A arte do fato

Quando cheguei, recusei-me a reportar de faCto.

A Cia. Borelli de Dança se apresentou nesse sábado, no Teatro Municipal Celina Lourdes Alves Neves, em Bauru. A apresentação coreográfica 'Eu em ti' abriu a noite da Virada Cultural Paulista, às 18h, no auditório que também recebeu o espetáculo 'Vai te catar!', do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, às 21h. Entre as duas apresentações, a performance da Cia. Caracaxá, inspirada no maracatu-nação, fechou o trecho da Av. Nações Unidas de frente para o Teatro Municipal.

Primeiro ato, descomeçou a crônica.

Aqui sim: atração. Atração da Virada Cultural Paulista. A do interior vem qualquer coisa mais calorosa e boquiaberta que a da capital. Foram dois minutos dando luz às velas do palco, as pessoas muito novas - e também as muito velhas - perguntavam sobre a nudez oblíqua dos atores. Foram dois corpos, tornaram-se um, à parte os clichês. Eram um porque o que começava sabia com plena certeza: terminava no outro - “Eu em ti”, para fazer jus ao nome. A música só foi entrar pela metade do espetáculo e chegou como quem faz parte do contexto, pois já cada um na plateia tinha na mente e nos ouvidos exatamente aquele desenrolar. Os aplausos foram uma experiência contra-fantástica de retorno a essas coisas de mundo real.

Um shopping a duas quadras dali bastou de realismos para o jantar. Vitrines, pessoas, temaki e sorvete. De volta ao teatro.

Uma bagunça de frente pra rua, o maracatu da Virada. A mulher passada dos 40, camisa bem abotoada sob o terno grená e salto médio, sentiu os tambores de dentro para fora de si, dançando em despropósito. De nos soltarmos estávamos todos ritmados, o desengonçado era tentar se conter.

O espetáculo teatral seguinte abriu falante. A atriz sobre o tapete no palco dizia e gravava o dito, botava o dito em cima do já dito, redizia. Uma sequência de músicas escolhidas a dedo alcançava a infância de cada um dos membros na plateia – que variava entre 6 e 74 anos. Um resgate de memórias, mesclado a críticas já conhecidas, trazido numa plataforma definitivamente multimídia. A atriz dançou, cantou, falou, morreu, recitou... Fechou a peça com uma televisão de tubo e a velha resmungona lá de dentro: Vai te catar!

A noite podia seguir a céu aberto, com o projeto Agridoce, no Vitória Régia, uma praça que por aqui chamam 'parque'. Mas foi de mate bem quente e filme repetido o desfecho.

Plano C, a poesia

Calado.

Nunca se soube dizer

Dessa borboleta

na borda do seio.

Esculpidos à mão,

pintados em nude

Encaixados, é certo.

Donde veio

Pra onde vai

Só aceito disso

a poesia.

De meio da rua

Na exata graça

do sem querer.

Sacolejante

Malemomente

Brasileiro do pé doente

Maraca

Tu!

Dito rapidinho um monte de palavrinha

Crítica ou arte, inteiro ou em parte

Fica uma Ponta de Iago a perturbar.

Duvido que você não vá procurar!

Nota

Vai ver tem coisa que não se escreve – meu desemprego. Tem coisa que fica só no absurdo perfeito dos corpos, no calor do batuque de rua, no sufoco do falatório com dança e no mate repetido. Tem coisa que só... Na despalavra.

Adriana Campos K
Enviado por Adriana Campos K em 27/05/2013
Reeditado em 27/05/2013
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