As delicias do jardim
As delicias do jardim
1. As delicias do jardim
1.2. Epicuro
Epicuro nasceu em Samos em 341 a.C. e foi o responsável pela criação de uma das grandes escolas helênicas que surge em Atenas (307 / 306 a.C.).
Podemos ter uma referência física do jardim, como um lugar escolhido por Epicuro, lugar esse que fosse propício para o desenvolvimento de seu pensamento, concebido na filosofia, como: “arte de viver”. Que tipo de pensamento intuía Epicuro? qual novidade trazia seu pensamento? Quais foram os modos para transmiti-los? O presente trabalho, abordará a sua física fundada nos átomos, como em Demócrito, como também sua moral e ética.
A filosofia materialista de Epicuro reduzia todo o conhecimento à existência sensível, revogando a metafísica e toda forma de transcendência. Um dos seus seguidores fiéis, em Roma foi Lucrécio, que em um de seus textos, revela tal pensamento de Epicuro.
Além disso, explicarei por que força inflete e governa a Natureza o curso do sol e o andamento da luz, para que não se acredite por acaso que eles prosseguem espontâneos e eternamente nos seus caminhos entre céu e terra, a fim de favorecer o crescimento de plantas e animais, nem se julgue que giram impelidos por qualquer vontade divina. (AQUINO; DENISE; OSCAR, apud Lucrécio, 1980, p. 264).
A sabedoria era a regra da existência, onde a razão era a iluminadora. Estavam no jardim aqueles amigos da sabedoria, era uma espécie de confraria laica, que unia a razão iluminada pela sabedoria e o amor a humanidade. Segundo B. Farrington:“[...] Na literatura epistolar endereçada às suas comunidades esparsas no oriente, Epicuro parece ser o precursor de São Paulo”. Se todo o bem específico de Epicuro provém do material e sua forma de vida é negar a dor e buscar o prazer, tal prazer, segundo a ética epicurista, seu fim é eliminar a dor, ou seja, são os prazeres naturais e necessários. No entanto, o amor a humanidade em Epicuro, provém apenas de forças humanas, todas as honras a esse remédio que salvará a humanidade, o amor, são para Epicuro, com o seu belo ato de acolher, ricos e pobres, homens e mulheres e até prostitutas que queiram viver tais ideais. Enquanto que nas cartas paulinas às comunidades gregas e romanas, Paulo anuncia corajosamente a fé, esperar naquilo que não se vê. Se para Epicuro, os olhos da alma são iluminados pela sabedoria, para Paulo é a confiança e a espera em Deus. No pensamento de Paulo, como apóstolo de Cristo, está depositado o tesouro do pensamento de Cristo, quando anuncia, “já não sou eu quem vivo, é Cristo que vive em mim” (Galatas 2, 20), sendo assim, não anuncia o amor que brota puramente da razão humana, mas sim o amor que brota do coração de Deus, ele é apenas um depositário deste amor.
Para Paulo, se aqui na terra corremos o risco de ao fazer o bem o homem se depara com o mal. Mesmo assim, ele alerta para as aspirações do Espírito que é vida e paz. O homem regrando a sua vida através deste amor humano, é preciso ofertá-lo a Deus na vida presente que é apenas caminho, para que este não corra o risco de gloriar-se em si mesmo pelo bem praticado, como apresenta Epicuro.
1.2. A memória
O Jardim nos é apresentado como uma espécie de “empresa editorial”, porque as reflexões, o pensamentos e os escritos serviam e ficavam não apenas de posse dos ditos epicuristas, mas tinham a função de espalhar-se chegando a outras pessoas, a fim de levar este conhecimento ao mundo, o tornando como que uma receita, um remédio ou uma sugestão de como se viver melhor.
A idéia de “memória” dentro da filosofia epicurista é bastante difundida através dos comentadores. É evidente que o aspecto da conservação, enquanto preservação ou perpetuamento dos pensamentos é importante e está presente em toda e qualquer filosofia.
Sabemos da grande importância que possuem os escritos e a obras produzidas pelos filósofos. O que seria da filosofia sem os escritos ou registros dos inúmeros pensamentos? È claro que o conceito de filosofia não se restringe a idéia de uma produção ou divulgação do saber. Filosofar é muito mais do que pensar ou escrever, é mergulhar no mar do saber na buscar do conhecer.
