Sr. Tempo
Tinha medo daquele senhor a porta, de terno preto, olhando a cada segundo para o relógio como se estivesse sempre atrasado. "Só não dê asas a ele" ela repetia com um tom grave, "Pois ele voa muito rápido, senhor. Ele voa surpreendente rápido. E machuca."
Diz a lenda de que seu nome é Tempo. Muita gente nem reparava ele ali, encostado na porta com um tom de quem precisa pegar um trem a qualquer momento.
"Eu o conheço bem, senhor. Eu o conheço muito bem. Você tem que tomar cuidado, porque se não o Tempo leva tudo seu embora. Já tenho um acordo com ele, de médio prazo." Sempre que indagava a menina sobre esse acordo, não escapavam nenhuma palavra. Antes de partir, aquela menina me deixou um recado debaixo da minha janela. Nele dizia:
"Em hipótese alguma tente faze-lo não levar as coisas pra longe. Em hipótese alguma, senhor. É seu dever levá-las, não o julgue. Apenas descubra seu preço. E então, exija que ele leve as coisas pra um distante ao alcance da vista. Razuavelmente confortável, para que pelo menos consiga vê-los sorrir. Siga meu conselho, senhor. Muitas vezes você não alcança abraçá-os, e então tudo que lhe resta é vê-los sorrindo. Vai por mim, vê-los sorrindo já é coisa grande de mais."
Até hoje me pergunto qual é o preço do Sr. Tempo. Sempre desesperado, apressado... Você mal consegue notá-lo, pois ele não pertence ao presente. Ele não pertence a nada. Tenho pra mim que seu preço é a alma da gente. Dê-me sua alma e então deixo-lhe observar sua vida de longe. Consegue vê-la? Ali de vermelho, sorrindo com outro alguém... É ai que as palavras vêm-me novamente: "Vai por mim, vê-los sorrindo já é coisa grande de mais."