Filosofia: Criança X Infância

Este ser, cujo denominamos de "criança", sempre existiu, desde a

existência humana; ela está situada nas fases da vida humana: bebê,

CRIANÇA, adolescência, juventude, adulto e velhice. Tal como também sempre

existiu a preocupação com a educação desses seres, porém até o século XVII,

observáveis como "miniaturas" dos seres adultos, o que

diferenciava as crianças dos adultos era a cidadania, que pelo seu

intelecto ainda não apto para exercê-la, tornavam-nas exclusas do

conceito de cidadão.

Embora ainda não cidadãos plenos, ou se posso dizer,

nem consideráveis cidadãos eram, a educação das crianças era a nível

adulto, a fim de que este ser tão logo venha a tornar-se um cidadão. Tal

como não se podia abster nesta forma de educação antiga, o contato com o

ambiente da sexualidade; a ausência de pudor e reserva moral

práticas de obscenidade na frente das crianças etc, não eram

ridicularizadas no senso comum, eram ações costumeiras da época; fato

que na atualidade causaria um sentimento de inescrupulosidade,

indecência, ou até mesmo monstruosidade.

Este estranhamento no comportamento antigo, sentimento horrendo

dessas práticas habituais ocorridas com as crianças surgiu a partir do

século XVII com a revolução iluminista, incorporando nas crianças uma

nova concepção, a infância. Desde então, a criança deixou de ser vista

como uma miniatura de adulto, para uma visão mais ampla e totalmente

divergente, a de que a criança era um ser diferente do adulto, não

somente no seu porte físico, mas também na realidade em que está

inserida no mundo. Uma outra mudança apreendida foi na obtenção dos

direitos de cidadão que elas passaram a ter; uma pessoa que não se

governava e estava sob o governo de outrem, não poderia ser considerado

cidadão, uma vez que um cidadão propriamente dito, na concepção antiga,

era aquele que estava apenas sob o governo das leis (polis).

A concepção de "infância", outrora já tomando aqui um sentido

moderno da palavra, acarreta mudanças no tratamento das crianças; ao

perceberem que este ser não estaria preparado para se inserir na

vida adulta, adotam medidas de preservação, se assim posso dizer, desta

fase "ingênua". Ora, se a criança era diferente dos adultos, havia de se

encontrar um respectivo local para que essa educação pudesse vir a ser

transmitida de modo a não ser corrompida pelas habitualidades do seu

convívio social; deixando esta tarefa para os pais, já que agora as

crianças tornaram-se seres "frágeis", acarretaria um desvio educacional

no tratamento dado a elas, desvio este, que por um exagero de cuidados

geraria a paparicação dessas crianças.

Por conta desta, muito provável, paparicação que a tarefa de educar

havia de ser entregue a pessoas especializadas, preparadas, para tal, ou

seja, educadores e professores. A escola seria este local de

"preservação" da infância, ainda mais do que ensinar conteúdos

didáticos; com toda esta moderna corrente intelectual, não somente o

tratamento mudaria, mas também a estrutura arquitetônica das escolas,

tornando-a mais receptível.

Com essa concepção de infância surgem duas vertentes, ideologias que

estarão presentes no pensamento social até os dias atuais:

Na primeira, vertente iluminista, a infância do século XVII,

é apreendida como uma fase negativa, o que não significa que não deveria

ocorrer, entretanto, deveria ter uma curta duração na vida dos homens. A

criança aqui, teria suas ações movidas sempre emocionalmente, logo, se

fazia necessário regrar suas ações para que tão logo ela passe a agir de

um modo racional; receberiam essas regras exteriores através dos

adultos. A escola era o ambiente que formaria esta mente racional, o

professor, neste caso, era um disciplinador ao modo tradicional.

Esta visão filosófica tipicamente iluminista, baseada na filosofia educacional

de René Descartes (1596-1650);, afirma que o erro está na imaginação,

nas sensações e, principalmente, na preponderância da vontade sobre o

entendimento das regras, demonstrada nos atos de rebeldia; atos estes, que

os homens somente o fazem porque ainda não conseguiram se desprender das

características que cabem exclusivamente às crianças.

