Holocausto Nunca Mais (PsychCity) ROTEIRO DE CINEMA (III)

132. INTERIOR. DIA. QUARTO DE HOTEL

(Após uma noite “quente”, o casal serve-se do café da manhã.)

ROSSI busca saber o que está por trás do interesse deles pelos subterrâneos da Serra do Roncador. ANIBAL NORTON é muito determinado para ser apenas um aventureiro em busca de emoções tropicais.

ADRIANE — Certamente seu grupo não tem a performance de malucos em busca do tesouro dos incas.

ROSSI — Diz o folclore que os sacerdotes incas mantinham contato com a tribo subterrânea dos “muito antigos”. E os 110 lhamas carregados de ouro inca sumiram, como por milagre da vista dos olheiros de Cortez. Em 12/09/63, nas encostas orientais dos Andes, a 2400 metros, foram encontrados corpos embalsamados na cidade de Gran Pajaten.

ADRIANE — As ossadas revelaram vestígios de Entidades Biológicas Extraterrenas. “EBEs”. Eu também li uma cópia do “Arquivo Jângal”.

133. INTERIOR. NOITE. RESTAURANTE DO HOTEL

HERMANN — (falando em iídiche) — Os impasses foram logo resolvidos?

VASSARI — (em iídiche) — NORTON é um negociador nato. Esses caciques, como passarinhos, vão comer alpiste na mão dele.

HERMANN — Com verdinhas, você quer dizer. Eles vão conseguir tirar mais vedinhas das mãos dele. Com grana tudo se resolve. De avião ou helicóptero, ele vai reunir os caciques. Buscar cada um em sua aldeia.

VASSARI — Toda aldeia tem uma pista de pouso bem-conservada. As tribos não permitem a entrada de ninguém no Xingu sem acompanhamento. NORTON tem sempre uma “eureca” sobrando.

HERMANN — E quatro ases “emboscados” na manga.

VASSARI — Você não quer dizer que o cara não tem caráter...

HERMANN — O que eu quero dizer é que é sempre um erro agir fora de seu próprio padrão.

VASSARI — De caráter.

HERMANN — Ou falta dele.

134. EXTERIOR. NOITE. CLAREIRA NA SELVA

(Numa clareira aberta na selva um Xamã dança e canta num ritual solitário.)

135. EXTERIOR. DIA SOLAR. HELICÓPTERO SOBREVOA A LAGOA DO BURITI NO ALTO XINGU. POSTO LEONARDO

(NORTON olha para baixo. Vê o grande pântano de águas cristalinas, cheias de palmeiras buritis e peixes, dos quais se destaca o tucunaré. A vegetação do fundo do lago (pântano) se revela claramente, como se não houvesse água na superfície. O calor levou alguns membros da tribo kuicuros a banharem-se nas águas.)

YURUQUA — (dirigindo-se a NORTON) — Há índios kalapalos armados com carabinas e espingardas. Eles querem pagamento igual ao pago aos kuikuros por terem entrado no Xingu.

(Enquanto o helicóptero desce YURUQUA aponta um barco próximo à margem da lagoa, onde estariam índios com revólveres calibre 38 nos coldres cheios de balas.)

YURUQUA — A situação é grave. Vai haver conflito. ARARAPAN, chefe do Posto Leonardo, comanda os índios nos barcos que fechavam as saídas ao longo do rio, enquanto outros grupos, também armados, haviam ocupado a fazenda Sayonara.

NORTON — O pessoal da Expedição vai descer de barco...

YURUQUA — Trechos dos rios Buriti, Culuene e Curisevo estão vigiados por índios bem armados. ARARAPAN quer reunir todos os caciques com NORTON no Posto Leonardo. Avião virá com caciques para resolver conflitos de interesses.

136. ENTARDECER. ALDEIA KUICURO. ALTO XINGU

(No Posto Leonardo NORTON olha um monomotor aproximar-se da pista de pouso.)

YURUQUA — (falando com NORTON) — ARITANA pode resolver todos esses problemas.

(O avião pousa. A porta do monomotor abre e o primeiro a sair é JACALO. Ele está nu e pintado com tintura vermelha de urucu.)

JACALO — (aflito, dirige-se ao grupo à margem do rio) — Muita confusão. Muito problema. (O índio monta numa bicicleta, e começa a pedalar muito depressa, seguido pelos demais índios CONCA, TUNICO, MURICY, BATISTA e NEYMAR.)

MURICY — Vocês não têm que pensar nada. Vamos sair daqui imediatamente. Entrar no avião. Sem mais opiniões.

NEYMAR — O contrato está desfeito. Kalapalos não de acordo com Expedição. Assembléia não mais acontecer.