No âmbito da filosofia epicurista o comentador (Américo. 1992, p. 63), nos diz que: “noutro sentido a memória é também fundamental no epicurismo: enquanto manutenção da sabedoria conquistada e da liberdade interior obtida”.
É justamente nesta dimensão da libertação do homem que se concentra a filosofia epicurista. “Assim como realmente a medicina em nada beneficia se não liberta dos males do corpo, assim também sucede com a filosofia, se não liberta das paixões da alma” (Américo, 1992. p. 68).
1.3. O conhecimento que liberta
Para alcançarmos a liberdade e chegarmos aos parâmetros de uma vida plena em sua essência, só há um caminho que é o conhecimento. Através dele, o ser humano pode obter um padrão de vida que o possa satisfazer em relação a si mesmo e em relação a sociedade a qual ele faz parte.
Numa compreensão mais ampla, vamos nos deter ao pensamento epicurista que numa perspectiva voltada para o ideal de vida plena nos aponta esse caminho através do “conhecimento que liberta”, Epicuro diz que: “a filosofia é curativa e libertadora”. Ela é produzida pela lógica, física e ética. Lógica e física nos possibilitam chegar a ética, ou seja, a “meta desejada”.
A lógica epicurista diz respeito a determinação de critérios que possam distinguir o falso e o verdadeiro, tornando as nossas opiniões fundamentadas decorrente a cerca de determinado estado de vida; “a vida serena e feliz”.
Essa lógica tem sua origem na percepção das fontes de um determinado conhecimento ou idéia. Epicuro, revela duas fontes que se fundamentam na sensação que é o princípio básico do conhecimento. Uma, é a sensação representativa que produz as imagens fantasiosas e a outra é a sensação efetiva, marcada pelo prazer e a dor.
Outro princípio usado, é o da antecipação ou prenoção, usado para separar o verdadeiro do falso, fazendo com que a mente formule idéias baseadas em sensações passadas.
Como a prenoção dispensa a percepção do objeto, surge aí uma verdade fundamentada na sensação que levará o indivíduo ao transcendental por meio dos sentidos. Porém, esse processo não proporciona chegar as pequenas partículas não visíveis, isto é, o átomo, que segundo o autor “é o fundamento de tudo o que conhecemos”.
A prenoção nos faz chegar ao conhecimento científico que nos possibilita retomar as experiências passadas, através das idéias que a mente nos formula. Com esse conhecimento científico, temos prontas as duas vias que nos introduzem na racionalidade física, que são o tempo e a memória que também conforme o autor “constituem ingredientes imprescindíveis do modo de vida preconizada pelo epicurismo”.
Agora, podemos analisar a origem das coisas que na teoria epicurista baseada na concepção atomista de Leucipo e Demócrito. Epicuro, chega a conclusão de que “nada provém do nada”. Os seres surgiram a partir de uma sistematização e organização lógica que permeia até os nossos dias e vemos esta sistematização através dos agrupamentos de espécies, como vegetais, animais e minerais.
Por fim, chegamos aos dois elementos que constituem o ser humano; o corpo e a alma como afirma Epicuro: “a alma humana é formada por átomos, estes por sua vez podem se degradarem ocasionando a morte, que, segundo Ariano Suassuna, “O Auto da compadecida”, “é o único mal irremediável”. Concernente com essa idéia, Epicuro ensina: “Habitua-te a pensar que a morte nada é para nós, visto que todo mal e todo bem se encontram na sensibilidade: E a morte é a privação da sensibilidade”. (Américo, 1992. p. 72).
Epicuro trata aqui de desmistificar a morte e reduzi-lá a algo natural no desfeche da existência humana que sendo constituído por átomos como os demais seres acarretará inevitavelmente a sua degradação, assim sendo um ser mortal nunca alcançará a imortalidade, pois segundo ele “só a natureza e os deuses são imortais”. Vale ressaltar nesse momento, o caráter materialista do pensamento epicurista, próprio da doutrina dos
<<estóicos[1]>>.
