Bush no Brasil: saiam da frente

José Luiz Teixeira (*)

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A vinda de George Bush ao Brasil, esta semana – além de me dar um friozinho na barriga – me remete a Brasília, 30 anos atrás, quando, como jovem repórter da extinta Rádio Tupi, cobri a visita de outro presidente americano, Jimmy Carter.

Os motivos da visita de Carter, vale lembrar, eram bem mais nobres do que os de Bush: ele vinha ao Brasil e a outros países da América Latina informar, pessoalmente, aos ditadores de plantão, que estava na hora de começar a abertura democrática.

Este velho jornalista, que já foi foca um dia, não conhecia Brasília, não sabia onde ficava o Congresso, o Palácio do Planalto e, para dizer a verdade, nem como se cobria uma visita de um presidente americano. Salvou-o um veterano repórter brasiliense – de quem só lembro o sobrenome, Garófalo – que lhe deu carona a todos os eventos da cobertura.

A agenda de Jimmy Carter previa um jantar no Palácio do Planalto e uma entrevista coletiva no dia seguinte. Depois, ele iria ao Rio de Janeiro encontrar-se com Dom Paulo Evaristo Arns.

No jantar do Palácio do Planalto, os jornalistas, obviamente, não puderam entrar. Ficaram todos em uma ante-sala, tentando conversar com algum assessor, ouvir alguma conversa, enfim, arrumar alguma notícia.

Nessas e outras, acabaram irritando um segurança americano que, sem a menor cerimônia, deu um tapa na cara de um repórter brasileiro que tentava argumentar com ele. Estranhamente, os demais jornalistas presentes não fizeram nenhum movimento de protesto contra aquela agressão. Ficou por isso mesmo.

Fui à coletiva do dia seguinte ainda impressionado com a truculência daquela cena. Sentei-me um pouco afastado dos demais repórteres, no lado esquerdo do auditório, para ficar mais perto da caixa de som onde colocaria meu gravador.

Jimmy Carter entrou na sala acompanhado de três ou quatro assessores e começou a entrevista. Nem deu tempo d'eu criar coragem para fazer uma pergunta. Foram apenas três ou quatro respostas e, rapidamente, um assessor levantou-se e gritou: "Thank you, Mr. President". E fim de papo.

Abaixei a cabeça para ajuntar meus pertences – o gravador, bloco de anotações etc. – quando percebi um tropel perto de mim. Levantei os olhos e vi Jimmy Carter e seus assessores pisando forte e rápido em minha direção.

Ainda com o episódio da noite anterior na cabeça, quase entrei em pânico. Fiz menção de sair do caminho, com medo de levar um safanão. Ato contínuo, porém, percebi que o presidente americano vinha com a mão estendida para cumprimentar-me. Só tive tempo de estender a mão, também. Ele falou uma ou duas palavras que não entendi, sorriu e foi-se embora.

Refeito do susto, me explicaram que era praxe do presidente americano cumprimentar um jornalista após as entrevistas, homenageando, assim, simbolicamente, todos os demais. E quem estava perto da sua saída era eu.

Para quem vivia sob um regime em que o ditador nunca dava entrevistas, foi uma atitude que me impressionou. Mas podiam me avisar antes...

Isso foi há três décadas, na visita de um presidente democrata que vinha aqui para livrar-nos de um regime autoritário e violento. A visita do bélico George Bush tem outros motivos. Assim sendo, jovens colegas, se virem-no caminhando em sua direção, não hesitem: saiam logo da frente.

(*) Jornalista, trabalhou em diversos órgãos de imprensa, entre os quais TV Gazeta, BBC de Londres, Rádio Tupi, O Globo e Folha de S.Paulo. Atualmente, publica o blog EscutaZé! (www.escutaze.com.br).

José Luís de Freitas
Enviado por José Luís de Freitas em 12/03/2007
Código do texto: T409584
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