1 DE DEZEMBRO – O DIA DA RESTAURAÇÃO DA
INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL
Todos os anos, no dia 1 de dezembro, Portugal comemora o feriado da Restauração da Independência.
Designa-se Restauração da Independência o retorno completo de Portugal e a sua autonomia face à Espanha, que ocorreu no dia 1 de dezembro de 1640, depois do país ter vivido um regime de monarquia dualista (União Ibérica) por um período de sessenta anos (de 1580 a 1640)
Rei D. Sebastião, "O Desejado"
Tudo começou em finais do século XVI: o rei de Portugal era D. Sebastião, cognominado “O Desejado” por ser o herdeiro esperado da Dinastia de Avis.
“Um rei novo nascerá
Que novo nome há-de ter
De terra em terra andará
Muita gente lhe há-de morrer…”
(Gonçalo Anes, o “Bandarra”)
Que novo nome há-de ter
De terra em terra andará
Muita gente lhe há-de morrer…”
(Gonçalo Anes, o “Bandarra”)
Profetizou, desta forma, o popular poeta de Trancoso, o nascimento do décimo sexto rei de Portugal – D. Sebastião, o Desejado.
E aos vinte dias de janeiro de 1554, dia dedicado a São Sebastião, nascia em Lisboa o mais desejado dos reis de Portugal. Constituiu-se logo à nascença como símbolo da salvação do reino, de uma autonomia necessária. Nunca o nascimento de um rei tinha sido tão aguardado, com tanta expectativa, pois a ameaça da coroa ficar sem sucessão estava presente.
Camões lendo Os Lusíadas a D. Sebastião, na Penha Verde, em Sintra
(Camões dedicou a obra Os Lusíadas ao jovem rei D. Sebastião)
O nascimento do desejado D. Sebastião e os primeiros dias de sua vida vieram acompanhados de fenômenos espantosos:
"Nasceu o sereníssimo príncipe D. Sebastião de mui gloriosa memória este ano de 1554, em 20 Janeiro à meia-noite, e depois de ter nascido e deitado em um berço, acompanhado dos senhores daquela monarquia e Casa D’el-rei seu avô, subitamente se viu uma cobra enroscada ao pé do berço em que dormia o príncipe. Visto isso, acudiram alguns dos que na casa estavam e o primeiro foi um moço da Câmara, natural de Torres Vedras, e matando a cobra com um pau a lançou da janela (…). Visto o caso, se mandou chamar um astrólogo, o qual, olhando o menino, disse: «Valha-me Deus, que por este menino se há-de revolver o mundo todo»”
(in. Códice da Biblioteca Nacional de Lisboa, Vol. 400, fl. 187)
Filho póstumo do príncipe D. João e de D. Joana (filha de Carlos V), neto de D. João III e de D. Catarina da Áustria, não chegou a conhecer o seu pai, que faleceu dezoito dias antes do seu nascimento. Esses dias que mediaram entre o falecimento do pai e o nascimento do filho, foram repletos de expectativa e ânsia, de uma nação receosa. Dos 10 filhos legítimos, todos morreram durante a vida de seu pai, D. João III. E o neto do rei D. João III herdou o trono com apenas três anos, após a morte do avô que não tinha deixado testamento, apenas uns registros, onde era confiada a tutoria do jovem rei à sua avó D. Catarina da Áustria. Pela avó do rei menino foi também assegurada a regência do reino, com o apoio do Cardeal D. Henrique de Évora.
A infância de D. Sebastião foi marcada por inúmeras intrigas e tentativas de alcançar a sua tutoria bem como a regência do reino.
O jovem rei recebeu uma importante formação de seus mestres: o padre jesuíta Luís Gonçalves da Câmara, que dirigia e desenvolvia o espírito do jovem rei em exercícios ascéticos; Pedro Nunes, que o formava no que respeitava às ciências matemáticas e às letras; D. Aleixo de Menezes, que formou um militar valoroso, incutindo ao jovem exemplos de heróis gloriosos, o valor das armas e da coragem.
E a infância e a adolescência do inteligente e impressionável Sebastião pendulava entre a leitura de livros de História e religião e as caçadas que lhe davam enorme prazer. Revelou indiferença em relação às mulheres, o que logo passou a ser motivo de preocupação, pois o casamento era essencial para assegurar herdeiros e, assim, o futuro da nação. O resultado final desta combinação de formações foi um jovem monge-cavaleiro com vocação templária e guerreira, crescendo entre os dois partidos opostos da Corte: o que tomava o partido da sua avó, e consequentemente de Espanha, e o partido que era favorável a seu tio e à autonomia nacional.