Execrados a condição de mortais, nada nos resta como seres humanos, a não ser o que o próprio Epicuro nos aponta: “[...] viverá como um deus entre os homens e não terá nada de mortal, pois possuirá os bens imortais”. ( Américo.1992. p.73). O conhecimento de fato, nos possibilita, apesar de nossa condição de mortais, adquirir marcas da imortalidade através do pensamento que construímos, além de nos libertar das idéias que tornam a nossa vida num caos de trevas e tormentos próprios da condição de seres mortais.
Dessa forma, os que detém o conhecimento estão num patamar acima desse espaço atribulado de dores, sofrimentos e agrúrias do ser humano. Eles tem a sabedoria e são iluminados por ela, estando assim num espaço comparado ao “jardim das delícias eternas”, lugar reservado aos deuses, assim descrito pela doutrina epicurista segundo a qual: “tamanha felicidade jamais terá fim, distante do nosso atribulado mundo, completamente alheios aos sofrimentos da vida humana”. (Américo, 1992. p. 73 ).
1.4. A vida feliz
Percorrendo os caminhos dos jardins, aqui, nos debruçaremos na temática do prazer, apresentada por Epicuro. Percebendo que, a ética epicurista tem relação com o hedonismo, “corrente filosófica que situa o prazer como soberano bem do homem”[2]. Para Epicuro, o homem para ser feliz deve colocar o prazer como principio e fim de tudo. Percebemos assim, que ao colocar o prazer como fundamento para a vida feliz, ele super valoriza este aspecto em detrimento dos outros, como a vida, o alimento e etc.
O hedonismo epicurista, não dá importância a qualquer tipo de prazer. Ele classifica os prazeres como: em repouso e em movimento, este ultimo logo é descartado, pois a única necessidade deste é saciar e suprir uma necessidade momentânea, enquanto o prazer em repouso, tem como finalidade eliminar a necessidade física, atingir a ausência de toda dor, todo sofrimento. Este prazer que é a meta do epicurista afasta a busca desenfreada pelos bens e luxos, pois é necessário muito pouco para se atingir a felicidade, isto é, a vida feliz. Este prazer buscado é um prazer moderado que possui um limite, não extravasa os limites da razão, e muito menos os limites físicos. Por assim ser, torna capaz ao homem uma imperturbabilidade de espírito, isto é, a “ataraxia”, onde nada pode perturbar a alma.
Ao falar desta tranqüilidade da alma chegamos assim a classificação dos desejos, que se subdividem em três categorias: os naturais e necessários (necessidades físicas como tomar água e se alimentar); os naturais e não necessários (comidas extravagantes e o sexo); os não naturais e não necessários (riqueza, luxo e poder). Destes desejos devemos nos ater apenas aos naturais e necessários, e a eles recorrer com moderação, isto significa, que esta busca deve ser realizada com desprendimento dos bens considerados desnecessários a vida. Percebemos com isso que a ética epicurista afasta os desejos advindos por meio da civilização, do progresso, e porque não dizer na nossa realidade, daqueles provenientes da “Globalização” e do “Capitalismo” , em que o ter é alimentado cada dia mais pelo avanço da tecnologia, que proporciona cada dia mais desejos aos homens insaciados pelo poder e pela paixão, indo de encontro a ética epicurista que consiste no contentamento racional dos desejos. Para agir assim, o homem é dotado da capacidade de escolher, isto é, da liberdade de escolha, e de uma escolha neste caso pelos prazeres necessários e naturais, da anulação da dor física que se dá pelo redirecionamento mental, isto é, pela busca de imagens que auxiliem corpo e alma neste processo. Estas imagens nada mais são do que substituições mentais, representações.
Epicuro também vislumbra a reorientação da vida interior do homem para que ele fuja das situações de dor e possa conduzir a sua existência na busca do prazer. Sabemos que o ser humano por sua própria existência vive uma eterna “batalha” em relação a essa dualidade de sensações, sendo a liberdade esse desvio, ou seja, o caminho dessa reordenação interior.
Os ensinamentos epicuristas são direcionados a relação da dor, que consiste na sabedoria, pois “o homem sábio despreza a dor e a morte. Aprender a bem viver é aprender a melhor gerir seus prazeres [...]”[3]. Esta conquista, segundo Epicuro é adquirida mediante a vivência entre amigos, e amigos da sabedoria, não reunidos na cidade e seus barulhos, mas sim no jardim, onde os amigos se reúnem com um único objetivo, buscar a imperturbabilidade de espírito, onde todos têm vez, mesmo aqueles que são excluídos pela sociedade. Nisto consiste a vida feliz, ser o homem capaz de anular a dor que o perturba e buscar saciar somente os desejos naturais e necessários.
