HOLOCAUSTO NUNCA MAIS (PSICity) ROTEIRO DE CINEMA (3ª REDAÇÃO) 2
FADE IN
1) INT. PALCO DA BOATE BIG-APPLE — NOITE
(O sujeito subjetivo das pessoas passeia dentro do ambiente. Elas se flagram mutuamente os pensamentos íntimos. Há ansiedade e expectativa nos rostos. Os olhares se cruzam em rápidos “insights” simultâneos. Seus gestos podem ser intuídos. A interioridade delas se apodera cognitivamente da consciência coletiva dos frequentadores. Há uma energia ambiental pulsante na atmosfera intimista no salão interno da boate).
2) INT. SALA APARTAMENTO — NOITE
(A GAROTA de 14 e seu IRMÃO de 12 veem TV. As cenas provocam empatia. Apesar da violência das imagens TVvisivas. Estas ganham a participação de ambos através de pantomimas. A BABÁ adverte: "hora de dormir").
3) INT. BOATE BIG-APPLE — NOITE
(Abre-se a porta do camarim. HALLMA, apressada, entra bruscamente. As faces afogueadas da mulata tipo exportação revelam intensa força sensual).
(Cabeleireiro e manicure acercam-se dela, mal a “stripper” senta frente ao espelho).
4) INT. BALCÃO DO BAR/MESAS E SALÃO DE CONVIVÊNCIA DA BOATE — NOITE
(As pessoas continuam a se flagrar mutuamente. Os clientes mais próximos ao palco curiosamente viram os pescoços em direção aos mais afastados. Há uma evidente excitação ambiental. Ela inflama os ânimos).
5) INT. CAMARIM DA BOATE BIG-APLLE — NOITE
(HALLMA, assistida por maquiador, cabeleireiro, manicure e pedicura, cobra deles maior presteza. Há uma pulsante excitação no ambiente da boate).
6) INT. SALÃO DE ALIMENTAÇÃO DA BOATE BIG-APPLE — NOITE
(A clientela impaciente consome mais e mais doses de bebidas, cervejas, chopes e tira-gostos).
7) INT. SALA DE ESTAR DA RESIDÊNCIA DE HALLMA — NOITE
(SARYHA KADJA fala para a irmã LILITH, aconchegando a cabeça em seu ombro, olha para a BABÁ, rumina entre dentes):
SARYHA KADJA
(ergue o braço esquerdo e o dedo médio em direção à BABÁ)
Vá se ferrar. Não vou deitar. Não estou com sono.
LILITH
(conciliativa, fala baixinho curvando-se em direção ao irmão sussurra):
Se ela te entregar a Mama vai ficar uma fera contigo. Vai sobrar castigo até pra mim.
(Após algumas mal criações e relutância das crianças, sobem os três as escadas em direção ao segundo pavimento do duplex. Na TV a locutora anuncia outro evento de combustão humana espontânea (CHE) ocorrido em sala de aula no colégio DANTE ALIGHERI).
8) INT. CAMARIM DA BOATE — NOITE
(A “stripper” HALLMA, pronta para entrar em cena, recebe dos assessores os últimos retoques enquanto fixa a sensualidade anormal dos olhos no espelho. As pupilas crescidas parecem refletir a sensualidade ansiosa dos olhares dos clientes no salão da boate).
9) INT. SALÃO DE CONVIVÊNCIA DA BOATE — NOITE
(A inquietação geral chega ao clímax quando o corpo da “stripper” entra em cena, metamorfoseando-se na visualização idealizada de variegadas formas da anatomia de mulheres, segundo as projeções mentais dos clientes. Os ânimos se acalmam).
10) EXT. RUAS, PRAIAS, AVENIDAS – DIA/NOITE
(Alguém, alhures, a mostrar intensa intranquilidade movimenta-se rapidamente em direção à portaria de um prédio de apartamentos).
11) INT. SALAS E QUARTOS DO PRÉDIO — DIA/NOITE
(As pessoas em movimentos rápidos sobem escadas até adentrarem ou saírem de um, depois outro, e outros apartamentos. Em cada sala de jantar e quartos, as imagens dos monitores da TV 3ª Dimensão, adentram as pupilas delas e nelas refletem cenas da violência divulgada pelos noticiários: batalhas, tiros, agressões físicas, explosões, sequestros, brigas de ruas, tiroteios, espancamentos).
(O noticiário da corrupção política nos Três Poderes, e entre policiais e grupos empresariais que atentam contra as verbas públicas, misturam-se aos casos, cada vez mais frequentes, de CHE).
(Pessoas de todas as idades levantam as mãos e os braços em movimento defensivo diante dos olhos. Como se, realmente, estivessem sob ameaça das balas que se projetam no interior da sala em direção delas, a partir do visual em 3ª dimensão da TV).
