HOLOCAUSTO NUNCA MAIS (PSICity) ROTEIRO DE CINEMA (3ª REDAÇÃO) 11
128. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — DIA/NOITE
NANDO KAMURAÍ
(apressando-se aflito)
Calminha bem! Com tanta sede assim? Credo! Tem feito jejum de fermentados? — Afastando-se com afetação, NANDO KAMURAÍ dirige-se à copa-cozinha do salão.
RODRIGO
(RODRIGO avalia no dedo polegar da mão esquerda se o fio da navalha está afiado. Está doidão, e não é de batida de limão. Aperta a lâmina na ponta do dedo e desce o fio afiado da navalha em direção transversal às linhas da palma. A lâmina abre um rego da ponta do polegar à base do dedo mindinho. O sangue jorra abundante).
(Ele envolve a mão numa toalha após apertar a fivela do cinto no pulso. O vermelho do sangue brota dos cortes abertos em três prolongamentos articulados das fibras nervosas. A FÚRIA atinge o carpo, o metacarpo e as falanges da própria mão).
129. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — DIA/NOITE
NANDO KAMURAÍ
(gracioso e irrequieto ainda pensa estar agradando)
(RODRIGO lança NANDO KAMURAÍ sobre a cadeira de barbeiro enquanto enfia garganta abaixo o polegar molhado de sangue. As axilas da vítima se abrem sob a pressão da mão direita de RODRIGO entre os maxilares de NANDO KAMURAÍ).
(O sabor salmoura do plasma sanguíneo frio e travoso provoca exaustivo e exasperado esforço do cabeleireiro de tirar o dedão do furioso antagonista das profundezas de sua garganta. O céu da boca ferido e as bochechas, pelas unhas compridas do agressor. A contaminação viral provavelmente vai acontecer).
RODRIGO
(em dissoluto surto psicótico provocado por doses excessivas de ingestão na veia de injeções de cocaína pura, RODRIGO provoca o afastamento das pessoas em redor. O medo e a curiosidade delas as fazem querer sair do salão e ao mesmo tempo ficar olhando os desdobramentos da agressão covarde. Dois seguranças de RODRIGO impedem que saiam do salão)
NANDO KAMURAÍ
(desesperado tenta desvencilhar-se da disposição destrutiva da FERA)
Socorro, socorro! Alguém me ajude! — Mas, quem poderia ajudá-lo? Todos transformados em cordeiros balindo pela boca berros de temor!
(A confusão se estabelece. Os clientes correm e gritam enquanto são esbofeteados pelos seguranças de RODRIGO que os incita a calar as bocas).
(A garota de short ao lado, modelo do “Studio Twin WW”, cliente contumaz do salão e atriz de uma famosa emissora de TVvisão, morde o polegar de RODRIGO enquanto ele puxa o dedão para fora dos dentes cerrados da moça).
RODRIGO
(sorridente e exultante)
Filha da puta! Gostei disso! Potranquinha geniosa, hein? Vamos lá! Reage! Esperneia. — Enquanto puxa em direção aos pés o short da moda da moça, ele canta uma musiquinha que voltou às paradas de sucesso no rádio: “bom-bom-bom-shi-bom-bom-bom... “Fazer amor de madrugada... Amor com jeito de virada...”.
RAQUEL, MÃE DA MOÇA
(desesperada, ela tenta impedir o estupro, mas os seguranças a impedem)
RODRIGO
(muda de tom, do pop afetado para o ritmo de bolero)
Cêcibom! Lárálálárálá! Laralalaralá! — Ao virar a garota pelos avesso, os glúteos da bunda aparecem, assim como os pentelhos da púbis da modelito. O pênis busca penetrá-la por trás, enquanto RODRIGO, outra vez muda o tom da canção:
130. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — NOITE
GAROTA MODELO
(a mocinha debate-se inutilmente enquanto é violentada pelo marginal. A mãe vai acudi-la mas leva um sopapo no rosto e cai estrepitosamente a derrubar cosméticos e cadeiras, indo bater com a cabeça num espelho de parede quebrando-o)
RODRIGO
(cantando em tom de bolero)
Alguém como tu, assim como tu, eu preciso encontrar... Alguém sempre meu, bumbum como o teu, que me faça sonhar... Em seguida volta ao ritmo frenético da musiquinha: “shshshisisihshs bom-bom-bom, meu bombomzinho”!
