A Casa ao Lado
Aquela, que todos querem saber por que está tão fechada se não está vazia.
Aquela, abraçada por arbustos.
Alta, cinza e que esconde um segredo que já mostrei a todo mundo.
Se olhar pelo buraco da fechadura da porta da frente, dá pra ver as horas, pois tem um daqueles relógios enormes e antigos com seus números romanos bem em frente.
Mas de repente, numa manhã dessas, os portões se abriram pra mim.
E fazia tanto tempo que eu queria entrar nessa casa.
Sempre sonhei em surpreender alguém saindo de baixo de sua cama.
Gosto desses lugares escondidos.
E se parar pra pensar... Sendo o céu a cama, aquela casa é sua parte de baixo.
Será que, se deus existe, é ali que esconde os pecados?!
Eu sempre quis saber muito mais do que as horas nessa casa.
Do que passar na frente, do que sentar nos degraus pra fumar um cigarro e ficar pensando quem está lá dentro e o que está fazendo detrás das cortinas de renda branca no segundo andar.
E sempre que eu pensava “A janela da minha cozinha dá para o teto da casa... Quem sabe se eu pular...” Sempre apareciam cães enormes e furiosos no fundo do pátio.
Rapidamente eu desistia.
Mas... Eu entrei na casa.
Sem hesitar sujei de barro a escadaria de mármore e penetrei seus corredores.
Rondando a sala e os quartos meus cabelos oleosos penetravam nos espelhos.
Cujas molduras de ouro refletiam o que jamais tinha visto expressado em mim, admiração.
Olhando cada detalhe da cozinha, meu nariz agressivo assustava a prataria.
Todas as coisas antigas, algumas nem reconheci, mas todas brilhando por si só.
A casa que antes parecia dos horrores, agora era a casa da beleza.
E da minha vontade de estar dentro dela.
Para sempre admirada pela primeira vez.
Armaduras e frutas pelos quartos.
E ao invés de livros, conexões cerebrais mobiliavam a biblioteca.
Enquanto o mofo suava úmido do lado de fora, por dentro a temperatura era a de uma dessas primaveras, quando a gente se apaixona.
E tudo, inclusive os retratos
Derramavam cores que nunca haviam sido pintadas.
Flores ainda não descobertas enfeitavam cada mesa de centro.
E a luz da rua que não entrava, desejava tal esconderijo do lado de fora.
Assim como eu.
Alguém chegaria.
Tinha de sair de lá.
Corri até a saída e percorri novamente, com meus sapatos sujos e rasgados, a escadaria de chocolate albino.
Teria de voltar à rua e me deparar com as casas simples e expostas.
Com seus moradores de verdades cruas.
E suas situações sendo arrastadas pelas calçadas dentro de sacolas plásticas de mercado.
Saí de lá, voltei a mim mesma.
Estava saindo de baixo da cama, mas desta vez para me guardar no armário que é a vida fora do sonho.
Fico pensando... Era lindo, e dado à situação, confuso.
Por que tanta beleza e prazer tinham de ser deixados de lado?
Ficariam pregados ao lado da minha casa.
Fechado a sete chaves diante dos meus olhos, me provocando.
Como todos os pecados.