Aos 14 anos D. Sebastião assumiu a governação do reino, rodeado de um grupo de nobres, também jovens, impulsivos, entusiastas, idealistas e habituados a ouvir as façanhas das Cruzadas e histórias de conquistas além-mar. Interiorizou como seu maior ideal a conquista dos países infiéis e o estabelecimento universal do cristianismo. O jovem monarca equacionou o Oriente, mas foi impedido devido a uma tempestade ocorrida no rio Tejo, que lhe teria afundado e dispersado a frota. A África surgiu a seus olhos, muito provavelmente como a sua maior conquista, e foi em busca da conquista desse mesmo ideal que levou D. Sebastião a lutar contra os Árabes no norte da África, em Álcácer-Quibir (e a África lhe seria fatal!)
O Senado de Lisboa pedira-lhe que, antes de partir à conquista de África, deixasse escolhido o seu sucessor. O Conselho de Estado apontou o Cardeal D. Henrique, mas em virtude da sua idade avançada era importante deixar um outro nome. A falta de consenso viria a deixar aberto o caminho ao trono lusitano a Filipe II, rei de Espanha.
Em 1576, no Norte de África, o sultão Mouley Moluco, apoiado pelos otomanos, depôs o sobrinho, o sultão Mouley Mohammed, que pediu auxílio a vários soberanos europeus, inclusivamente ao jovem rei lusitano. Em Lisboa, o inexperiente e impetuoso D. Sebastião viu nesse pedido de socorro o pretexto que precisava para organizar o seu exército em grande escala.
Obcecado com futuras ameaças dos otomanos à Península Ibérica, às pressas, reuniu um exército de cerca de quinze mil homens, incluindo mercenários alemães, castelhanos e italianos. Filipe II de Espanha, que prometera apoiar a expedição, retirou-se, o que veio a ser considerado uma estratégia para desgastar Portugal, tendo um pacto secreto com Mouley Moluco.
O sultão deposto, Mouley Mohammed, em troca de tão preciosa ajuda, prometeu dar a D. Sebastião “todo o litoral que ele possuía no mar oceano com seis léguas pela terra firme, com as cidades e povoações que aí havia, entre elas: Arzila, Safim, Larache, Alcácer-Quibir e Tetuão". Além disso prometeu que deixaria pregar na Berbéria a fé cristã. Mandou-lhe entregar desde logo Arzila e, finalmente, consentia que D. Sebastião fosse coroado imperador de Marrocos.
Batalha de Alcácer-Quibir, gravura de Miguel Leitão de Andrade, 1629
No dia 25 de junho de 1578, partiu a expedição com um exército de 17 000 homens e 500 embarcações para o norte de África. De acordo com a lenda, o jovem monarca levava consigo a espada de D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, bem como o seu escudo.
Pretendendo reunir-se a Mouley Mohammed em Tânger, D. Sebastião - ignorando o conselho dos seus capitães mais experientes que recomendavam uma progressão junto à costa, com acesso aos navios e artilharia - seguiu com suas hostes pelo interior, para Arzila. O exército percorreu, a pé, os cerca de 35 quilómetros até Larache, evidenciando os primeiros sinais de fadiga. Já próximo de Alcácer-Quibir, os trinta e sete mil turcos que formavam as hostes de Mouley Moluco, aguardavam-nos, num alongamento em forma de meia-lua com mil e quinhentos metros. Sobreviventes contaram que o ataque sarraceno foi tão violento que “o ar foi obscurecido pela poeira dos cavalos e o fumo dos canhões e a cavalaria e infantaria portuguesas foram engolidas pela meia-lua marroquina, que se fechou como uma tenaz. Seguiram-se quatro horas de carnificina." Uma batalha que ficou conhecida para a História como A Batalha de Alcácer-Quibir ou A Batalha dos Três Reis (Sebastião, Mouley Moluco e Mouley Mohammed), mas nenhum dos três sobreviveu para contar a história.
Estava para sempre terminada a Batalha que, paradoxalmente, deu a morte e a imortalidade, "ao rei menino" que para sempre moraria no coração do seu povo.