(Estão a se defender do impacto das imagens nas pupilas. Como se toda a carga de violência visualizada tivesse se acumulado de maneira insuportável em suas mentes, e mais uma imagem tivesse o poder de provocar uma síndrome, tipo infecção visual por excesso de empatia virulenta).
12) EXT. ESPAÇOS ABERTOS — NOITE
(Dos espaços abertos ouve-se um murmurar quase silencioso, mas de uma impertinência sombria e ameaçadora).
13) INT. SALAS DE JANTAR, QUARTOS E OUTRAS DEPENDÊNCIAS DE APARTAMENTOS — DIA
(Uma MULHER de meia idade que dormia, desperta apavorada como se de um pesadelo).
(Um casal de JOVENS diante da TV abraça-se freneticamente, como se buscando proteger-se).
(Um PORTEIRO de prédio, dentro da guarita, súbito leva as mãos ao rosto e recua, como se com isso pudesse evitar o impacto dos golpes desferidos entre dois contendores numa cena de violência TVvisiva em 3ª Dimensão).
(Um MOTORISTA de taxi que rondava no centro da cidade de São Paulo, freia bruscamente, como se tentando evitar um abalroamento que se verifica na tela da TV dentro do carro).
14) INT. PALCO DA BOATE E SALÃO DE CONVIVÊNCIA — NOITE
(Durante a madrugada, uma intensa concentração da plateia fixa o balançar sedutor da sequência gestual de HALLMA. A plateia acompanha a dançarina em sua elasticidade de movimentos, como se seus membros estivessem em franca regressão à formas primitivas de sedução que sugerem a prática de atos que em nada condizem com a suposta moral familiar ou social).
(Sons ritmados se sucedem aos acordes mais vibrantes do bolero de RAVEL, regência de MOLINARI-PRANDELLI da Rai Orquestra).
15) INT. PARTE SUPERIOR DO DUPLEX DE HALLMA — NOITE
(SARYHA KADJA observa a sala lá embaixo, de detrás da proteção dos adornos de ferro desenhados com motivos góticos. As mãos apoiadas nos adornos de ferro contraem-se. O rosto afasta-se gradativamente da imagem que visualiza no monitor da TV de 40 polegadas. Levanta-se apavorado e corre em direção ao quarto).
16) INT. SALÃO DE ALIMENTAÇÃO. PALCO. BOATE — NOITE
(Milhares de milhões de moléculas contendo insidioso calor quântico penetram pelos poros da dançarina como se fossem grãos de pólen. Irradiam-se em direção dela procedentes da sensualidade incontida da plateia à ela direcionada. Impregnam lentamente sua pele. HALLMA torna-se hospedeira da sensualidade mórbida da plateia de admiradores).
(As doses de bebidas se multiplicam em direção às bocas ávidas. Os nacos de carne, queijo, azeitonas e demais acepipes, vão sumindo dos pratos. Os petiscos são substituídos por outros, conduzidos até os lábios úmidos, são mastigados pela ansiedade voyeur dos clientes).
(A exuberante sedução da “stripper”, os brilhantes pentelhos pintados de verde-amarelo, abrem-se numa fresta cavernosa de indizíveis possibilidades sensuais. Os espectadores sentem-se, coletivamente, pertencer ao templo elástico de uma volúpia antiga, mais remota que as das dançarinas babilônicas. A sensualidade de HALLMA envolve interativamente todos os clientes. Embriagados por ela).
17) INT. APTO. DE HALLMA. QUARTO DAS CRIANÇAS — NOITE
(CIGANA, a BABÁ, passa a mão direita na testa de LILITH e sente que a garota está quente. Muito quente).
CIGANA
(preocupando-se)
Você está com febre, queridinha! — Sai em busca de um antitérmico. O rosto do menino SARYHA desliza para dentro do lençol. Os olhos parecem ainda apavorados. Bruscamente puxa o cobertor até cobrir a cabeça. O rosto é focalizado sob o pano, com pingos de suor na testa. O olhar fixado em algo indefinível vindo das imagens TVvisivas.
18) INT. BOATE. SALÃO DE CONVENIÊNCIA — NOITE
O show inicial de HALLMA foi repentinamente substituído pelo de outra “stripper”. Os comentários se sucedem. As caras meio que de porre dos clientes mostram-se insatisfeitas. Algumas faces mostram-se francamente iradas. O movimento de entra e sai da boate ganha certo incremento.
Dois clientes próximos tecem comentários sobre as pessoas que veem ver o show de balé da “stripper”:
1° CLIENTE
(curvando-se em direção ao outro)
Quando chegam à cama privada, conseguem, quando muito, uma ereção de três nano segundos.
