Prova de amor
Sentei-me na poltrona. Eu sabia que havia algo errado, mas não conseguia admitir o que. Olhei pela janela e uma menina brincava de bicicleta enquanto seu irmão corria atrás dela de skate. Voltei o olhar para minhas pernas. Tão calejadas e feias. Eu não conseguia mais me levantar, não conseguia sequer ir no banheiro sozinha. As crianças brincavam e sorriam, eu as admirava pela janela.
Quanto tempo eu ainda tenho? o médico dissera que um ano, mas eu sinto que não tenho um mês. É esse o meu problema, eu quero andar pelo menos uma última vez. Ter uma força nas pernas que me fizessem sentir livre, apenas mais uma única vez. Charles entrou na sala cabisbaixo. Como ele era alto e lindo… eu não queria que ele me visse assim, tão fraca, tão feia, mas mesmo o mandando embora, ele nunca ia.
- Oi minha linda! - ele sorriu e beijou minha testa.
- Oi Char.
- Eu tenho uma surpresa para você. - ele puxou a cadeira de rodas e sorriu novamente. - Você vem? - olhei para minha roupa, um vestido leve com algumas rosas e um chinelo vermelho.
- Não estou bonita para sair. - ele sorriu e colocou meus braços em seu pescoço me fazendo levantar da poltrona.
- Você vai aonde eu for. - dei uma gargalhada discreta. - Agora ponha esta venda e não reclame de nada, apenas ponha e confie em mim.
- ok, seu esquisito. - coloquei a venda e me deixei ser levada.
Senti alguém me colocando dentro do carro. Lembrei-me de quando eu ainda andava. Eu e Charles sempre saíamos e ele fazia uma surpresa para mim. Após o câncer no pâncreas, ele passou a ficar comigo apenas a noite, já que trabalhava de dia. E como eu passava muito mal com os remédios e a quimioterapia, não saíamos mais. Fui então regredindo e ele sempre fazendo algo diferente. Mas hoje, de todos os dias, ele se superou. Ele percebeu o que eu queria. Ele escutou o meu silêncio.
- Amor, chegamos. Eu vou descer você do carro e quando eu disser, você irá tirar a venda.
- tudo bem amor. - A leve subida do carro deu para perceber que ele saíra dele.
- Lucy, você está gordinha, me dá uma forcinha aí vai! - Disse ele ao tentar me carregar.
- Seu bobão, sou mais leve do que você. - A esta altura eu devia estar com 40 e poucos quilos.
- Certo certo. - Ele me carregou até na cadeira de rodas. Andamos um pouco e por fim ele parou.
- chegamos?
- olha… - ele levantou meu rosto com sua mão. - eu não sei quanto tempo ainda tenho ao seu lado, mas eu quero ver você feliz e vou estar com você até o último dia das nossas vidas. - Char tirou a venda de mim e olhava em meu olhos. - Lucy, você é minha vida e eu farei de tudo por você. Agora hoje, eu quero te dar algo, mas você precisa se esforçar. Precisa ter ânimo e vontade, muita força e muita confiança. Não se esqueça, eu estou ao seu lado.
Char saiu da minha frente dando caminho a minha visão. Estávamos em uma montanha toda coberta com vegetação verde. Várias árvores com lindas cores. Rosa, amarela, verde… tinha todas ali era uma linda paisagem em frente a nós. Havia duas barras de ferro a minha frente, como aquelas onde crianças paralíticas se punham de pé.
- É só ter força… para ver o que há embaixo, você precisa ficar de pé.
Respirei fundo e me apoiei na cadeira. Minhas pernas desequilibraram um pouco, mas fui me apoiando nas barras. Coloquei todas minhas forças em meus braços e por impulso minhas pernas se apoiaram. Levantei minhas pernas um pouco e comecei a andar devagar, bem devagar. Uma enorme euforia, como uma corrente elétrica passou por meu corpo. Cheguei ao fim das barras e eu sorria, gargalhava tanto que Char começou a chorar. Abaixo das montanhas passava um rio, calmo e tranquilo. Era o melhor lugar do mundo.
- Quando eu vim até aqui - Char disse em meio as lágrimas - eu olhei para este lugar e perdi o fôlego. Então voltei meu olhar para baixo da montanha e este rio, este rio me lembra você. Você é serena meu amor, tão graciosa, tão linda e me faz ser como esta paisagem. Me faz ser feliz, calmo e ter uma paz tão grande. E te ver sorrindo hoje é o meu melhor presente.
- Char… - ele me abraçou e chorou. - Meu amor, eu te amo. E isto o que você fez por mim, eu nunca me esquecerei. O que me sustentou, o que me deu forças este tempo inteiro, foi o seu amor. Eu estou feliz por que você me faz sentir assim. Obrigada por tudo amor, por tudo. Você me proporcionou os melhores momentos da minha vida.
- Lucy…
- Char. - sentamos na colina e choramos juntos.
Lucy faleceu um mês depois como ela havia previsto. Char e ela aproveitaram cada segundo juntos. Tiveram um amor puro e verdadeiro que perdurou por todas suas vidas. Lucy deixou em sua poltrona uma carta para cada familiar e uma endereçada a Char.
Olá meu amado.
Já havia pensado inúmeras vezes o que te dizer, mas eu nunca tinha palavras exatas. Durante toda a minha vida ao seu lado, você me fez feliz. Acordei a cada dia pensando : “ele está comigo, como eu o amo”. Não houve um dia sequer em que eu não te amei mais. Cada segundo ao seu lado, cada surpresa que você me fez, cada gesto e olhar seu, estará gravado em meu coração.
Mas hoje eu deixo este mundo, deixo sua vida. Você merece ser feliz e ser retribuído por tudo o que fez a mim. Char, eu não irei te julgar por isto. De alguma forma, eu serei muito mais feliz se você estiver assim. Não deixe de viver… Faça isto por mim, viva a vida que não vivi!
Serei sempre sua,
Lucy.