Pintura que descreve o momento em que a cavalaria portuguesa
foi cercada e envolvida pelas forças muçulmanas
Disseram também os sobreviventes que “El-rei D. Sebastião enfrentou o inimigo de espada empunhada, combatendo corajosamente e que ali, na batalha, o jovem rei acordou para a realidade, percebendo, quiçá, a dimensão das suas atitudes e tentou expiar os seus erros. Enquanto a cavalaria mourisca rasgava e dispersava as alas portuguesas, D. Sebastião defendia-se desesperadamente e quando sentiram que tudo estava perdido, perguntaram-lhe:
- Que nos resta, senhor? E ele respondeu com serenidade: - Morrer!
Depois, lívido e resoluto, no meio do combate, a camisa manchada de sangue e de poeira, a espada na mão, acrescentou: - Morrer, sim, mas devagar."
Uma lição que as lusas gentes lembram até ao dia de hoje. Em síntese, apesar da sua pouca idade em Alcácer-Quibir – 24 anos – D. Sebastião não fugiu, não desertou do combate, não traiu. Deu uma grande lição, pôs-se à frente das tropas sarracenas, combateu com bravura, não desmereceu dos seus maiores, não envergonhou a História, a nobreza, o clero e o povo.
Sentindo-se órfão, o povo não queria acreditar que D. Sebastião tinha morrido na desastrosa batalha e que o trono ficara vago. Preferiu acreditar que aquele rei, tão desejado, havia apenas desaparecido. Um desastre que teve as piores consequências para o país, colocando em perigo a sua independência. O resgate dos sobreviventes agravou ainda mais as dificuldades financeiras do país.
O Desejado… Seu cognome acompanhou-o desde antes da sua concepção ao além-morte, tendo o seu nome dado lugar a umas das mais importantes expressões da espiritualidade portuguesa, o Sebastianismo*. O desaparecimento físico do jovem monarca português não o retirou dos domínios da História, elevou-o ao plano do mito. O povo acreditava que D. Sebastião havia se perdido num enevoado labirinto, na Batalha de Alcácer-Quibir, enquanto as hostes eram derrotadas, para que, na sequência do fatalismo que se seguiu, fosse possível viver a alvorada da esperança, no regresso de algo ainda maior e por viver, expresso num sentimento encerrado no coração de todos os portugueses - a saudade.
A 3ª dinastia (Filipina)
Portugal havia ficado sem rei, e este foi o maior desastre da sua História, pois surgiu o grave problema de sucessão ao trono e a consequente tomada do poder por parte do rei Filipe II de Espanha. D. Sebastião era muito jovem, nunca casara, não tinha filhos e não havia herdeiros diretos. Sucedeu-lhe o seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, que morreu dois anos depois, sem sucessores. Surgiram então como pretendentes ao trono: Filipe II, rei de Espanha, D. António, prior do Crato e D. Catarina de Bragança. Em 1580, nas cortes de Tomar, D. Filipe II foi escolhido como o novo rei de Portugal, uma vez que era neto do rei português D. Manuel e tinha direito ao trono.
Durante 60 anos, viveu-se em Portugal um período que ficou conhecido na História como “Domínio Filipino”. O rei Filipe II (Filipe I de Portugal), e seus sucessores governaram Portugal e Espanha ao mesmo tempo, como um só país (União Ibérica). Mas, nada daquilo que D. Filipe II prometeu nas cortes de Tomar, ainda no seu mandato, e de modo mais intenso no reinado de seu sucessor, Filipe III de Espanha (Filipe II de Portugal), foi cumprido. A governação Filipina tentou apagar em Portugal a sua identidade, os restos da sua autonomia e reduzir o reino lusitano a uma província de Espanha. Filipe II pensou até em estabelecer a capital de Espanha em Lisboa, a que chamariam “Felicitas Philippi”.
Os impostos aumentaram; a população empobreceu; os burgueses ficaram afetados nos seus interesses comerciais; a nobreza perdeu parte dos seus postos e rendimentos; as possessões portuguesas começaram a perder a sua importância comercial; o Império português no Oriente e na África precisava ser defendido e mantido, ao passo que as colônias portuguesas no Brasil eram ameaçadas por holandeses e ingleses, e a dinastia Filipina pouco ou nada fez para ajudar Portugal. Uma das poucas medidas positivas de Filipe II, foi a criação do Conselho da Índia, em 1604.
"Os Conjurados" de 1640
Os portugueses ficaram cansados e revoltados com a situação e, no dia 1 de dezembro de 1640, apenas quarenta homens, quarenta valentes portugueses "Os Conjurados", na maioria nobres, organizaram-se clandestinamente e, num só golpe palaciano derrubaram os representantes da coroa espanhola e proclamaram um rei português, o duque de Bragança, D. João IV (trineto do rei D. Manuel I de Portugal).
