Vivendo nela
Era uma vez um homem, não, um menino que se julgava muito sabido das coisas e senhor de uma linha de pensamento que beirava a perfeição, estudado nas artes do conhecimento de gente e do que a gente deveria pensar. Achava que sabia do amor, como se portar, como amar, achava que o amor ideal é aquele cheio de consciência e racionalidade. Tudo teoria de livro.
Aí ele conheceu, mais uma vez, uma menina, não, uma mulher que já conhecia a muito tempo, mulher esta que sempre foi em sua cabeça racional e fria, um ponto fraco para suas teorias de casal e relacionamento perfeito, mas a presença dela nunca ameaçou muito, sempre foi uma figura distante do coração de pedra do menino, em sua cabecinha teórica era mais fácil ele passar dezessete dias em Cancun do que um único beijo nela.
Pois é, mas a viagem pra Cancun não chegou e o beijo sim. Mais que o beijo, o sentimento, a ligação, a entrega. Então sem nem perceber o menino, antes racional e completamente indisposto a sacrifícios por pessoas amadas, pois, segundo seus livros, isso não era necessário, dedicou a ela um olho. Um dos olhos apenas para uma mulher, o outro se viraria com o resto do mundo.
Sem perceber também, sua mente foi roubada das coisas do mundo onde vivia e sua atenção virou-se pra ela, agora ele andava, corria, na contramão de todos os ensinamentos recebidos e dados a aqueles que o procuravam com crises de amor... bobos, se não sabiam amar, pediam conselhos de quem sabia ainda menos.
Abandonou completamente o passado, surpreende-se todos os dias com as coisas que esta disposto a fazer por amá-la tanto, sim, deixou até de negar isso. Prometera a si que nunca iria ouvir da própria boca que esta amando, esta apaixonado e não cumpriu a promessa.
Outro dia, por pura vontade, meteu a mão no peito o mais fundo que pode até segurar o coração, puxou com força e o tirou de dentro de si, colocou nela, num espacinho apertado entre seu coração e o pulmão, deixou lá, batendo devagar quando tinha um espaço. Aquele coração já não devia mais bater em seu corpo, ele já não batia para bombear o sangue, batia por ela e nada mais justo que ela o carregasse.
Hoje ele é possuidor de um corpo sem coração que nunca esteve tão bem, o sangue corre sozinho e ele ouve todos os dias, seu coração batendo ao lado do dela, ao ritmo do dela, mesmo de tão longe. Seu outro olho já começa a virar-se pra ela também, enfeitiçado por sua beleza não consegue ver mais nada no mundo que não seja ela, os ouvidos que tentem suprir a falta da visão atenta as outras coisas da vida, porem, o que ele não sabe, é que eles também agora só querem ouvi-la.
O menino está se desmontando, tentando se tornar um homem, tentando melhorar por ela, está feliz, como nunca antes esteve na vida, uma felicidade que acreditou que existia apenas em filmes românticos e novelas, mas agora sabe que é coisa real, possível.
Mas ele não tira seus pedaços e entrega a ela por carência ou por tentar mantê-la presa a ele, não, sabe que não se pode fazer isso com ela, espíritos livres são espíritos livres. Ele o faz porque descobriu que este é seu jeito de amar, tirar o coração do peito não para por em um baú, tal qual Davy Jones, mas para dar a ela, entregar a chave dele a ela sem pedir o dela em troca, ele se dá a ela, porque se não fizesse, não seria ele.