos que atingiram o poder apenas com o trabalho honesto e persistente. E a moral dos senhores se torna a moral dos dominados no amanhã, pois toda verdade se torna logo evidente.

Será que atingiremos um dia aquele elevado estado ético proposto por Kant? Será que somos capazes de um dia deixar as paixões de lado e viver de modo puramente racional? Será que atingiremos um super-estado mundial onde todos os conflitos sejam resolvidos por um grande tribunal que se paute apenas pela razão? Bem, neste ponto concordo com Marx. Enquanto existir o capitalismo isto não será possível. Mas, como homem tenho de ter esperanças de que o imperativo categórico prevaleça e cresçamos como seres humanos antes que a raça humana seja extinta.