Naquela manhã, por volta de 07h00, Os Conjurados invadiram o Palácio Real de Lisboa e rapidamente controlaram a guarda. A sua intenção era destituir a Duquesa de Mântula, vice-rainha de Portugal, em nome do rei Filipe III, e o secretário de estado Miguel de Vasconcelos, português, odiado pelo povo, por colaborar com a dominação Filipina, que tinha alcançado plenos poderes para aplicar em Portugal pesados impostos.
Miguel Vasconcelos defenestrado da janela do Palácio Real
(Ilustração de Martine N. de Sousa)
Depois de entrarem no palácio, os conspiradores procuraram Miguel Vasconcelos, mas dele nem sinal. Já tinham percorrido os salões, os gabinetes de trabalho, os aposentos do secretário de estado, e não conseguiram encontrá-lo. Miguel de Vasconcelos, quando se apercebeu que não podia fugir, escondeu-se dentro de um armário, onde se fechou, armado. O fugitivo, ao tentar mudar de posição no exíguo espaço, provocou uma restolhada de papéis. Foi quanto bastou para os conspiradores derrubarem a porta e o crivarem de balas. Foi a primeira vítima do golpe de estado de 1º de dezembro, tendo sido defenestrado da janela do Palácio Real para o Terreiro do Paço. O corpo caiu no meio de "uma multidão enfurecida que largou sobre ele todo o seu ódio, cometendo verdadeiras atrocidades, sendo deixados os seus restos mortais para serem lambidos pelos cães, símbolo da mais pura profanação."
A duquesa de Mântua foi obrigada a ordenar a rendição das forças espanholas no castelo de São Jorge, na Torre de Almada e na Torre de Belém. Pelas 10h00, o povo celebrava a revolução, que rapidamente foi aclamada de norte a sul. O duque de Bragança, D. João IV foi proclamado rei e cognominado O Restaurador, dando-se início à quarta Dinastia, a Dinastia de Bragança.
Entre gritos de “Liberdade”, toda a nação portuguesa saiu às ruas, apoiando a Restauração da Independência. D. Filipe III, que se encontava a braços com uma revolução na região da Catalunha, não pode retomar o poder em Portugal.
Paralelamente, as tropas portuguesas conseguiram expulsar os holandeses do Brasil, como também conseguiram restabelecer o poder em Angola e em São Tomé e Príncipe (1641-1654). No entanto, as perdas no Oriente tornaram-se irreversíveis.
O esforço nacional em defesa da Restauração da Independência foi mantido durante vinte e oito anos, com o qual foi possível suster as sucessivas tentativas de invasão dos exércitos de Filipe III e vencê-los nas mais importantes batalhas, assinando o tratado de paz definitivo em 1668.
O dia 1 de Dezembro passou a ser comemorado todos os anos como o Dia da Restauração da Independência de Portugal, já que o trono voltou para um rei português. Continua, ainda hoje, a ser um símbolo, não só da firme vontade dos portugueses de manter a sua independência, como um símbolo da catastrófica tentativa de União Ibérica, que inicialmente parecia um negócio interessante para as elites portuguesas, mas que quase levou à destruição total do país.
A expressão “De Espanha nem bons ventos nem bons casamentos” ainda hoje lembra aos portugueses as desvantagens das uniões com o seu vizinho.
Aos Conjurados, aos heróis e patriotas do 1º de Dezembro, ao povo, a D. João IV e aos seus sucessores, Portugal deve a sua independência. A Casa de Bragança, por tudo o que já fez no passado, e por tudo aquilo que ainda continua a fazer nos dias de hoje, por Portugal e pelos valores da lusofonia, merece todo o mérito, reconhecimento e louvor.
O reconhecimento do corpo de D. Sebastião
* O Sebastianismo foi uma crença que ocorreu em Portugal depois da morte do rei D. Sebastião, na Batalha de Alcácer-Quibir. Basicamente, é uma expectativa de salvação, a esperança na vinda de um messias salvador e traduz uma inconformidade com a situação, ou situações vividas.
D. Sebastião nunca morreu na memória das gentes lusitanas, esteve sempre presente na mente do povo e dos grandes portugueses, nas artes, na música, no cinema, na literatura. É um ícone eterno e tentar explicar o que ele representa, é e será sempre uma tarefa quase impossível.