2° CLIENTE
(olhando fixamente nos olhos do parceiro)
Leito conjugal, convenhamos, depois de certo tempo é mesmo broxante! Responde o Outro.
19) INT. DO SALÃO DE CONVIVÊNCIA DA BOATE — NOITE
(O segundo show noturno de HALLMA está prestes a começar. Leandro mantém pensamentos incestuosos para com a filha Sabrina. O xibiu de HALLMA ainda vive na imaginação, como se estivesse a apenas alguns centímetros da ponta da língua de Leo. Em seu delírio, ele passa a ponta dos dedos nas bordas da taça que se torna uma projeção da vulva da filha. Ele sussurra):
LEANDRO
(meio embriagado)
SABRINA, minha filha, papai te ama!
(Chegando-se a ele o GARÇOM pergunta, vendo a língua de LEANDRO adentrar-se em direção ao pouco do que restou de gelo no copo):
Mais uma dose, DOUTOR? Ele aceita. E murmura:
LEANDRO
(de si para consigo)
Essa xana é demais. Ainda me sinto dentro dela. — Pego em flagrante, LEO responde ao GARÇOM:
LEANDRO
(voltando-se em direção ao GARÇOM)
Ah sim, com certeza. E volta a se concentrar na intimidade vazia e oferecida da taça.
(O jornalista ROSSI LEE a tudo observa. Acha engraçado. A mulher ao lado sorri oferecida).
20) PALCO. BOATE. SALÃO DE CONVIVÊNCIA — NOITE
(LEANDRO embriagado, mais pelos gestos da dançarina da qual flui a inexplicável lascívia interativa de HALLMA permeando os ambientes internos da boate).
(ROSSI LEE franze as sobrancelhas. A testa interrogativa de quem não compreende a sutileza dessas chamas azuladas que se propagam pelos lados do corpo ondulante de HALLMA. Mais parecem asas transparentes a se destacarem, agora, dos ombros da “stripper”. Como se ela fosse um magnífico Serafim. De seu tronco projetam-se três pares de asas. Para os espectadores, essa magnífica imagem não passa de efeito visual. Uma luminosidade resultante de efeitos luminosos do “spotlight”).
21) EXT. BARES COM PROMOÇÕES HAPPY-HOUR. PESSOAS LEEM JORNAIS NAS MESAS. FREQUENTADORES FOCAM O OLHAR NAS NOTÍCIAS — NOITE
1ª NOTÍCIA DE JORNAL
“Espectadores perplexos perceberam a visão das chamas como se fizessem parte das luzes do show”.
2ª NOTÍCIA DE JORNAL
“Clientes reclamaram da interferência de um segurança da boate que invadiu o palco e envolveu a dançarina numa toalha úmida. Retirando-a rapidamente de cena”.
3ª NOTÍCIA DE REVISTA
“O fogo blue a envolver a dançarina, assim como as chamas de tez amarelada, não fazia parte dos efeitos visuais do show”.
4ª NOTÍCIA DE REVISTA
“Stripper vítima de CHE é levada ao HC”.
22) EXT. DIA SEGUINTE. AVENIDA PAULISTA — NOITE
(LEANDRO parado frente a uma banca de revistas observa as curiosas manchetes dos jornais):
1ª MANCHETE DE JORNAL
"Corpo ardente queima em faíscas de paixão".
2ª MANCHETE DE JORNAL
“Chamas consomem stripper”.
3ª MANCHETE DE JORNAL
"Combustão Humana Espontânea ataca outra vez."
23) INT./EXT. APARTAMENTOS. BARES — NOITE
(PESSOAS ora se aproximam, ora se afastam das imagens projetadas pelos monitores em 3ª dimensão do eletrodoméstico TV. Os TVespectadores se interessam nos noticiários. Os jornais noturnos provocam grande curiosidade em ambientes vários. Os apresentadores dos jornais noticiam):
REPÓRTER
(entrevistando um deputado federal a propósito de um evento CHE na Câmara dos Deputados)
Eventos de Combustão Humana Espontânea ameaçam transformar-se em epidemia?
DEPUTADO GONDIM NETO
(falando do companheiro vitimado pelo evento CHE)
Sua excelência foi fulminada por chispas de chamas azuladas a poucos metros de onde me encontro agora. Foi impressionante. Em poucos segundos o nobre colega virou cinzas. Não sobrou nem o dedão do pé.
(Outro REPÓRTER entrevista outro PARLAMENTAR para o JORNAL DA BAND):
2° REPÓRTER
(ouve a resposta à pergunta: “o senhor viu seu colega virar cinzas?”)
Vi tudo. Estava próximo. Não tinha o que fazer. Fiquei sem atitude. Uma coisa horrível. Um filme de terror. Quando o facho do extintor de incêndio do segurança atingiu o corpo, sobraram apenas cinzas. E um pedaço do pé que incluía o calcanhar.
