Tempo, as sete faces do mundo

Se Drummond acordasse de seu sono, hoje, seus pensamentos estariam confusos em meio a tantas turbulências, turbulências da vida que ele não viveu e o que viveu, muitos de nós gostaríamos de ter vivido ou de estar vivendo. Hoje, os anjos já não nos visitam mais, perderam nosso endereço, nem mesmo os anjos tortos, e muito menos os anjos que vivem em sombras. Será que sabemos o que é um anjo? A vida já não nos permite, não nos sobra tempo para sermos um gauche, somos obrigados a viver acertando, andar nos trilhos, por isto escondemos de nós o poeta que há em nós.

Nossas tardes não mais azuis são, acho que não possuem mais cor, são tardes escuras, tardes cheias de ansiedade, de pressa, de chegar logo, tardes da cor que a vida moderna nos permite colorir. Esquecemos de espiar inocentemente, fechamos as frestas de nossa imaginação. Elas se fecharam no tempo e o mundo “espiado” que ele via, elas foram substituídas pela selva de pedra, as frestas estão entre os prédios, frestas tão enormes que transferiram para nós o poder do espiar, nós somos espiados, todos os dias, e todos os dias sendo espiados por muitos, espias de desconfiança, espias de vigilância, ficou lá trás o singelo gesto amoroso de ver as entre as frestas do tempo e da imaginação.

Os bondes de hoje passam que nem suas cores o tempo nos deixa ver, são bondes fechados com seus interiores escuros que nos proíbe até de ver os rostos que neles se deslocam no tempo. A graça das pernas a se deslocaram no tempo, e ao vento acariciando e descobrindo-as perdeu-se há muito tempo, foram esquecidas nas ruas confusas e cheias onde lutamos com o inimigo tempo, a todo instante, a todo tempo. A pergunta de meu coração se cala quando, meus olhos nada vêem o que não nos mostram. Dias atribulados, dias cheios, dias que se passam e o poema de cada dia nos faz refletir em versos resumidos, em prosas de beira de botequim.

Todos somos sérios, de pouca conversa, temos poucos amigos, nosso vizinho nem conhecemos. Bigodes quase não existem mais. Nós todos hoje nos escondemos atrás de óculos que não nos deixam ser notados pelas angustias e tristezas que nossos dias nos separam. Pouca conversa, poucos “papos”, o assunto é sério, e quando teremos tempo para falar de um assunto irreverente? Com muitos amigos e muita conversa? Já não existe descontração, já não existe espaço para o informal, não sabemos nem para onde vamos? Fechamos em nós mesmos, nos escondemos atrás dos óculos, disfarçados com bigodes de atores, dizemos a nós mesmos que felizes somos, que fortes somos e que não somos sérios, o brincalhão está escondido, amarrado e trancado em nosso interior que nem mesmo de brincadeira ele sobrevive.

Mas Deus nunca nos abandona, ao contrário de Carlos, Deus sabe que não somos Deuses, e é mesmo por isto que não nos abandona. Nosso refúgio é Ele, nosso amigo é Ele. Nos revelamos tanto um para o outro, que nunca nos perguntamos um ao outro, porque somos assim? Somos nós fracos, vivemos perambulando pelos cantos do mundo, perdidos às vezes, mas de nossa grande humildade, reconhecemos que faz parte de nós um Deus vivo, pois dele fomos feitos.

Se por todo o vasto mundo eu me chamasse Carlos, eu não seria Raimundo na vida, eu poderia ser um Carlos, cheio de inocência, cheio de vida, que no lugar de um coração teria poemas sortidos, e ter um a revelar a cada segundo, uma vida inteira recheada de palavras que tratassem do amor, da vida, de um “vasto coração” de “um vasto mundo”, se Carlos e não Raimundo fosse. As rimas estariam então escondidas atrás de cada frase e que minha boca pudesse dize-las tão bem, como tão bem soube ele escrever, no coração, do coração.

Bonde, bonde, grande bonde. Vida, vida, grande vida, tenho a impressão que se eu pudesse viver a vida e de bonde andar, passaria mais tempo a observar, e ver melhor o que a vida tem, o poema que existe em cada segundo que passamos, o cheiro da lua em cada noite, que apenas deitamos e não a vemos. O bonde do tempo aqui passa e dele seríamos apenas passageiros e não dele seríamos prisioneiros, vivendo assim sem saber para “quando”, ele nos leva e não para “onde”. Tempo, tempo, vasto tempo, seu eu vivesse sem ele, eu não seria assim, seria um Carlos sem medo.

Domingos Richieri
Enviado por Domingos Richieri em 10/08/2012
Código do texto: T3824112
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