UMA LEITURA

Legal. Meu soneto "Sobre a Pia" teve apenas uma leitura. E teve um comentário. Acho que me tornei o escritor mais desprezado daqui. Estou atingindo minha meta que é o de (0) leitores. Em breve estarei escrevendo apenas para mim. Acho que é uma virtude suportar o ostracismo. Grandes homens tiveram que suportar a solidão. Nietzsche, Spinoza, Van Gogh. Gostaria de ter um pouco do talento deles.

Mas se não tenho talento, também me incomoda fazer parte da massa. O gosto da massa é ruim. Basta ler o que está em primeiro lugar nas listas de vendagem. Roberto Carlos cantando "Este Cara Sou Eu" e as mulheres adorando. Que saco. E coloco "Venus in Furs" e todo mundo detesta. Um dia destes coloquei "Moonlight Serenade" e um engenheiro, colega meu, disse que só a conhecia por causa de um comercial de TV. Depois perguntam porque não vou aos Happy Hours.

Sei que a solidão completa é impossível. Não consigo viver sem um pouco de conforto e sem mulher. Então preciso aturar um pouco os demais, se bem que já quase não saio mais de carro. O trânsito está uma merda. Milhares de pessoas conseguem facilmente tirar uma carteira de motorista e saem como loucos por aí. E se você dirige prudentemente, sempre aparece um psicopata buzinando ou piscando que estou indo devagar demais.

Ainda bem que a humanidade já não cresce mais como antigamente, quando era comum achar mulheres com mais de dez filhos. Meu Deus! Imaginem dez filhos hoje em dia. Teria que ser milionário pra sustentar a cambada toda. Uma boa faculdade custa mais de mil reais por mês. E a comida não está mais tão barata quanto antigamente.

Infelizmente, quem tem mais filhos são os mais pobres e fodidos economicamente. Sexo todo mundo faz. É uma terapia barata. Mesmo as baratas e os ratos fazem. Pera lá, eu chamei de "terapia"? Que nada. Sexo é uma armadilha da natureza para que transmitamos nosso DNA. Portanto, cambada, nada de fazer sem camisinha, o que impede que se pegue um monte de doenças, como hepatite, gonorréia e AIDS, além de gerar pirralhos indesejáveis.

Gosto da solidão, mas sei que sou feito de multidão. Claro. fui amamentado, fui educado, frequentei igrejas antes de me tornar ateu. Então, ninguém está sozinho verdadeiramente. Ontem eu bebericava uma cerveja quando um conhecido parou o carro e disse: "está aí sozinho?". Antes que eu dissesse que não estava sozinho pois Beethoven tocava em minha cabeça, pensava nas "Donzelas de Avignon", e assistia ao fim de Nietzsche, o desgraçado botou uma música horrorosa e se sentou ao meu lado, estragando o meu dia.

Já gostei de multidão, mas aí eu tinha dezessete anos. Agora quero ficar a anos-luz do próximo. Certo, sempre tem alguma pessoa interessante em milhares. Mas a vida acaba por nos separar e acabamos solitários e cercados por zumbis. A pior solidão que existe é aquela em que estamos no meio de um monte de gente. Por isso, quando me sinto muito assim, vou para uma praia deserta ou vejo um filme alternativo.

Os cinemas alternativos são ótimos lugares para quem busca solidão. Os filmes são bons, a platéia é reduzida e educada. Uma exposição de arte de algum pintor também. A massa odeia estas coisas. Horror deve ser um show da Ivete Sangalo. Imaginem. Um monte de gente bêbada pulando enquanto uma loura burra berra ao microfone. O quê? Ivete não é loura? Então bota aí a Cláudia Leite, que é a mesma coisa.

Vou me tornar um velho rabugento e viverei no sótão com minhas lembranças. Não quero saber de netos, pelo amor de Deus. se minha filha quiser ter filhos, pode até dar trabalho para a minha mulher. Mas eu não estarei nem aí. Podem falar o que quiserem de mim. Não ligo. Se me contam que até Jesus, que ressuscitava os mortos e multiplicava pães foi torturado barbaramente até a morte, porque devo eu gostar da humanidade?