24) EXT. RUAS. AVENIDAS. PARQUES E PRAIAS — DIA
(As pessoas cruzam-se entre si mostrando-se atônitas ao caminhar pelas calçadas. Muitos transeuntes estão parados próximos às bancas de revistas. Seus rostos colados às manchetes das primeiras páginas dos jornais do dia. A curiosidade se faz presente nos mais diversos ambientes (metrô, ônibus, salas de espera de cinemas, aeroportos, barcos, lanchas, navios). Passam a impressão de que estão descobrindo que a leitura de revistas e jornais é indispensável para que compreendam o que está acontecendo nos bastidores da surpreendente realidade).
(Vozes e imagens de locutores de TV e rádio divulgam os estranhos eventos):
ÂNCORA DE TELEJORNALISMO NOTURNO
(enfatiza uma notícia sensacional)
“Combustão Humana Espontânea é uma força sobrenatural. Um fenômeno desconhecido. Tempestades de fogo surgem em vários locais do planeta. Um bairro de Chicago foi totalmente destruído. Morreram 450 pessoas. 18 mil imóveis completamente queimados”.
ÂNCORA DE TELEJORNALISMO NOTURNO
(de uma segunda emissora de TV)
“O fogo tinha uma cor ora normal, ora vermelha, passando depois para o verde. Os cientistas não encontraram explicação racional. Algo no ar alimentava o incêndio de Chicago. Não era nem pó de alumínio nem magnésio”.
ÂNCORA DE TELEJORNALISMO NOTURNO
(de um telejornal da CBS nos Estados Unidos)
“Piloto americano de jato observou uma tempestade de fogo a 247.700 pés de altura. Ele divulgou as fotos, mas não formulou hipóteses. — Astronautas viram concentração de energia radiante na estratosfera há 12 mil metros, onde há concentração de nitrogênio”.
MANCHETE DE JORNAL NA INTERNET
(PESSOA em “lan-house” acessa site de notícias)
(Cidades em todo o planeta estão noticiando casos de Combustão Humana Espontânea).
REPÓRTER
(entrevistando um famoso cientista para um jornal TVvisivo)
O que a ciência tem a dizer desses eventos estranhos de Combustão Humana Espontânea?
CIENTISTA
(enfático)
É preciso uma energia simplesmente fenomenal para liberar hidrogênio do corpo humano. O hidrogênio não fica concentrado no corpo, desde que é mais leve do que o ar.
25) INT. CARRO. AVENIDA PAULISTA — DIA/NOITE.
(O jornalista ROSSI LEE conversa com a filha, JUSSARA, enquanto pára constantemente o carro no trânsito em transe da Avenida Paulista):
ROSSI LEE
(investigativo)
JL. VOLTAIRE, a “causa mortis” dele foi formalmente explicada?
JUSSARA
(justificando não saber)
É o mesmo princípio da “stripper” daquela boate. Não há explicação científica. As opiniões são especulativas.
ROSSI LEE
(indagativo)
Em quem confiar? Tudo inconclusivo. Não há especialistas nessa matéria. As fotos da exposição fotográfica eram de ruínas de uma cidade pré-colombiana na Guatemala. As fotografias eram de um jornalista argentino?
JUSSARA
(misturando as respostas)
Quem vai saber por que pessoas aparentemente saudáveis viram cinzas em poucos segundos? Íamos escalar o Pico da Neblina. Estávamos prestes a embarcar para a Amazônia. Ele era portenho e estávamos “ficando”.
ROSSI LEE
(irritando-se)
Pouca gente o escalou nesta década. São mais de 3 mil metros de altitude. É a segunda área ambiental mais protegida da Terra. Sua experiência em esportes radicais a habilitava para essa aventura? Tem certeza?
JUSSARA
(malcriada)
Ninguém tem plena certeza de nada! Mas eu me sinto preparada. Muita prática de rapel. JL. Voltaire não era marinheiro de primeira viagem. Tinha escalado o Aconcágua. Pico mais alto da América do Sul. O pico mais alto do mundo fora do Himalaia: perto de 7 mil metros. Dois índios ianomâmis seriam os guias.
ROSSI LEE
(suavizando a tonalidade da voz)
Muito arriscado para amadores. Eu mesmo fiquei tentado. Certa vez acompanhei uma expedição até São Miguel da Cachoeira, a 850 km de Manaus, fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela.
JUSSARA
(corrigindo a informação)
Não é Miguel é São Gabriel da Cachoeira. Seria uma experiência física e estética incrível — Até semana passada estávamos energizados. Esse projeto era muito importante para suas pesquisas. Hoje (soluços) restam dele apenas cinzas.