Amado foi Jorge, que desenhou suas raízes escrevendo!

Jorge Amado sempre explorou os mais diversos aspectos da vida baiana. A violência pela posse da terra e suas consequências sociais, a exemplo do que ocorreu na colonização em áreas do Sul da Bahia, destinadas aos cacauecultores, foi notoriamente mostrada em “São Jorge de Ilhéus”, em “Gabriela, Cravo e Canela” e em “Terras do Sem Fim”. Os personagens típicos das ladeiras de Salvador foram retratados em “Tenda dos Milagres”, em “Capitães de Areia”, em “Mar Morto”. Seus ideais políticos são marcados em “Os Subterrâneos da Liberdade”, em “O Cavaleiro da Esperança”. As sedutoras mulheres, baianas quentes e fortes, convivem em “Tieta do Agreste”, em “Dona Flor e seus Dois Maridos”, e também em “Gabriela” e muitas outras obras enraizadas neste solo forrado de um lado pelo cacau e de outro pela caatinga, que convivem quase lado a lado.

Cenas típicas de dificuldade, que se encontra em qualquer lugar do Brasil, mas fortemente concentrada no nordeste. Uma vida seca, rude, violenta, mas também muito sensual. Enfim, um órfão do morro, passando a cria da casa barrenta e, no futuro, um vadio, lutador de boxe, trabalhador rural, artista de circo. Baldo é fruto de Jubiabá, que, em seus vários episódios, mostra um povo baiano colorido, alegre e praticante do santo que encarna a alma dessa raça. Sua paixão ou sua fixação amorosa pela filha dos benfeitores, que cedo desaparece de sua visão e volta tempos depois, já uma Lindinalva bastante sofrida, degradada pela vida rude junto a Barreiras, um advogado sedutor. Mas, além de mostrar a vida simples e romântica de seu personagem, sugere seu lento amadurecimento rumando à consciência política, uma das características do realismo socialista, pintado de cores sensuais e com o odor apimentado do tão suado cenário baiano.

Não distante dali, um líder que todos chamam de Pedro Bala, é o chefe de um

grupo de meninos de rua, abandonados e marginalizados, que aterrorizam a cidade de Salvador. Nasce então “Os Capitães de Areia”. Bala, com seus longos cabelos loiros e uma cicatriz no rosto, lidera o grupo, e também, um dia, é capturado pela polícia e muito castigado no interior daquele antro de crueldade que é o Reformatório. Escapa mas já sai dali enfraquecido, e o grupo acompanha a sua degradação, que vai aos poucos se desfazendo. Pedro Bala então deixa de ser o líder dos Capitães de Areia e se torna um líder revolucionário comunista. Escrito na primeira fase da carreira do autor, o romance mostra as suas grandes preocupações sociais.

A segunda metade do século já se iniciou, assim como a segunda fase do modernismo, e contempla a cidade de Ilhéus com o desenrolar de mais um romance de Jorge, “Gabriela Cravo e Canela”. De um lado, Mudinho está destinado a acelerar o desenvolvimento da cidade, e, de outro, Nacib, em seu bar Vesúvio, se vê sem a cozinheira e comprometido na entrega de refeições. Inesperadamente, chega à cidade Gabriela, que vai suprir a falta do Vesúvio, e inicia-se aí um romance entre Nabib e sua bela cozinheira. Enquanto isto, Mudinho mede forças com o governador. Gabriela é tão querida que todos a querem pra si, “perfume de cravo, cor de canela”. Então, o esperto Nacib casa-se com ela, mas esta adaptação é muito difícil para a moça, que se deixa flagrar com outro. Nacib anula o compromisso dos dois. Mudinho colhe sucesso em seus projetos e, junto com Nacib, fazem uma sociedade num restaurante. Muito há de contexto neste livro, que, a cada capítulo lido, faz crescer um enorme gosto em começar o próximo.

Amado nunca foi primoroso em suas construções literárias, nas normas gramaticais e ortográficas. O linguajar baiano e o e vocabulário local deleitam-se em seus textos. Em contrapartida, o leitor pode se preparar para degustar um texto saboroso e suculento, que transpira o odor do trópico, do calor e da vida picante. Suas 44 histórias são tramadas sobre o povo simples e rude, numa língua que esse povo fala e entende.

“A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água” analisa e critica toda a sociedade. O

romance acontece em Salvador e gira em torno da boemia, não tão qualificada, dos arredores do cais do porto. É nítido aqui o realismo mágico, existe uma mistura de realidade e sonho; racionalidade e loucura; amor e desamor; rancor e ternura. Joaquim Soares da Cunha, personagem principal, sempre foi um bom funcionário público, pai de família exemplar, até o dia em que se aposentou. Depois do evento, jogou tudo para o alto: a família, o respeito, os amigos, a tradição e migrou para a malandragem, para o alcoolismo e a jogatina. A história se desenvolve até sua morte e, mesmo no velório, seus amigos resolvem levá-lo para um último passeio no submundo onde vivia e, diante de uma tempestade, seu corpo cai ao mar. Morre ao renunciar à família. Morre na solidão de seu minúsculo quarto imundo. Morre ao cair ao mar, e assim não deixa qualquer testemunho físico de sua passagem pela vida.

Ainda na segunda fase do modernismo, Flor e Vadinho dão vida à “Dona Flor e seus Dois Maridos”, que já inicia com a morte de seu personagem Vadinho, marido infiel, cheio da doce lábia, tipo espertalhão, jogador nato e muito, mas muito, malicioso, e, ao mesmo tempo, extremamente adorável. Mas aparece Teodoro, que é totalmente diferente, e sua união com Flor se concretiza. É no aniversário de casamento de Flor que Vadinho surge para ela, e só para ela, nu, como Flor sempre gostou, e a vida a três tem início. Por fim, o romance termina com Flor andando feliz com Teodoro de um lado e Vadinho (nu, como sempre) do outro, pelas ruas de Salvador.

Em um melodramático folhetim, nasce “Tieta do Agreste”, uma pastora de cabras do agreste, que é expulsa de lá pelo próprio pai. Volta depois de anos, rica graças à sua vida fácil. Seus personagens são inesquecíveis, o livro é engraçado e sensual. Jorge Amado usa e abusa das expressões e do folclore regionais, criando uma narrativa muito envolvente. Amado, de vez em quando, se faz de personagem, expondo seus próprios palpites nesta inesquecível trama.

Assim nasceu Jorge, assim viveu Jorge, assim morreu Jorge. Sempre ligado às questões sociais, ao linguajar do baiano ajeitado, em sua forma errada de escrever, mas com a forma certa de falar.

9o Lugar no VIII Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus, publicado no livro “Homenagem ao Centenário de Nascimento do Escritor Jorge Amado (1912-2012)”

Domingos Richieri
Enviado por Domingos Richieri em 03/08/2012
Reeditado em 11/08/2012
Código do texto: T3812406
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