(Ao chegarem ao agrupamento MUNHOZ E RENÊ vêm ao encontro deles. Após rápida troca de palavras, acenam para ARARAPAN.)

ARARAPAN — (armado e muito agitado atrai a atenção dos outros índios que começam a caminhar rápido em direção ao avião) — Estou cumprindo ordens. Vou levar todo mundo de volta.

O PILOTO do monomotor, prevendo um sequestro, começa a taxiar. Índios surgem de todos os lados e seguram as asas do avião, alguns sobem nelas, impedindo o piloto de fazer a aeronave alçar voo.

137. ENTARDECER. ALDEIA KUICURO. ALTO XINGU

IURUQUÁ — (para NORTON) — Acerte as coisas com ARITANA. O convite dos kuicuros e a autorização da Funai vão manter a Assembleia valendo e resolver esse mal-entendido.

NORTON — (manipula o iPad) — IANACOLA está vindo de Brasília. A Assembleia está valendo para amanhã à noite.

IURUQUÁ — (otimista) — Para tudo tem solução. Só não para a morte. A Expedição vai descer o rio de barco. Depois de amanhã estará aqui. Em tempo de assistir ao ensaio do Kuarup na aldeia dos kuicuros.

NORTON — (para IURUQUÁ) — Autorize o PILOTO a distribuir as bagatelas e os alimentos para os nativos.

IURUQUÁ — (falando aos nativos das nações aueti, iaualapití, mehinaco e trumaí) — Barco vai vir com muitos presentes. E alimentos para todos. Vai haver fartura quando a Expedição chegar. Só mais um dia.

(A promessa de presentes parece ter acalmado a inquietação de grande parte dos índios. Assim como os contatos de NORTON com a burucracia da Funai em Brasília.)

138. EXTERIOR. NOITE. CLAREIRA NA SELVA

(ADRIANE E ROSSI mantêm certa distância de HERMANN E VASSARI. Eles estão num lugar onde vai haver um ritual de xamanismo. O casal de jornalistas e os homens de NORTON não conseguem se enturmar.)

ADRIANE (olhando à distância para eles) — Se tudo se resolver amanhã estaremos chegando ao Posto Leonardo pelo rio Tuatuari.

ROSSI (espreitando-os de longe) — A grana deve está atuando.

TACUMÃ (cacique kalapalo, apontando o dedo, ora em direção ao casal, ora em direção aos homens de NORTON) — Vocês não deviam ter vindo até aqui. EKEWAKA dizer não boa presença de vocês. Vocês têm que ir embora e deixar tudo que trouxeram: motor, roupas, relógios, gasolina, barco. Carro. Tudo... (ele falava em dialeto.)

KOTOK (filho de TACUMÃ chefe dos kamaiurás aproxima-se, conciliador) — Tudo vai se resolver. Ônibus sair de Brasília para Canarana com pessoal que vai apaziguar tudo. Essa Expedição tem boas intenções. Documento da Funai logo vai chegar. Presença de Expedição no Parque está consentida.

TUCUMÃ (ameaçador) — Se não deixarem todos os pertences serão despidos e surrados de borduna. (KOTOK dirigiu-se ao pai que incitava dezenas de índios à agressão. Falou com ele de modo a convencê-lo de que ganhariam muito mais se esperassem a chegada do ônibus de Brasília.)

ROSSI — Essa hostilidade só pode ser contida com muita grana rolando. A política dos índios não difere da política dos brancos de Brasília.

ADRIANE — (vendo que a pressão diminuíra) — O poder de barganha do filho do cacique parece ter funcionado. Pelo menos até amanhã.

ROSSI — (irônico) — NORTON deve estar mexendo os pauzinhos. Verdinhas, tipo Benjamin Franklin (fazendo alusão às notas de cem dólares.)

139. EXTERIOR. ENTARDECER. TRAJETO DE LANCHA ATÉ PORTO LEONARDO

(HERMANN BREED mostra uma habilidade incomum na direção de proa do barco. A paisagem, em todas as direções revela-se de uma beleza selvagem, dinâmica, impressionante.)

ADRIANE olha extasiada para o fundo das águas por sobre as quais a lancha avança. A limpidez delas permite a visualização de exemplares da flora e da fauna desse fantástico labirinto fluvial selvático e pantanoso.

Após percorrer paisagens de uma beleza inusitada, a lancha aproxima-se veloz do píer de Porto Leonardo. Atraca. Nativos aproximam-se curiosos em busca ávida de presentes.

ADRIANE (para ROSSI) — NORTON abriu a porta do cofre. E do Parque. A força do “Arquivo Jângal” de VOLTAIRE está aqui. Faz parte da Expedição.

