Crítica: MOSTRA REGIONAL DE TEATRO VILA VELHA-ES - Última Sessão
A Alma do Mundo intitula o último espetáculo apresentado na mostra competitiva de teatro realizada em 16 de outubro de 2012 no CEET Vasco Coutinho em Vila Velha no Espírito Santo. A apresentação foi marcada por uma série equívocos cênicos, como atores dizendo o texto sem iluminação, mas também por grandes sacadas que surpreenderam muitos na plateia.
Apesar de possuir alguns recursos técnicos, como equipamentos de luz e som, uma acústica razoável e boas poltronas na plateia, a casa não dispunha de uma estrutura para um espetáculo grande, com mais de quinze atores em cena, dois atos e mudança de cenário. Há de se considerar que na verdade o espaço não se destina propriamente a exibições teatrais. Pois a caixa cênica dispunha apenas de um palco, sem coxias e sem maquinários de operação de cena. O espaço escolhido para o evento está muito mais para um auditório destinado a palestras e seminários. Mas isso não parece ter sido problema para a produção de A Alma do Mundo.
De forma muito prática e simples pudemos apreciar um cenário bem resolvido com projeções de um “data show”. Isso pode parecer, em primeira análise, um cenário pobre num sentido de funcionalidade cênica. No entanto, as imagens projetadas ambientaram as cenas com bastante coerência, o que é a função principal de um cenário. A luz também esteve na maior parte do tempo em sintonia com o que se passava em cena. Apesar de em muitos momentos atores terem estado fora da luz, isso pareceu muito mais um erro de direção e produção. Pois todas as cenas não iluminadas se deram num plano fora do palco, onde não havia recursos para que o operador de luz resolvesse a questão.
O espetáculo teve uma sonorização e trilha bem arranjadas. Mas a mesma justiça feita à iluminação deve-se também aplicar à operação de som. Muitos problemas com o som tiveram importância fundamental na falta de compreensão do que era dito em cena. Muitas trilhas sobrepunham as vozes dos atores e efeitos sonoros entravam sem qualquer conexão com a cena. A maioria dos atores não conseguia impostar a voz para alcançar os espectadores das últimas filas da plateia. O resultado de falhas operacionais no som somadas a falta de impostação vocal resultaram em muitos momentos da falta de compreensão do texto.
Não posso deixar de observar que o espetáculo se deu num ritmo bastante arrastado. É necessário trabalhar para que os atores desenvolvam as cenas com mais jogo cênico, mais ritmo, mais “ping pong”. Seria bom que a direção tivesse um pouco mais de atenção sobre esse aspecto.
Apesar de algumas dificuldades técnicas houve momentos de grande catarse e atenção do público presente. Impossível não perceber o envolvimento do público no segundo ato do espetáculo. A cena em que deuses decidiam que destino traçar para a tragédia humana, apresentada em cenas do primeiro ato, conseguiu enfim trazer o público à cena. Uma grande surpresa veio logo ao início do segundo ato, quando lúcifer entra em num figurino todo branco em que mais parecia um “anjo de luz” em vez de o “senhor do submundo”. Arrisco-me em dizer que quase todo o público esperava sim uma figura sinistra com adornos e figurino tenebrosos. E o que novamente poderia ter parecido uma incoerência acabou sendo sim uma grande sacada do figurinista. O personagem ficou em harmonia estética com o ambiente cênico e coerente com o contexto da cena. Porque, segundo a mitologia cristã, Lúcifer é o senhor das trevas em seu submundo, mas era um anjo de luz no mundo superior. Nota 11 para a grande sacada de originalidade para os figurinos.
Já no quesito adaptação, se a questão é nota, -1 seria para a decisão de uma gravíssima alteração no texto o que tornou impossível compreender o sentido do que foi dito. Já quase no fim do espetáculo um dos personagens recita um poema em que fala sobre o conceito de verdade. Os versos desta poesia repudiam em todo tempo o absolutismo da verdade. Por fim quando os versos fechariam o poema com um paradoxo, dando a verdade ao seu portador, o texto foi alterado bem como o seu sentido. Em vez de “...Deus e o Diabo não existem, mas estão em todo lugar.” A atriz disse: “... Deus e o Diabo existem sim e estão em todo lugar.” A poesia começou afirmando que loucura é acreditar que sua verdade é única e absoluta, e, com a mudança, terminou dizendo exatamente o oposto que a verdade é uma só. O texto perdeu o sentido e acabou se tornando um “bla bla bla”. Esta sem dúvida foi uma decisão bastante infeliz e que fere a ética literária.
O final do espetáculo sofreu um grave prejuízo com a impossibilidade de dois atores mirins em se apresentarem, segundo a produção, por motivos de saúde. As duas crianças fechariam a cena final, trazendo uma mensagem de esperança, mas o imprevisto obrigou a direção a improvisar algo de última hora para suprir os desfalques. Isso acabou fazendo com que os espectadores não tivessem a catarse final do espetáculo.
Contudo e apesar de tudo o que se pode ver foi um grande esforço em produzir cultura e educação nesse país. Não são raras as iniciativas culturais de pessoas como o grupo de teatro PIAF, como a professora Christina Araújo que organizou o grupo, e os organizadores do evento. Seja no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Espírito Santo, em todo o país os esforços de se fazer alguma coisa pela cultura enfrentam grandes dificuldades políticas, com falta de investimentos e de estrutura. E se isso mudar um dia será pela iniciativa de pessoas como os envolvidos nesse projeto. São essas pessoas que discutem ideias quem tornaram possível que algo melhor aconteça.
Seria de grande valor que o grupo buscasse corrigir as falhas e que mantivesse o que apresentado com maestria. O grupo apresenta um trabalho com muita riqueza, bastante polêmico e com muitas possibilidades de encenação.