SEGURANÇAS DE RODRIGO
(eles fazem um rapa nas bolsas, relógios e demais pertences dos clientes. As armas assustam a todos que preferem ficar à mercê dos bandidos)
(RODRIGO olha em redor do salão com o rosto transtornado pelo delírio e a sensação enganosa de poder de vida e morte que exercita para com os clientes do salão de beleza. Seu olhar fixa-se numa atriz que fez sucesso como a estrela de novela da Globo quando essa emissora tinha audiência no chamado “horário nobre”. Anteriormente ao advento da “TV-Ghost”).
RODRIGO
(pressiona a cabeça da ATRIZ contra um pôster de um roqueiro que maneja a guitarra para a frente e para cima como se estivesse realmente tirando sons do instrumento. No pôster o roqueiro abre bocarra permitindo que seus fãs visualizem pronunciados caninos dos quais pingam sangue. O cartaz faz propaganda de um evento de música pop/rock)
(O salão de beleza virou um pandemônio. Os seguranças de RODRIGO, ajudados por cabeleireiras coagidas a cheirar e fazer acontecer uma ao lado da outra, carreirinhas de coca por sobre a superfície espelhada do peitoril que circunda toda a extensão das poltronas de atendimento individual aos clientes, forçava todas as pessoas a aspirar a droga sob ameaça de agressão).
ATRIZ DE NOVELA
(desafia o olhar do agressor encarando-o)
(O sangue havia se distribuído por todas as partes da roupa de RODRIGO. A mão talhada pressionava o queixo da mulher que se mostrava excitada com o movimento pendular da cabeça acompanhado, lado a lado do rosto por extensas lambidas com a parte dorsal bastante desenvolvida da língua. A ATRIZ exultava em êxtase carnal. Seu dorso sobre uma mesa molhado por cosméticos espalhados pelo corpo, permitia a visualização das manchas amareladas dos infectados pelo vírus LBF).
131. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — NOITE
(Uma das pedicuras pressionada pelas pessoas que tentam sair do salão de beleza aproxima-se de RODRIGO e consegue tirar do bolso da jaqueta dele o controle remoto que abre a porta de ferro trancada em meio à escada que dá acesso à grande sala do salão. RODRIGO, ocupado em transar de modo possesso com a ATRIZ, nem se importa ao ver o controle sendo subtraído do bolso).
(Após acionado o controle remoto, a lingueta da fechadura automática salta do nicho. A porta se abre e as pessoas próximas correm para fora do salão. Os seguranças sobem a correr a escadaria avisando a RODRIGO que as viaturas da polícia estão prestes a chegar).
132. INT. SALÃO DE BELEZA NO BAIRRO DOS JARDINS — NOITE
(Os policiais tomam de assalto o salão de beleza quando não há mais ninguém nele, exceto algumas pessoas intensamente perturbadas, feridas, algumas a chorar, outras seminuas. Os policiais fazem o trabalho de coleta de indícios e digitais).
133. INT. APARTAMENTO. QUARTO DE ADOLESCENTE — DIA
(A garota de shortinho que havia sido violentada por RODRIGO, meio atordoada pelos analgésicos encontra-se em seu quarto de dormir semidesperta. Os olhos estão meio intumescidos. Ela fixa o monitor sintonizado no filme do dia da “TV-Full-Time”. Nele aparecem os policiais fazendo seus trabalhos no ambiente devastado do salão de beleza).
134. INT. QUARTO DA ADOLESCENTE VIOLENTADA — DIA
ADOLESCENTE VIOLENTADA
(ela observa no monitor da TV o filme “full-time” do dia no Canal-Virtual da “TV-Ghost”)
1ª CRIANÇA NA TELINHA DA TV
(como se estivesse falando apenas para ela)
ELES fazem de conta que não sabem que essa ficção que ELES vivem é a realidade que ELES estão a perpetuar desde os tempos das tribos paleolíticas.
2ª CRIANÇA NO MONITOR DA TV
(ampliando o diálogo com ela)
Amanhã os jornais vão noticiar a realidade dos paradigmas comportamentais que se prolongam desde a idade da pedra lascada. ELES continuam a fazer de conta que não sabem ser os responsáveis por essa realidade troglodita.
3ª CRIANÇA
(buscando compreensão)
ELES dramatizam a pulsão de morte em tudo que fazem: nos filmes, nas novelas, nos jogos, nas igrejas, nos clubes, nos vários tipos de entretenimento. O desejo DELES é fazer com que a pulsão de morte se estabeleça. Dessa forma justificam a dominação, a invasão de países, o terrorismo, as guerras, a violência urbana diária.
1ª CRIANÇA
(continuando o diálogo com ela)
Horror! O horror de Rama!! Horror e medo!!!: ira, raiva, agressão, mentiras, ressentimentos... Raquel chora seus filhos, nada a consola porque já não existem. São apenas as consequências nefastas de seus atos.
