Caindo pra cima
Durante muito tempo estive a beira do penhasco avaliando riscos, vi amigos descerem por ele de forma cautelosa, amarrados, seguros da volta pra cima. Eu sabia que não teria corda pra voltar e, por isso, deveria pensar cada aspecto da queda.
Não via o fundo do abismo, o chão estava alem das nuvens e em momento algum pude avistar sequer um pedaço dele, mesmo assim me mantive lá, olhando, esperando o momento certo de desistir ou pular, havia muita coisa em jogo, coisas que eu tinha arriscado para chegar até ali, até a beirada.
O vento sempre soprou, hora a favor, hora contra, mas sempre foi uma presença constante na minha reflexão, mas dessa vez ele veio diferente, o vento não simplesmente assou pelo meu corpo, ele tocou. Era uma mão, mão de carinho, mão que tocava e percorria meu rosto para senti-lo, bochecha, boca...
Passou por mim da forma que desejei que passasse, mas também fez surpresa, confesso, me deixou assustado e desviei a atenção apenas para ela, sentir onde aquela brisa passaria, foi uma das melhores sensações que senti.
Involuntariamente meus pés deram um pequeno passo a frente, estava totalmente na beira, as pedras já rolavam para o infinito lá embaixo.
O abismo, uma linda mulher, pareceu me chamar para o fundo mas eu ainda não estava decidido a cair. Fui pego pelas mãos, por ali começou meu envolvimento e minha rendição, mãos com mãos, minhas e mãos do vento estavam unidas na temperatura, no clima ideal.
Abri os braços, dei impulso e pulei.
Olhos bem abertos para ver a aproximação das nuvens, me perdi de tudo, dos amigos, do paredão que queria manter como referencia, do céu que deixei pra trás durante o salto, não sabia se caia ou se voava, não interessava, eu estava no abismo.
Ainda estou caindo (ou voando), não sei como será minha aterrissagem mas espero que seja como foi minha queda, praticamente empurrado pelas mãos gentis dela, mulher de olhos grandes, expressivos até mesmo fechados, que me jogou para o abismo dentro de si e eu caio, de bom grado, eu caio.