BOBAGENS
A vida existe pra ser amada. Mesmo com suas dores, suas fomes, suas desilusões. Mesmo com tantas contrariedades, pois a vida é o elemento mais raro do Universo, dizia Nietzsche. Temos o dever de ser felizes ou, ao menos, procurar sê-lo. Um estudo feito com pessoas longevas chegou à conclusão de que felicidade e tempo de vida estão diretamente relacionadas.
E é fácil ser feliz. Qualquer idiota sabe. Na abertura do “Discurso do Método” Descartes assinala que o bom senso é a coisa mais repartida do mundo. Basta reconhecer seus limites e se contentar com o que se tem. Triste é uma pessoa que deseja tudo o que não pode. Querer não é poder, ao menos no sentido conotativo. Por isso, devemos amar aquilo que temos.
Quando adolescente, eu era muito infeliz por ser negro. Tentava negar minha negritude espichando os cabelos com produtos fortíssimos. Uma garota aceitava ser minha amiga e eu me apaixonei por ela. Mas quando isso aconteceu, tive que me separar dela. A causa de não podermos namorar foi a minha cor, certamente. E as garotas adolescentes costumam ser muito cruéis.
Contudo, meu professor de Lógica da universidade é um militante da causa negra, foi senador pelo meu estado e fez com que eu me envergonhasse de meu racismo às avessas. Ele era tão radical que proibia em sala de aula até que se usasse a palavra “denegrir” que, segundo ele, tinha origem preconceituosa. Então desisti das garotas branquinhas e passei a namorar as moreninhas. Tive ótimos casos amorosos.
Aliás, descobri que são até melhores na cama. E quando se chega à fase dos quarenta bate um desespero geral. Aí muitas daquelas que me desprezavam aos dezessete anos davam tão fácil pra mim. Eu é que passei a desprezar muitas delas. Antes tinham medo de gerar moleques com cabelo pixaim. Mas depois dos filhos bandidos gerados com branquelos barrigudos e um homem negro razoavelmente sofisticado e bem-sucedido. Virei atração e uma tentação.
Mais importante é a compreensão dos mecanismos de interação entre a felicidade e a infelicidade. Devemos lutar por nossa felicidade, mas não por causas perdidas. Neste ponto gosto muito de Kant: devemos, nesta vida fazer por merecer a felicidade. Se não formos porque o mundo é mau, o problema não é nosso. Então não devemos desejar o mal de outrem, ainda que desejem o nosso. Tive alguns rivais invejosos na carreira e sei como eles sofriam com minhas vitórias, coitados.
A religião tem um papel reconhecido na qualidade de vida. Ela apazigua o coração das pessoas e responde à todas as perguntas. Se não chegarmos lá, é porque Deus não quis e pronto. Mas acho que ela era melhor antes que a ciência nos transformasse a todos em ateus. Então até que eu gostaria de ter uma fé como as que dizem ter por aí. Desconfio muito das palavras dos seres humanos. A mentira se torna um vício de cura quase impossível.
Mas se matamos Deus, conservamos muitas das coisas que fizemos. A arte substitui a religião plenamente. E nos tornamos melhores e mais fortes se enveredamos pelos caminhos da pintura, da poesia, da escultura, da culinária, etc. Tenho pena das pessoas que não apreciam um bom filme, uma boa música, uma boa comida. Eu saio de mim e da realidade. Talvez seja a maneira certa de louvar a Deus, caso ele exista.
Até os atormentados por doenças mentas podem utilizar a arte como um remédio para a cura dos males da alma. Veja quantos loucos nos deixaram legados eternos belíssimos feitos com o coração sangrando. Sofreram o diabo nesta vida, mas a amaram incondicionalmente. Caravaggio, por exemplo, era um destes doidos. Mas não posso deixar de adorar aquelas imagens religiosas meio eróticas, pois buscava inspiração nos marinheiros, nas putas e nos mendigos, e não na “nobre estirpe”.
Bem, tentei de tudo um pouco na vida. Talvez meu grande erro tenha sido esse. Existem uns caras que escreveram que o segredo do sucesso está nas 10.000 horas. Por exemplo, os Beatles tocaram por oito horas diárias durante um ano em Hamburgo antes de decolarem para o sucesso com seu primeiro disco. Então ´precisamos nos empenhar em uma coisa só por um tempo bastante longo pra fazer coisas que outras pessoas não conseguiriam. Bem, desconfio um pouco desta teoria porque acho que existe algo também chamado talento, que não é igual para todos.
Fiquei feliz pela recente declaração de Paul MacCartney de que suas rusgas com Yoko Ono foi bobagem do passado e que não foi ela a causa da separação dos Beatles. Os quatro é que já estavam de saco cheio de tocar juntos. Pelo contrário, ele a considerou como uma grande musa inspiradora para Lennon que, sem ela, talvez não tivesse composto canções mágicas como “Imagine”. Yoko foi muito maltratada pela crítica, mas acho que a declaração de amor que seu marido compôs em “Woman” foi uma das mais sinceras que já ouvi na minha vida.
Nós, homens, gostamos de medir força, de briga, mas, no fundo, somos uns garotinhos carentes de um colo de mãe. Felicidade séria e calada em que somente o nosso coração canta. Isso sim. Amanhã é feriado em Vitória. Dia de Nossa Senhora da Penha, padroeira de meu estado. Vou cozinhar. Farei meu lendário yakissoba e à tarde passarei agarrado com minha neguinha vendo TV. Chega de digitar bobagens.