135. INT. QUARTO DA ADOLESCENTE VIOLENTADA — DIA
ADOLESCENTE VIOLENTADA
(ela, curiosa, senta-se na cama, não tira os olhos do monitor no canal da TV-Ghost)
(Na telinha aparece no salão de beleza os policiais dando sequência aos procedimentos técnicos da perícia).
4ª CRIANÇA
(como se a conversar com ela)
Repetem como robôs as mesmas pulsões geradas nas cavernas do convívio emocional da pré-história. Fazem a pulsão de morte acontecer porque pensam levar vantagem, ter lucros. ELES realmente não sabem o que fazem. Nem querem saber que não sabem.
(As imagens da perícia policial no salão de beleza aparecem na telinha enquanto pano de fundo do discurso das crianças).
1ª CRIANÇA
(mais íntima dela, adolescente violentada. A garota presta atenção nas CRIANÇAS e um laivo de esperança parece brotar de seus olhos, de suas faces tungadas)
Estão sabendo de tudo todo tempo. O paradigma emocional do mundo é a ignorância camuflada de saber ególatra. Cada qual supostamente sabe mais do que o outro e quer aparecer a esconder sua intenção egoísta.
5ª CRIANÇA
(a empatia se faz total, e a garota violentada é, ao mesmo tempo, a 5ª CRIANÇA a falar no monitor da “TV-Ghost” traduzindo-se telepaticamente)
Omemenenusuinxastthhkeniwowcansjsh...
(“ELES são os anjos do inferno do caos e da indiferença. Quem se importa? — Nenhum deles”).
136) INT. SALA DE REUNIÃO DE EMPRESA — DIA
(HELIO e a filha CARLA estão sozinhos na sala de reunião. Ele deseja convidá-la a almoçar. Mas, ao contrário de dizer isto a ela, entra sempre em outros assuntos. Ele quer dizer que deseja diminuir a distância entre pai e filha, mas não consegue):
(HELIO vê a filha sair da sala de reunião e, de coração aflito, comenta de si para consigo: “Eu queria apenas almoçar com ela”).
137) EXT./INT. PATIO INTERNO DO COLEGIO DANTE ALIGHERI EM SÃO PAULO — DIA
(Um zelador de disciplina (monitor) do colégio Dante está, furtivamente, gravando a conversa de um grupo de adolescentes).
(Observado por uma jovem que, ao passar por ele, nota a intenção do mesmo na proximidade do grupo. E avisa os colegas de que estão sendo gravados).
138) INT./EXT. PATIO INTERNO DO COLEGIO DANTE ALIGHERI E SALA DO DIRETOR — DIA
(O monitor entrega um aluno a outro diretor de disciplina que o conduz à sala do diretor onde começa a ser pressionado a falar sobre algo).
139) INT./EXT. PATIO INTERNO DO COLEGIO DANTE ALIGHERI E SALA DO DIRETOR
JOVEM ESTUDANTE
(que há poucos momentos se aproximara do grupo de colegas, diz):
A conversa está sendo gravada. Vocês estão falando em linguagem comum, zeenoshri, pelllinngfressswowhhhisthoTHnn.
ALUNOS
(Através de sibilos começam a se comunicar)
Hossshissthillhunddss. Zhonsnsnsnwowkhissyt.
(As faces transmitem aquela mesma expressão de absoluta isenção sensitiva. Os cantos das bocas movem-se quase que imperceptivelmente).
140. INT. SALA DO DIRETOR DO COLÉGIO DANTE ALIGHERI — DIA
(A CRIANÇA na sala é pressionada a falar sob ameaça do DIRETOR de chamar seus PAIS. As ameaças vão num crescendo até dizer que pode ser expulsa do colégio. A CRIANÇA concentra-se fixando os olhos no olhar ameaçador do adulto. A MENINA emite um zunido quase inaudível).
(O DIRETOR leva as mãos aos ouvidos. Protege-se de algo que não vê, mas causa grande incômodo mental. O nariz do HOMEM começa a sangrar, e a poltrona de rodas desliza em direção à janela. Seus olhos estão excessivamente irritados e vermelhos. Os cantos da boca da MENINA se deslocam levemente para os lados).
141. EXT. AEROPORTO DE GUARULHOS — NOITE
(ROSSI LEE e ADRIANE aguardam o voo para Cuiabá conversando na mesa da lanchonete):
ADRIANE
(indagativa)
Esse NORTON, qual é a dele? Sinto que ele não é nem um pouco confiável. Apesar da aparência em contrário.