ROSSI (gesticulando braços e mãos para os lados) — O que há de ficção e de realidade nesse texto poderemos comprovar em pouco tempo. É para isso que estamos aqui. A cidade subterrânea existe mesmo? Ou os mistérios do Xingu são apenas folclore? — Ele visualiza na parte posterior da mochila de ADRIANE a ilustração de capa do livro HOLOCAUSTO NUNCA MAIS (PsychCity) que se faz presente por sob a tela transparente que cobre o nicho externo da mochila.

(Ele ouve nitidamente uma voz que segreda, como se articulada somente para seus ouvidos: “Você não teria a quem dizer estar a fazer parte do grupo terminal do último casal habitante da Terra.”)

(ROSSI olha para os lados, para cima, para baixo, como se buscando o lugar de onde pudesse identificar ter vindo a estranha mensagem auditiva.)

140. EXTERIOR. DIA. TRILHAS NA SELVA

A câmera focaliza a trajetória da Expedição NORTON em seus caminhos selva Amazônica adentro. A progressão dos personagens rumo ao objetivo de achar a entrada desconhecida para a cidade subterrânea dos Anciãos lemurianos.

A ação dramática do grupo, a interioridade das personagens, é mostrada através da câmera subjetiva (CS) em contraponto com efeitos de fusão e flash-backs, que visam avivar a relação mágica das cenas que enfatizam a caminhada dos membros da Expedição através do ambiente, por vezes hostil, da selva, com o objetivo de exteriorizar suas expectativas.

As imagens mágicas da dança solitária do xamã EKEWAKA, presenciada por ADRIANE e NORTON nas proximidades do Posto Leonardo, se misturam à subjetividade excitada dos mesmos, estimulados pelo contato próximo com os ruídos, os sons, as metáforas plásticas e telúricas do vento nas árvores, rugidos das onças, o vôo das aves . A lascívia estimulante do ambiente selvagem.

141. EXTERIOR. ANOITECER. ACAMPAMENTO NA SELVA AMAZÔNICA

As mochilas descem dos troncos. Arranjos estão sendo feitos. Rapidamente o acampamento é montado. HERMANN e VASSARI armam armadilhas em volta. Uma fogueira arde escavada sob a superfície. ADRIANE E ROSSI estão ao lado nas tendas improvisadas. NORTON espia os arredores do “camping”.

142. EXTERIOR. NOITE. ACAMPAMENTO NA SELVA AMAZÔNICA

ADRIANE TAUIL — Percebe? Há uma energia estranha permeando esse lugar.

ROSSI — Cansaço, tensão, ansiedade, devem ser a causa dessa sensação. Realmente estranha. Não se permita acalentar por ela.

ADRIANE — No hotel você falava da necrópole no sítio arqueológico em Gran Pajaten... (Ela vê um menino que lhe parece enorme entre a folhagem na mata.)

ROSSI — 32 hectares com 18 edificações decoradas com imagens de seres, animais e vegetais incomuns. A 2.400 metros. Quem conduziu todos aqueles blocos de pedras a essa altitude? Com que finalidade?

(A conversa do casal de jornalistas de quando em vez se esquiva em direção aos arredores. A atenção dirigida, subitamente, a ruídos apressados na mata em volta.)

143. EXTERIOR. NOITE. PATAS SE AGITAM EM DIREÇÃO DO ACAMPAMENTO

(A câmera capta imagens rápidas de vegetação sendo pisoteada pelo tropear de animais raivosos. Os sons ofegantes, saídos de gargantas e bocas ansiosas. Não são exatamente nem bramidos, nem uivos nem latidos, emitidos por animais raivosos que, rapidamente parecem dirigirem-se ao local onde a Expedição está acampada.)

144. EXTERIOR. NOITE. CLAREIRA. PROXIMIDADE DAS TENDAS

ROSSI — (aquietando-a) — É normal. Roedores, predadores noturnos de pequeno porte.

ADRIANE — (com certa apreensão) — Sei! Não poucos PhDs em arqueologia afirmaram a nítida presença de uma cultura de “EBEs” de “gigantes” nesses locais.

ROSSI — No sítio de Chachapoyas, a 2990 metros acima do nível do mar, foram encontradas entradas subterrâneas. Longas escadarias. Acredita-se que ninguém nunca desceu até seus últimos degraus.

ROSSI — (após deter algum tempo a narrativa, ele olha fixo, e atônito, um lugar na selva) — A escada de pedra encontrada quando se deslocou uma laje tumular. Os restos mortais confirmam a existência fóssil de seres com uma anatomia “EBE”.

ADRIANE — As lendas e o folclore do mundo antigo, desde o Gênesis, mencionam gigantes. Um adolescente nativo falou comigo da pajelança solitária do nativo EKEWAKA do Hawaí: saúda o novo nascimento do bem-aventurado menino guardião.