Podemos observar este modelo educacional cartesiano numa gravura da

época: sistema de "Escola Gratuita de Gramática de Louth" (1554); cujo

na imagem, em cima da figura do professor, há a seguinte frase "Quem

poupa a vara, odeia a criança". Na gravura, mostra um professor com uma

criança de bruços em seu colo e o mesmo aplicando-lhe uma lição física,

ou seja, um ato de punição corporal com palmadas. Tal representação

artística atualmente, jamais poderia servir de propaganda nas unidades

de ensino.

O sistema da "Escola Gratuita de Gramática de Louth" explicita o

método disciplinar do professor impondo aos seus alunos uma punição

física; esta punição tem o objetivo de disciplinar a vontade infantil a

fim de que seus desejos sejam ponderados, fazendo assim, a criança agir

racionalmente. Para que o entendimento possa fazer julgamentos com

clareza e distinção é necessário dominar os desejos e racionalizar as

vontades, deste modo, é possível, a partir do conhecimento verdadeiro,

fazer "perfeitos" julgamentos a cerca do que é falso ou verdadeiro. A

verdade é encontrada na harmonia entre a "vontade racional e o

entendimento.

Na outra vertente, esta sendo romântica, a infância é apreendida

como uma fase positiva, que não somente deve acontecer, mas também ser

estendida a fim de que isso reflita por toda vida da pessoa. Se na

primeira vertente, a disciplina deveria ocorrer de fora para dentro, a

partir de regras externas com intuito de internalizá-las na criança;

já neste olhar roussealniano, ocorre o contrário, a disciplina deve

acontecer autonomamente de dentro para fora, uma vez que esta fase é

permeada de pureza e criatividade. O professor aqui, não é mais um

"ditador", mas sim um companheiro de viagem e a escola um ambiente que

propiciará a criança as melhores experiências.

Para Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),, diferentemente de

Descartes, acredita que "a busca da Verdade, antes de passar pela razão,

depende de instâncias morais". Se na concepção cartesiana havia o

entendimento objetivo a cerca do "falso e verdadeiro", no rousseauanismo

apresentará uma subjetividade que colocará o entendimento além do

"falso", mas também a cerca da "mentira". Ainda para Rousseau, a

natureza humana é boa e "a criança é o ser ainda não maculado pela

cultura", logo, o ser mais puro, mais íntimo da natureza, então, o mais

propício de encontrar a Verdade; já que para o rousseaunismo, a criança

não mente.

Por conta disso é que a infância é algo que deva permanecer no

íntimo da pessoa, mesmo esta sendo adulta, para que sua "ingenuidade",

sua bondade, para que sua razão seja o menos contaminada possível pelos

preceitos maus existentes nos adultos e na cultura social.

Também através de uma gravura desta época, podemos observar esta

relação bem próxima entre o aluno e o professor; o quadro intitulado

"Professora Republicana" apresenta uma criança muito jovem,

aparentemente, no colo da professora, que contém traços de mão e de moça

sensual; "cabelos levemente desalinhados, brinco exposto e uma claridade

sobre o pescoço que força nosso olhar para os seios. Os seios, por sua

vez, através do jogo de luz e sombra do quadro, ganham relevo". Não é

uma moça comum, nem uma mãe comum, lembra muitas vezes, o quadro da

virgem Maria com o menino Jesus. Isso santifica a relação entre o menino

e a professora, a relação é prazerosa, mas antes de tudo é pura, pois há

pureza no coração de ambos.

Ao contrário do sinete, o aprendizado neste caso, não é imposto, mas

algo que é compartilhado.

"Em termos genéricos, é possível afirmar que a primeira configuração possui sua gênese no século dezessete, a segunda, no século dezoito. Todavia, ambas formaram

a mentalidade de quase todos nos séculos seguintes; ou melhor, fazem parte da mentalidade das pessoas que receberam algum tipo de contato com educação

ocidental;

pais, educadores e boa parte da população do Ocidente enxergam a infância mais ou menos a partir dessas configurações – elas são o nosso senso comum sobre nossa

infância."

Maximiniano J. M. da Silva - quarta, 08 de Dezembro de 2010