Epicuro apresenta o prazer como fim e princípio de tudo, deste modo percebemos o prazer como centro de onde procede toda paz de espírito, alimento necessário para a felicidade humana. Agostinho no séc. IV, apresenta como princípio e fim de tudo “Deus”, de onde procede todo bem, paz, e tranqüilidade de espírito. Este pensamento é adquirido após a conversão ao cristianismo e o abandono do Maniqueísmo, “Doutrina criada por Manes século III, que se difundiu pelo império romano e pelo Ocidente cristão. Esta, mantém uma visão dualista da realidade, em que se encontram no mundo duas forças, a do bem e a do mal em permanente confronto”[4] .
Agostinho afirma está em Deus toda a felicidade e portanto, todos os prazeres carnais, vícios e paixões devem ser rejeitados e desprezados em nome da verdadeira felicidade. Este desprezo só é possível pelo reto uso da razão, pela prática das virtudes e principalmente pelo auxílio da graça divina que ajuda o homem em tal trajeto.
Quando Agostinho fala do desprezo dos prazeres, ele não está se remetendo aos prazeres provenientes dos desejos naturais e necessários como afirma Epicuro, mas sim do exagero, da desmedida, isto é, do uso indiscriminado da busca de saciar todos os desejos. É do vício que Agostinho fala. Esta aproximação ou afastamento dos prazeres e vícios nos é possível pelo reto uso da liberdade, bem que nos foi dado para que assim fosse-nos possível buscar à Deus livremente, isto é, por nossa própria vontade livre, por nosso livre-arbítrio e o sábio uso dele.
Enquanto a sabedoria para Epicuro é desprezar a dor e a morte, para Agostinho, esta consiste em o homem ser guiado pela razão, pela inteligência, buscando praticar somente o bem, desprezando aquilo que é contrário a sua natureza boa, criada por Deus, isto é, os vícios e as paixões. Esta sabedoria é conquistada pela vivência e pela procura da palavra e do auxilio divino, a graça.
Chegamos assim a conclusão que Agostinho nos apresenta um caminho para felicidade centrado na disposição particular que cada um possui, isto é, na sua capacidade de escolha, pois o homem é capaz de renunciar ou acolher aquilo que lhe é oferecido como prazer. A felicidade, portanto, consiste nesta busca não dos prazeres terrenos e passageiros e sim, nas delícias eternas, não é só fugir da dor, é buscar a Deus e sua pátria, onde tudo será esquecido diante da conquista suprema da liberdade eterna. Esta concepção de felicidade afasta-se da apresentada por Epicuro em que o centro é a imperturbabilidade diante da dor, onde a felicidade se expressa na anulação do sofrimento e da dor.
REFERÊNCIA CONSULTADA:
ÉTICA. Organização Adaulto Novaes. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura, 1992. p. 57 - 85.
AQUINO; DENIZE; OSCAR. História das Sociedades - das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro. Ao livro técnico, 1980. p. 264.
EPICURO. Carta sobre a felicidade (Ameneceu). Edição bilingüe. Tradução de: Álvaro Lorencine e Enzo Del Carratore. Editora Unesp: São Paulo. 1997. p. 21 - 51.
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de: Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus. 1984.
AGOSTINHO, Santo. O livre arbítrio. Tradução organização e introdução de notas de Nair de Assis Oliveira. São Pulo: Paulus. 1995.
JAPIASSÚ, hilton; Marcondes, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1996
________________________________________
[1] Cf. JAPIASSÚ, Hilton.Dicionário Básico de Filosofia.3a .ed.Jorge Zahar. 1996. p. 92
[2] JAPIASSÚ, Hilton.Dicionário Básico de Filosofia.3a .ed.Jorge Zahar. 1996. p. 122
[3] JAPIASSÚ, Hilton..Dicionário Básico de Filosofia.3a .ed.Jorge Zahar. 1996. p. 84
[4]JAPIASSÚ, hilton; Marcondes, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1996. p. 172