KALUNIA 32 - I JORNAL DE BOATOS CONFIRMADOS / Menos gente deveria estar presa no Brasil

Pedro Abramovay : ex-scretário nacional de Direitos Humanos,

professor da Fundação Getúlio Vargas - FGV.

O Brasil é o país da impunidade. Mas também a quarta nação que mais prende no mundo, com um total de 514.582 detentos. Como conciliar estes dois fenômenos ? Uma das afirmações é mentirosa ? Não. Qualquer discussãosobre populaçãoprisional no Brasil tem que começar por esta aparente contradição. Caso contrário como falar em "desafogar o sistema carcerário" se muitos acham que não estamos prendendo o suficiente ? A questão éentender quem está sendo detido e quem não está.

O crime que mais prende hoje é o tráfico de drogas. São mais de 125 mil pessoas. Pesquisas bastante sérias nos mostram que pelomenos 60% delas são réus primários, que estavam desarmados e que nãotem qualquer vínculo com o crime organizado. Muitos são apenas usuários. Ao serem presos, sóalimentam a cadeia da impunidade. Precisamos retirar urgentemente do sistema penal os usuários de drogas.

Os furtos e roubos sãooutra questão. Quase 70 milpessoas estãopreas por furto, metade simples (quando é realizado sozinho e sem qualquer rompimento de obstáculo, como levar um carro se a chave estáno contato). A proposta do novo código penal, lançada em junho, afirma que se a pessoa devolver o dinheiro ou o bem furtado ela não seria processada criminalmente. Faz sentido,afinal para quem sonega imposto essa regra já vale. Se não copntinuaremos com o cenário atual, em que:

1) Mais de 200 milpessoas estãopresas sem praticarem crime violento. Elaspoderiam estar cumprindo penas alternativas, que já se mostraram mais baratas e eficientes em evitar que os condenados voltem a cometer crimes.

2) A edmagadora dos detentos (por roubo, furto, ou tráfico) foi presa em flagrante. Isso significa que as forças policiais não estão preparadas para construir grandes investigações, que possam desmontar organizações criminosas. Toda a energia do sistema criminal fica presa na cultura do "pega ladrão". Prende-se o criminoso de rua, o menos sofisticado, a ponta da cadeia.

Cada detenção destas não afeta em nada o crime organizado, apenas dá aos agentes da lei a idéia de que sua missãofoi cumprida. Não foi. A missão não é cumprida quando se prende mais,mas quando a violência cai.E essas detenções não contribuem para isso.

A solução é prender menos e melhor. devemos parar de gastar energia e dinheiro com crimonosos nãoviolentos e criar uma cultura policial de investigações poderosas que possa acabar realmente com a impunidade no Brasil.

(Artigo transcrito da revista Galileu, ed 253, de agosto)

Pedro Abramovay
Enviado por Zulcy Borges em 24/09/2012
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