Tolice feita

Muitas vezes ouvi a frase feita não sei por quem: “Só me arrependo do que não fiz”. Isso dito ante um auditório descuidado, idiota, parece filosófico, profundo; acaba recebendo aplausos.

Tenho certa reserva às frases feitas, uma vez que ouso cometer minhas próprias tolices; afinal, aplausos não me deslumbram, nem vaias assustam.

Segundo um texto bíblico, “O ouvido prova as palavras como o paladar prova os alimentos”. Essa é uma “frase feita” que respeito; pois, passou pelo crivo do tempo, além de pretender ser de Inspiração Divina.

Todavia, mesmo nas verdades espirituais me permito algumas paráfrases, de modo que nem sempre cito ao pé da letra. Pois, o teor é o que conta, não o rigor textual.

Voltando; todo ser humano com um mínimo de honestidade para consigo mesmo vai descobrir razões para se arrepender de algo feito. Eu tenho razões à beça.

Ademais, muitas coisas que não fiz, e poderia afirmar agora que causam arrependimento podem ser ilusórias. Pois, é mera especulação julgar com a lupa de hoje, possibilidades pretéritas em que as circunstâncias eram outras.

Quem garante que a maturidade e perspicácia de hoje não são frutos dos feitos e não feitos, que, moldaram ao ser?

Claro que, sendo a alma eterna e volátil, todos visitamos passado e futuro; aquele, nas asas da saudade; e essa, nas da esperança; mas, para efeito prático o que conta é o atual.

Aliás, acostumamos com o nome como um referencial mero, de tempo; mas, “atual” refere-se originalmente a estar sendo moldado em atos, acontecendo presentemente, atuando.

Esses atos, também são escolhidos por censores morais e espirituais segundo a formação de cada um. O que “se arrepende” do que não fez apenas, por suposto, faz quase tudo o que dá na telha alheio às consequências...

Confesso que, mesmo conhecendo alguns malucos, desconheço um que seja cabalmente assim; se, houver duvido que não seja tolhido em sua liberdade ou reputado, louco.

O simples sermos racionais já nos faz consequentes; daí pesamos prós e contras antes de tudo. O homem ponderado antes de agir, como que, pede desculpas a si mesmo quando conclui que certos passos, se, dados, seriam maus; e raramente precisa fazê-lo, a terceiros.

Então, faz tempo que dei uma revisada na prateleira das frases feitas. Além de, nem sempre serem sábias, se tornam estímulos à preguiça mental. A TV, aliás, faz isso muito bem; enfeitiça aos olhos e atrofia ao cérebro.

Claro que há muitas frases insuperáveis, perfeitas! E dessas, com prazer lanço mão; mas, se ela não me reflete, ao meu pensar, digo; desqualifico a esse espelho.

“Ontem eu estava tão bêbado que parei frente a um espelho e não me reconheci… mas, logo concluí logicamente que aquele espelho não era o meu.” Arthur Guttierrez