Apesar dos restos mortais de D. Sebastião terem sido removidos do norte de Àfrica para o Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, Lisboa, o povo, nunca aceitou o fato, divulgando o mito de que o rei se encontrava vivo, apenas esperando o momento certo para voltar a tomar o trono e afastar o domínio espanhol.
Um dos seus mais populares divulgadores foi o poeta Bandarra, que compôs inúmeros versos clamando pelo retorno do Desejado. Vários escritores foram inspirados pela saga sebastianista. E se Camões havia dedicado a obra Os Lusíadas ao jovem rei, ainda em vida, Fernando Pessoa condensou em versos, na obra A Mensagem, toda a angústia vivida pela orfandade lusitana.
Quiçá um sentimento muito semelhante ao Sebastianismo tenha existido muito antes de D. Sebastião. Esta crença foi defendida por António Vieira em seus Sermões, difundindo-a quando esteve em missão no Brasil.
Finalmente, em 1649, através do golpe da Restauração, o país voltou a ser independente e o Sebastianismo começou a desvanecer-se. Mas, ainda que os restos mortais de D. Sebastião tivessem sido reconhecidos e sepultados em Lisboa, "traziam consigo uma dúvida que teimou em persistir, de tal forma, que nem o epitáfio atesta quem o túmulo encerra: si vera est fama…"
Mesmo depois de morto o Povo o Desejou.
Quiçá ainda deseje que regresse numa manhã de nevoeiro…
Hoje, 1 de dezembro de 2012, é a última vez que se comemora oficialmente o feriado, na sequência da decisão do Governo Português de acabar com dois feriados civis (1 de dezembro e 5 de outubro) e dois religiosos (Assunção de Maria, a 15 de agosto e o Corpo de Deus, 6o dias após a Páscoa), a partir de 2013, a fim de "contrariar o risco da deterioração econômica".
Hoje, o país despede-se do feriado civil mais antigo da sua História. Hoje, vive-se um 1º de dezembro diferente, expressando solidariedade com os portugueses, que cada vez em maior número, enfrentam uma crise econômica originada pelos sucessivos, incapazes e irresponsáveis governos. Hoje, tal como em 1640, a política portuguesa depende da vontade de estrangeiros. Hoje, Portugal, tem a sua independência perdida para o mundialismo globalizador, para uma União Europeia que tenta apagar em Portugal a sua identidade e os restos da sua autonomia.
Hoje, D. Sebastião e o que ele representa, é mais necessário do que nunca. Para os portugueses, o 1º de dezembro acontecerá sempre, e a esperança de que melhores dias virão, jamais fenecerá.
D. Sebastião continua sendo desejado...
Quiçá ainda regresse numa manhã de nevoeiro...
A Praça dos Restauradores fica situada no extremo sul da Avenida da Liberdade, em Lisboa. É facilmente reconhecível pelo seu obelisco, com cerca de 30 metros de altura, que tem na sua base, duas estátuas em bronze a simular movimento: o génio da Independência (do escultor Alberto Nunes) e, na face norte, o génio da Vitória (da autoria de Simões de Almeida). Nas faces do pedestal estão gravados os nomes e datas das principais batalhas da Restauração.
O monumento foi custeado por subscrição pública, aberta em Portugal e no Brasil, e gerida por uma comissão sob a presidência do Marquês de Sá da Bandeira.
Apoios / Bibliografia:
Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses - Luís de Albuquerque, 1994
Dicionário de História de Portugal, J. Serrão
Universidade Católica Portuguesa – Pólo de Viseu (Projeto desenvolvido no âmbito da História da Expansão Portuguesa) - João M. F. da Fonseca
Ana Flor do Lácio
Obcecado com futuras ameaças dos otomanos à Península Ibérica, às pressas, reuniu um exército de cerca de quinze mil homens, incluindo mercenários alemães, castelhanos e italianos. Filipe II de Espanha, que prometera apoiar a expedição, retirou-se, o que veio a ser considerado uma estratégia para desgastar Portugal, tendo um pacto secreto com Mouley Moluco.
O sultão deposto, Mouley Mohammed, em troca de tão preciosa ajuda, prometeu dar a D. Sebastião “todo o litoral que ele possuía no mar oceano com seis léguas pela terra firme, com as cidades e povoações que aí havia, entre elas: Arzila, Safim, Larache, Alcácer-Quibir e Tetuão". Além disso prometeu que deixaria pregar na Berbéria a fé cristã. Mandou-lhe entregar desde logo Arzila e, finalmente, consentia que D. Sebastião fosse coroado imperador de Marrocos.
