Varal do Brasil e a Democratização da Literatura
A ideia de um Varal me remete às lembranças da vida pacata de uma cidade do interior, onde as pessoas lavam as roupas na beira de um rio, colocam para “quarar”, processo de branqueamento, usando ou não material químico. Quem não tem acesso a água sanitária ou produto equivalente, que limpa mais rápido, simplesmente ensaboa e esfrega as vestes e colocam sob o sol por um tempo, até que a sujeira fique mais fácil de sair. Só depois do processo de ‘quaramento’ é que os trajes voltam à água para enxágue e, por fim, são colocadas no varal para secar. Todo esse processo é bem primitivo, primário, realizado, na maioria das vezes em conjunto, por donas de casa, que aproveitam para interagir, contar histórias, ouvir queixas e novidades, cantar músicas aprendidas na infância, fazer circular as informações, sem a pressa do sistema capitalista, mecanicista, industrial, mercenário e desumanizador.
À primeira vista, o que isso tem a ver com o Varal do Brasil, um projeto literário declaradamente “Sem Frescura”, como faz questão de frisar sua idealizadora, Jacqueline Aisenman? Tudo a ver, devido ao compromisso social, democrático, acessível, de mecenas, de cidadão, no verdadeiro sentido que a palavra cidadania representa. No livro que é organizado pela “lavadeira” Jacqueline Aisenman, juntamente com autores do mundo inteiro, se percebe todo o trabalho coletivo de troca de informações, intercâmbio de culturas, doação de experiências de vidas, interação, integração, tudo ao contrário do que a indústria cultural faz.
E onde os textos-trajes estão pendurados? Estão na internet, nas páginas de papel da obra antológica, nas mentes dos autores, nos fios imaginários, verdadeiros arames que ligam pessoas de terreiros, aldeias, quintais, rios e riachos culturais desse mundão de meu Deus! Essa verdadeira enxurrada de poesias, prosas e tais, vão se avolumando e enchendo o lago, lagoa, logo em seguida transborda e invade o mar, reboliça o mar cultural e espalha letras e ideais de harmonia por todos os cantos do mundo. Guerreiros, lavadeiras, contadores de histórias e estórias, se juntem, sentem em redor da feiticeira, maga das letras e do afeto, ouçam as canções que chegam do além, dancem ao som dessa melodia que toca na pele e faz arrepiar até os ossos dos antepassados. Vivam, vivam o Varal, do Brasil, no Brasil, na Europa, América, nos Sete Continentes, que a magia está servida e tem lugar para todos lavarem roupas e transformarem a natureza das coisas duras em suavidade e paz!