Tempestade

Faz frio. A chuva fina que envolve o corpo como uma malha, disputa com as lágrimas por um espaço no rosto, os olhos cinzas e sem vida miram o horizonte, olham mas não vêem e os passos debilitados se sucedem guiando para um destino incerto.

A brisa gelada, suave, singela que delicadamente beijava o rosto agora passa a morder com violência e estupidez, com a fúria de uma besta faminta e insana a fina malha de chuva, agora na forma de ásperas chicotadas, agride sem piedade o frágil corpo.

Passo a passo, segue-se em uma jornada sem destino, passando por sobre os reflexos deformados nas sujas poças existentes no caminho, acompanhado pela sinfonia urbana das sirenes, dos motores dos carros dos gritos desesperados da noite.

E os céus se enfurecem, ouve-se o grito do Trovão, como o rugido de um leão, como um rei exigindo respeito, a Chuva cai como agulhas afiadas, com o peso de marretas do forjador armeiro, o Vento corre sem direção arrebatando tudo que encontra no caminho e o Relâmpago se joga ferozmente ferindo profundamente a terra, quebrando o ébano da noite. Sim. É uma terrível Tempestade.

Os passos fúnebres prosseguem, ignorando tudo que acontece a volta, tentando desesperadamente expulsar seus fantasmas a cada segundo da caminhada. A impotente Tempestade acalma-se, mas por dentro o vento, o Trovão e a Chuva continuam a castigar e o Relâmpago arranca cada vez mais os mortos de seus túmulos, A Fúria cativa e acorrentada tenta romper os grilhões e a criatura torna-se mais uma vez vitima e agressor, presa e predador, escravo e senhor. Os passos continuam, a Tempestade nunca vai embora, o dia nunca nasce, o grito continua mudo, agudo, seco, expresso apenas passo a passo, nos olhos cinzas e vazios em uma noite sem fim.

18/12/2005 05:32