Batalha de Alcácer-Quibir, gravura de Miguel Leitão de Andrade, 1629
Pretendendo reunir-se a Mouley Mohammed em Tânger, D. Sebastião - ignorando o conselho dos seus capitães mais experientes que recomendavam uma progressão junto à costa, com acesso aos navios e artilharia - seguiu com suas hostes pelo interior, para Arzila. O exército percorreu, a pé, os cerca de 35 quilómetros até Larache, evidenciando os primeiros sinais de fadiga. Já próximo de Alcácer-Quibir, os trinta e sete mil turcos que formavam as hostes de Mouley Moluco, aguardavam-nos, num alongamento em forma de meia-lua com mil e quinhentos metros. Sobreviventes contaram que o ataque sarraceno foi tão violento que “o ar foi obscurecido pela poeira dos cavalos e o fumo dos canhões e a cavalaria e infantaria portuguesas foram engolidas pela meia-lua marroquina, que se fechou como uma tenaz. Seguiram-se quatro horas de carnificina." Uma batalha que ficou conhecida para a História como A Batalha de Alcácer-Quibir ou A Batalha dos Três Reis (Sebastião, Mouley Moluco e Mouley Mohammed), mas nenhum dos três sobreviveu para contar a história.
Estava para sempre terminada a Batalha que, paradoxalmente, deu a morte e a imortalidade, "ao rei menino" que para sempre moraria no coração do seu povo.
Pintura que descreve o momento em que a cavalaria portuguesa
foi cercada e envolvida pelas forças muçulmanas
Disseram também os sobreviventes que “El-rei D. Sebastião enfrentou o inimigo de espada empunhada, combatendo corajosamente e que ali, na batalha, o jovem rei acordou para a realidade, percebendo, quiçá, a dimensão das suas atitudes e tentou expiar os seus erros. Enquanto a cavalaria mourisca rasgava e dispersava as alas portuguesas, D. Sebastião defendia-se desesperadamente e quando sentiram que tudo estava perdido, perguntaram-lhe:
- Que nos resta, senhor? E ele respondeu com serenidade: - Morrer!
Depois, lívido e resoluto, no meio do combate, a camisa manchada de sangue e de poeira, a espada na mão, acrescentou: - Morrer, sim, mas devagar."
Uma lição que as lusas gentes lembram até ao dia de hoje. Em síntese, apesar da sua pouca idade em Alcácer-Quibir – 24 anos – D. Sebastião não fugiu, não desertou do combate, não traiu. Deu uma grande lição, pôs-se à frente das tropas sarracenas, combateu com bravura, não desmereceu dos seus maiores, não envergonhou a História, a nobreza, o clero e o povo.
Sentindo-se órfão, o povo não queria acreditar que D. Sebastião tinha morrido na desastrosa batalha e que o trono ficara vago. Preferiu acreditar que aquele rei, tão desejado, havia apenas desaparecido. Um desastre que teve as piores consequências para o país, colocando em perigo a sua independência. O resgate dos sobreviventes agravou ainda mais as dificuldades financeiras do país.
O Desejado… Seu cognome acompanhou-o desde antes da sua concepção ao além-morte, tendo o seu nome dado lugar a umas das mais importantes expressões da espiritualidade portuguesa, o Sebastianismo*. O desaparecimento físico do jovem monarca português não o retirou dos domínios da História, elevou-o ao plano do mito. O povo acreditava que D. Sebastião havia se perdido num enevoado labirinto, na Batalha de Alcácer-Quibir, enquanto as hostes eram derrotadas, para que, na sequência do fatalismo que se seguiu, fosse possível viver a alvorada da esperança, no regresso de algo ainda maior e por viver, expresso num sentimento encerrado no coração de todos os portugueses - a saudade.
A 3ª dinastia (Filipina)
Portugal havia ficado sem rei, e este foi o maior desastre da sua História, pois surgiu o grave problema de sucessão ao trono e a consequente tomada do poder por parte do rei Filipe II de Espanha. D. Sebastião era muito jovem, nunca casara, não tinha filhos e não havia herdeiros diretos. Sucedeu-lhe o seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, que morreu dois anos depois, sem sucessores. Surgiram então como pretendentes ao trono: Filipe II, rei de Espanha, D. António, prior do Crato e D. Catarina de Bragança. Em 1580, nas cortes de Tomar, D. Filipe II foi escolhido como o novo rei de Portugal, uma vez que era neto do rei português D. Manuel e tinha direito ao trono.
