Minha herdade veio por herança já faz algum tempo. Não é uma colossal extensão de terras mas o fato é que a medição não bateu com a escritura. Ficou menor. Não que eu ligue muito pra isso. Mas...
Para que minhas poucas vacas não acomodassem a cauda na propriedade confrontante resolvi a questão à maneira do Coronel Toninho Avides: empurrei a cerca um pouco pra dentro do canavial de modo que o pequeno rebanho continua com tudo no que é meu.
Nesse fim de ano tem ventado muito por aqui. O eucalipto da porteira, velho observador de tantas idas e vindas, envergonhado com a fragilidade com que o tempo o agraciou, inventou uma tempestade na madrugada e tombou, salvando sua dignidade. Consolei-o, na manhã seguinte, afagando seus galhos inertes, confidenciando-lhe que a vida também tem me empurrado em ventania.
Aqui temos dois cavalos: Camões, de um olho só e que por isso apenas vê o lado bom das coisas, e Vangógui, que perdeu uma orelha e só entende meias verdades. Entre as aves do galinheiro o galo Churia, Belo Antônio, e a posuda galinha Brahma, Domitila além de dúzias de pintinhos e frangotes. No alpendre, Cadelo, o cachorro de estimação e de nobre linhagem.
Com o toró acima mencionado, nossa modesta represa transbordou e lançou no pasto nosso mandi paralímpico (falta-lhe um ferrão). Teve de voltar a pé, sob o aplauso e torcida das tilápias e carpas remanescentes da rapina de cunhados pescadores predadores.
Na minha herdade temos um rancho para receber em saraus, poetas declamadores, escritores amadores, tocadores de violão, cavaquinho, flauta e pandeiro. É a Tenda das Alucinações. Ali a cambada toma umas e outras.
E vou vivendo essa vida fera no meu rincão. Vosmecês, sinhô e sinhá, lá chegando, podem pisar forte que o chão é nosso.