Carnaval a 150km por hora
 
Minha folia carnavalesca aconteceu em viagem pelas estradas do interior da Bahia
 
Em pensamento eu voei, na estrada, com os pés no chão (ou os pneus no asfalto), os radares invisíveis flagravam cada deslize e impedia sonhos mais altos. O jeito era frear nas curvas e desacelerar antes dos quebra-molas. Obstáculos à parte, a paisagem verde e cinza, fumaça, chuva ou neblina embalavam o carro com cinco crianças sapecas. Uma dirigindo e as demais no cochilo, ora no resmungo, ora na euforia, ansiosas pela chegada à praia.

O litoral estava logo ali, esperando aos viajantes, com água salgada, ondas brincalhonas e sol escaldante. Poucos quilômetros à esquerda, já que a estrada seguia de norte a sul, serpenteando ladeira acima, declive abaixo, ora bem sinalizada, ora cheia de curvas e perigos. A cada acelerada, uma surpresa ou um susto. Caminhões na contramão, motoristas de primeira viagem freando a cada quilômetro e nós, a trupe da alegria, falando bobagens, sorrindo, comendo bolo caseiro e guardando o lixo em sacos para reciclagem.

Reciclado, mesmo, era o ar dentro do carro, invadido por lufadas quentes, frias, mornas, chuvosas, fumacentas. Nada incomodava mais que a demora em chegar ao destino. Após quase seis horas de volante, finalmente o mar foi jogado em nossa cara, com sol e tudo. A cidade de Porto Seguro estava estampada em cores esverdeadas, acordes de trios e muitos sotaques de turistas dos cinco cantos do mundo, cada qual com sua tonalidade peculiar, denunciando, à flor da pele, de onde cada um tinha vindo.

As origens e destinos se cruzavam nas ruelas, pracinhas, cais do porto, guichês de embarque e desembarque, bem como na escolha das cozinhas típicas ou tradicionais. A bebida, tanto líquida quanto sólida, fazia parte da festa também. Se na estrada a vigilância proibia encher a cara, num porto seguro o álcool era liberado a quem quisesse sorrir feito hiena ou apenas se descontrair um pouco. O que importava, mesmo, era perder o controle do tempo, esquecer compromissos e dívidas, perguntar em cada esquina para onde o vento sopraria, e acompanhar a onda.

Tirando onda, todo mundo fazia de conta que estava perdido, esperando ser jogado de volta à consciência pelas ondas do mar. Cara cheia de areia, sorrisos molhados, cheiros salgados, bebida na mesa, passinhos de danças desengonçadas e chuveiradas de água doce traziam o equilíbrio de volta, por alguns segundos. De volta à fila da folia, tudo se misturava de novo, na mesma loucura sana que guiou carros, navios, bicicletas, motos, caminhões e ônibus para a calmaria das águas paradas do litoral sul, não importando para onde a bússola apontava.

Destino trocado ou destino encontrado de propósito, cada um se achou naquilo que mais necessitava: se perder das obrigações e mergulhar no mundo encantado do esquecimento da vida real. Por alguns dias o portal permaneceu fechado para balanço, enquanto os foliões se desmiolavam na perdição. Finalmente, energias gastas e necessidade de voltar a meter o dedo na tomada, para gastar forças na próxima viagem. Volta-se ao porto da monotonia e rotina por longos meses, até o próximo carnaval.

 
Roteiro: Salvador, Simões Filho, Santo Amaro, Belém de Cachoeira, Governador Mangabeira, Cruz das Almas, Sapeaçu, Conceição do Almeida, Santo Antônio de Jesus, Varzedo, Amargosa, Milagres, Entroncamento de Jaguaquara, Itiruçu, Lagedo do Tabocal, Itiruçu, Entroncamento de Jaguaquara, Baixão, Jequié, Jitaúna, Ipiaú, Barra do Rocha, Ubatã, Ubaitaba, Aurelino Leal, Itajuípe, Itabuna, Buerarema, Camacan, Itapebi, Itagimirim, Eunápolis, Porto Seguro, Santa Cruz de Cabrália, Porto Seguro, Eunápolis, Canavieiras, Una, Olivença, Ilhéus, Uruçuca, Aurelino Leal, Ubaitaba, Ubatã, Barra do Rocha, Ipiaú, Jitaúna, Jequié (Km 19, Barragem de Pedras), Entroncamento de Jaguaquara, Itiruçu, Lagedo do Tabocal, Itiruçu, Entroncamento de Jaguaquara, Jaguaquara, Itaquara, Santa Inês, Ubaíra, Jiquiriçá, Mutuípe, Lage, Santo Antônio de Jesus, Muniz Ferreira, Nazaré, Maragogipe, São Félix, Cachoeira, Santo Amaro, Simões Filho, Salvador.

 
Viajantes: Valdeck Almeida de Jesus, Valquíria Almeida Guedes, Silvia Santana, Raí Santana, Anderson de Jesus, Rayane Oliveira, Rodrigo Oliveira.

 
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 13/02/2013
Reeditado em 14/02/2013
Código do texto: T4138367
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