Durante 60 anos, viveu-se em Portugal um período que ficou conhecido na História como “Domínio Filipino”. O rei Filipe II (Filipe I de Portugal), e seus sucessores governaram Portugal e Espanha ao mesmo tempo, como um só país (União Ibérica). Mas, nada daquilo que D. Filipe II prometeu nas cortes de Tomar, ainda no seu mandato, e de modo mais intenso no reinado de seu sucessor, Filipe III de Espanha (Filipe II de Portugal), foi cumprido. A governação Filipina tentou apagar em Portugal a sua identidade, os restos da sua autonomia e reduzir o reino lusitano a uma província de Espanha. Filipe II pensou até em estabelecer a capital de Espanha em Lisboa, a que chamariam “Felicitas Philippi”.
Os impostos aumentaram; a população empobreceu; os burgueses ficaram afetados nos seus interesses comerciais; a nobreza perdeu parte dos seus postos e rendimentos; as possessões portuguesas começaram a perder a sua importância comercial; o Império português no Oriente e na África precisava ser defendido e mantido, ao passo que as colônias portuguesas no Brasil eram ameaçadas por holandeses e ingleses, e a dinastia Filipina pouco ou nada fez para ajudar Portugal. Uma das poucas medidas positivas de Filipe II, foi a criação do Conselho da Índia, em 1604.
"Os Conjurados" de 1640
Os portugueses ficaram cansados e revoltados com a situação e, no dia 1 de dezembro de 1640, apenas quarenta homens, quarenta valentes portugueses "Os Conjurados", na maioria nobres, organizaram-se clandestinamente e, num só golpe palaciano derrubaram os representantes da coroa espanhola e proclamaram um rei português, o duque de Bragança, D. João IV (trineto do rei D. Manuel I de Portugal).
Naquela manhã, por volta de 07h00, Os Conjurados invadiram o Palácio Real de Lisboa e rapidamente controlaram a guarda. A sua intenção era destituir a Duquesa de Mântula, vice-rainha de Portugal, em nome do rei Filipe III, e o secretário de estado Miguel de Vasconcelos, português, odiado pelo povo, por colaborar com a dominação Filipina, que tinha alcançado plenos poderes para aplicar em Portugal pesados impostos.
Miguel Vasconcelos defenestrado da janela do Palácio Real
(Ilustração de Martine N. de Sousa)
A duquesa de Mântua foi obrigada a ordenar a rendição das forças espanholas no castelo de São Jorge, na Torre de Almada e na Torre de Belém. Pelas 10h00, o povo celebrava a revolução, que rapidamente foi aclamada de norte a sul. O duque de Bragança, D. João IV foi proclamado rei e cognominado O Restaurador, dando-se início à quarta Dinastia, a Dinastia de Bragança.
- Liberdade, liberdade! Viva El-Rei D. João, o Quarto!
Gritava o povo, apoiando a Restauração da Independência.
Gritava o povo, apoiando a Restauração da Independência.
Entre gritos de “Liberdade”, toda a nação portuguesa saiu às ruas, apoiando a Restauração da Independência. D. Filipe III, que se encontava a braços com uma revolução na região da Catalunha, não pode retomar o poder em Portugal.
Paralelamente, as tropas portuguesas conseguiram expulsar os holandeses do Brasil, como também conseguiram restabelecer o poder em Angola e em São Tomé e Príncipe (1641-1654). No entanto, as perdas no Oriente tornaram-se irreversíveis.
O esforço nacional em defesa da Restauração da Independência foi mantido durante vinte e oito anos, com o qual foi possível suster as sucessivas tentativas de invasão dos exércitos de Filipe III e vencê-los nas mais importantes batalhas, assinando o tratado de paz definitivo em 1668.
O dia 1 de Dezembro passou a ser comemorado todos os anos como o Dia da Restauração da Independência de Portugal, já que o trono voltou para um rei português. Continua, ainda hoje, a ser um símbolo, não só da firme vontade dos portugueses de manter a sua independência, como um símbolo da catastrófica tentativa de União Ibérica, que inicialmente parecia um negócio interessante para as elites portuguesas, mas que quase levou à destruição total do país.
A expressão “De Espanha nem bons ventos nem bons casamentos” ainda hoje lembra aos portugueses as desvantagens das uniões com o seu vizinho.
Aos Conjurados, aos heróis e patriotas do 1º de Dezembro, ao povo, a D. João IV e aos seus sucessores, Portugal deve a sua independência. A Casa de Bragança, por tudo o que já fez no passado, e por tudo aquilo que ainda continua a fazer nos dias de hoje, por Portugal e pelos valores da lusofonia, merece todo o mérito, reconhecimento e louvor.
