Tristeza, alegria, necessidade
Tristeza, Alegria, Necessidade.
Me deixa triste ...
Não ter um amor: um homem que goste de mim, que no meio da tarde sinta uma irresistível vontade de me ver, falar comigo, estar comigo e seja capaz de ousar esse desejo; um homem que, se não for belo, assim pareça aos meus olhos; que tenha olhos capazes de conversar comigo, um homem que seja forte e seja terno, um homem que queira ouvir o que eu tenho para dizer, um homem que acredite em mim, que me afague o cabelo, que me beije os olhos, um homem que confie em mim para ajuda-lo, que seja capaz de me achar no meio de multidões porque o seu calor interage com o meu e a gente se aproxima como fogo e gasolina. Um homem que me abrace forte e perfume o meu corpo com o cheiro do seu, um homem suave, que saiba sorrir e chore de vez em quando, que goste dos meus defeitos, que me acolha como eu sou, sem que eu tenha que parecer inteligente ou bonita ou sensual. Um homem que se preocupe com as pessoas, que goste de crianças, que não tenha medo de ter medo. Um homem inteiro, humano, real, com cor de gente, cheiro de gente, alegria de gente (que é sempre misturada com senão), calor de gente. Um homem que me ame. Que me diga isso e goste da idéia.
Me agrada...
Estar viva, a possibilidade de resistir, de insistir, de coexistir.Saber quem me ama, ser capaz de amar, o sal da mágoa temperando a minha vida, voltar pra casa, encontrar amigos, falar com eles, saber rir, tomar banho, sopa quente, abraços. Acordar todo dia, poder caminhar com minhas próprias pernas, ter paladar, reconhecer cheiros e sons, ter novas idéias, gostar da cara que eu vejo no espelho; ter raivas estrondosas e passageiras, capitular diante de um sorriso do meu filho, as covinhas que ele tem quando sorri, o cheiro da comida da minha mãe, meu pai molhando o jardim, relembrar emoções, ser capaz de chorar, de imaginar, de dizer aos amigos o quanto eu os amo. Ser capaz de estar aqui e saber o que me agrada, ser capaz de reconhecer o que não dá mais, continuar viva apesar disso.
Preciso...
Aprender a ser só. A não ter expectativas, a deixar a vida fluir. Não querer que as pessoas compreendam o que eu sinto. Não imaginar que podem colocar-se no meu lugar. Aprender que meu referencial é único, minha dor e minha alegria também. Acreditar no que disse o meu professor, que somos infinitamente sós e não há tempo ou espaço onde nos encontremos realmente com alguém e, ainda assim, aspirar à transcendência. A crer que não é à toa que adoro o centauro.
Nota: O centauro tem em sua parte inferior a representação animal, primitiva, instintiva. Em seu torso traz a sua humanidade, sua capacidade de pensar e relacionar-se. Seu arco, no entanto, aponta para o alto, aspirando a transcendência.
Raquel Domingues Pires 08 e 10/08/1988.