ROSSI LEE
(reservado)
O cara é aventureiro. Por trás dele há, talvez, a CIA, o Departamento de Estado americano. Vai saber? Aparentemente deseja explorar uma cidade dita subterrânea. E voltar para contar a proeza. Há mais coisa por trás desse “véu de Maia”.
ADRIANE
(sorrindo)
Você acredita mesmo nesse folclore de cidade perdida? Expedições que sumiram na selva?
ROSSI LEE
(sorri também)
Vai saber ao certo?! Sair da rotina do jornal para mim já é motivação considerável. Mas, para onde foram os soldados nazistas que desembarcaram na Amazônia antes do começo da II Grande Guerra?
ADRIANE
(curiosa)
Por que um jornalista, uma fotógrafa brasileira? Que garantia temos de voltar? Nessa Expedição há algo muito nebuloso!
ROSSI LEE
(irônico)
Você tem algo melhor para fazer? Montanhismo também não tem garantias. Que alpinista sabe ao certo se vai voltar numa excursão pelo K2, ou em direção ao cimo do Everest? Que tempo vai fazer? Haverá avalanches? A vida é incerta. Você gosta de uma aventurazinha, não é?
142. EXT. ESTADO DE MATO GROSSO. ÁREA LIMITE ENTRE CUIABÁ E A CHAPADA DOS GUIMARÃES — DIA
(ADRIANE fotografa as belezas naturais da área conhecida por “Portal do Inferno” na paisagem limite dos municípios de Cuiabá e da Chapada dos Guimarães. Ela conversa com ROSSI LEE sobre o “corredor eletromagnético BIVAC”. A câmera acompanha a incursão aérea da fotógrafa pelo Mirante Geodésico, de dentro de um bimotor com capacidade para 4 passageiros).
ROSSI LEE
(enquanto filma ADRIANE)
Essas fotos da Lagoa Azul, a caverna “Aroe Jari” (“Morada das Almas”) documentam a primeira etapa da “Expedição Norton”. Até aqui tudo bem. E a proibição dos estrangeiros em terras indígenas?
ADRIANE
(sem parar de fotografar)
A Expedição obteve autorização do Ministério da Justiça, e deferimento do Ministério da Defesa. O NORTON se associou ao jornal para facilitar os trâmites burocráticos e jurídicos. Abrir as portas do Xingu para a Expedição, sem muitas delongas.
ROSSI LEE
(afirmativo)
O cara é “milongueiro”. Muita manha na lábia.
143. INT. DO AEROPLANO. EXT. PAISAGEM. MORRO DE SÃO JERÔNIMO — DIA
(ADRIANE pede ao piloto que volte. Ela quer fotografar um cara que está posicionando-se numa borda de pedra no Morro de São Jerônimo. O avião aderna para a esquerda e refaz o trajeto em meio às serras, a tempo de flagrar o homem lançar-se no espaço a 900 metros de altitude. ADRIANE observa o “paraglider” precipitar-se no espaço. E planar em direção ao solo).
144. EXT. PAISAGEM/INT. CARRO. ESTRADA — DIA
(A picape Xavante roda em direção à cidade de Paratinga. Nela estão ADRIANE, ROSSI LEE e o índio guia UIRÊ. E um carona, XAMÃ KAPOGI).
UIRÊ
(advertindo)
Estrada não muito boa. Viagem longa. Até lá, Igapi (chuva miúda).
KAPOGI
(cantando a bola)
Posto Simão Lopes não muito longe. Chegar tarde da noite em hotel Paranatinga.
ADRIANE
(dirigindo-se a ROSSI LEE)
As reservas estão valendo no Danúbio Palace.
ROSSI LEE
(supostamente cochilando)
Isso mesmo. Norte do Mato Grosso. — Esse “clima tropical” a 460 metros acima do nível do mar.
ADRIANE
(absorta)
A turma do NORTON deve estar por lá.
ROSSI LEE
(entreabrindo os olhos vê raposas pretas e malhadas que cruzam a estrada em frente ao carro).
145. INT. RESTAURANTE DO HOTEL — DIA
KAPOGI
(aproximando-se da mesa onde se encontra NORTON)
Expedição não pode seguir. Caciques não querer. Senhor precisa falar com Brasília. Indio YURUQUÁ muito influente no Xingu. Ele está em Brasília. E é o diretor geral do Parque. Sem ele tudo parou. Não há Expedição!
NORTON
(falando pelo videofone)
Senhor YURUQUÁ, temos um trabalho a fazer dentro de um prazo. A Expedição não tem propósitos comerciais.
YURUQUÁ
(no videofone)
Os caciques do Xingu sempre temos propósitos comerciais, sr. NORTON. Reuni-los leva tempo...