O reconhecimento do corpo de D. Sebastião
* O Sebastianismo foi uma crença que ocorreu em Portugal depois da morte do rei D. Sebastião, na Batalha de Alcácer-Quibir. Basicamente, é uma expectativa de salvação, a esperança na vinda de um messias salvador e traduz uma inconformidade com a situação, ou situações vividas.
D. Sebastião nunca morreu na memória das gentes lusitanas, esteve sempre presente na mente do povo e dos grandes portugueses, nas artes, na música, no cinema, na literatura. É um ícone eterno e tentar explicar o que ele representa, é e será sempre uma tarefa quase impossível.
Apesar dos restos mortais de D. Sebastião terem sido removidos do norte de Àfrica para o Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, Lisboa, o povo, nunca aceitou o fato, divulgando o mito de que o rei se encontrava vivo, apenas esperando o momento certo para voltar a tomar o trono e afastar o domínio espanhol.
Um dos seus mais populares divulgadores foi o poeta Bandarra, que compôs inúmeros versos clamando pelo retorno do Desejado. Vários escritores foram inspirados pela saga sebastianista. E se Camões havia dedicado a obra Os Lusíadas ao jovem rei, ainda em vida, Fernando Pessoa condensou em versos, na obra A Mensagem, toda a angústia vivida pela orfandade lusitana.
Quiçá um sentimento muito semelhante ao Sebastianismo tenha existido muito antes de D. Sebastião. Esta crença foi defendida por António Vieira em seus Sermões, difundindo-a quando esteve em missão no Brasil.
Finalmente, em 1649, através do golpe da Restauração, o país voltou a ser independente e o Sebastianismo começou a desvanecer-se. Mas, ainda que os restos mortais de D. Sebastião tivessem sido reconhecidos e sepultados em Lisboa, "traziam consigo uma dúvida que teimou em persistir, de tal forma, que nem o epitáfio atesta quem o túmulo encerra: si vera est fama…"
Mesmo depois de morto o Povo o Desejou.
Quiçá ainda deseje que regresse numa manhã de nevoeiro…
Hoje, 1 de dezembro de 2012, é a última vez que se comemora oficialmente o feriado, na sequência da decisão do Governo Português de acabar com dois feriados civis (1 de dezembro e 5 de outubro) e dois religiosos (Assunção de Maria, a 15 de agosto e o Corpo de Deus, 6o dias após a Páscoa), a partir de 2013, a fim de "contrariar o risco da deterioração econômica".
Hoje, o país despede-se do feriado civil mais antigo da sua História. Hoje, vive-se um 1º de dezembro diferente, expressando solidariedade com os portugueses, que cada vez em maior número, enfrentam uma crise econômica originada pelos sucessivos, incapazes e irresponsáveis governos. Hoje, tal como em 1640, a política portuguesa depende da vontade de estrangeiros. Hoje, Portugal, tem a sua independência perdida para o mundialismo globalizador, para uma União Europeia que tenta apagar em Portugal a sua identidade e os restos da sua autonomia.
Hoje, D. Sebastião e o que ele representa, é mais necessário do que nunca. Para os portugueses, o 1º de dezembro acontecerá sempre, e a esperança de que melhores dias virão, jamais fenecerá.
D. Sebastião continua sendo desejado...
Quiçá ainda regresse numa manhã de nevoeiro...
Monumento homenagem aos Restauradores - Praça dos Restauradores em Lisboa
A Praça dos Restauradores fica situada no extremo sul da Avenida da Liberdade, em Lisboa. É facilmente reconhecível pelo seu obelisco, com cerca de 30 metros de altura, que tem na sua base, duas estátuas em bronze a simular movimento: o génio da Independência (do escultor Alberto Nunes) e, na face norte, o génio da Vitória (da autoria de Simões de Almeida). Nas faces do pedestal estão gravados os nomes e datas das principais batalhas da Restauração.
O monumento foi custeado por subscrição pública, aberta em Portugal e no Brasil, e gerida por uma comissão sob a presidência do Marquês de Sá da Bandeira.
Apoios / Bibliografia:
Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses - Luís de Albuquerque, 1994
Dicionário de História de Portugal, J. Serrão
Universidade Católica Portuguesa – Pólo de Viseu (Projeto desenvolvido no âmbito da História da Expansão Portuguesa) - João M. F. da Fonseca
Ana Flor do Lácio