(Cenas em flash-back mostram o corpo do pajé EKEWAKA aos olhos de ADRIANE fundindo-se ao corpo do menino que ela visualizou na selva.)

145. EXTERIOR. NOITE. LUA CHEIA. CLAREIRA NA SELVA

(Em PG a Câmera Objetiva focaliza o acampamento aproximando-se gradativamente num longo movimento de Zomm Aproximação —Zoom-In— do casal de jornalistas. A cena passa ao espectador a impressão de que aquelas feras há pouco visualizadas, estão chegando próximas às tendas armadas pelos membros da Expedição Norton. Em “flashs” muito rápidos focalizam-se a baba pingando de suas bocas ofegantes, as enormes línguas saindo das gargantas e ouve-se uma espécie de uivo apenas contido pela velocidade de seus corpos peludos e arfantes.)

146. EXTERIOR. NOITE. FOGO CREPITANDO NA CLAREIRA, PRÓXIMO ÀS TENDAS

ROSSI — A insânia dos colonizadores católicos europeus destruiu os registros gravados em tábuas de barro, das gravações em pedra dos Anciões das culturas de Tiahauanaco nos Andes, os registros incas de Machu Picchu, Cusco, dos megalitos no México, das necrópoles nas Américas.

ROSSI — Os túneis na África, as 32 cavernas de Ajanta na India, dez séculos antes do nascimento de Miguelângelo e Leonardo da Vince, os artistas plásticos “Anciãos” já reproduziam os efeitos plásticos, o realismo das pinturas, a expressão emotiva, os sentimentos impressos nos rostos, a ingenuidade, o erotismo, a expressividade plástica característica dos pintores renascentistas: a perspectiva, a profundidade de campo.

ADRIANE — (afirmativa) — Os grandes arquitetos gregos e romanos, construtores de templos na idade média, todos aprenderam com a arquitetura dessas cavernas com tetos abobadados, afrescos e esculturas nas paredes. Algumas delas remontam séculos antes de Cristo. As Viharas, ou monastérios, construídos a. C., esculpidos na rocha de Ajanta, tinham em seus quartos, camas com almofadas talhadas na pedra nas quais os monges Anciãos descansavam suas cabeças...

ROSSI — Basta acessar o Google, digitar os nomes do doutor Thomas Lennon e de sua assessora Jane Wheele, arqueólogos a serviço da Universidade do Colorado...

147. EXTERIOR. NOITE. APROXIMAÇÃO DAS FERAS

(Os ruídos ao redor voltam outra vez a ser ouvidos. Desta vez com maior intensidade.)

ROSSI — (olhando interrogativo em direção aos ruídos que se aproximam ainda distantes) — No Arquivo Jângal os “Anciões” lemurianos são portadores de uma anatomia diferente da humana. Suas cidades subterrâneas seriam iluminadas por fótons à base de oxigênio, nitrogênio, dióxido de carbono e argônio.

(Os membros da Expedição ficam tensos e atentos devida a aproximação do tropear estrepitoso das patas nos galhos secos, assim como dos sons guturais arfantes e agressivos.)

ROSSI — Eles habitariam a Terra desde tempos imemoriais. São telepatas e se comunicam via emissão de respostas extra-sensoriais, com animais racionais e irracionais. Premonição, clarividência e empatia fazem parte da ambientação cognitiva. Usam sons sibilantes em lugar de palavras...

148. EXTERIOR. NOITE. AS FERAS INVADEM O ACAMPAMENTO

(VASSARI E NORTON empunham fuzis de assalto israelense Tavor-21.

HERMANN — (olha, alisa o fuzil e comenta) — Lentes de aproximação, visor noturno e designador laser.

(A câmera focaliza as cabeças das feras se aproximando do acampamento. Novas cenas mostram os caninos lupinos. O olhar de aço e o pelo fino, evocam imediatamente antigas memórias aos membros da Expedição.)

Rajadas de metralhadoras se fazem ouvir. Atingem a terra próxima à frente de algumas feras da alcatéia. ADRIANE E ROSSI estendem-se no chão protegendo-se dos disparos.

VASSARI mira uma pistola PT 809 calibre 9 mm apoiada numa das mãos. As mãos são atingidas pela investida selvagem de caninos que ferem seus pulsos devido ao impacto dos sucessivos botes das feras. A arma cai e ele tenta recuperá-la, desistindo de fazê-lo, acuado pela ameaça das gengivas salivantes das quais sobressaem-se os dentes mostrando uma ferocidade inusitada.

(As patas pisoteando as armas e a terra em volta. Outras feras não permitem que a automática e os fuzis sejam recuperados. Apesar da leveza dos fuzis calibre 5,56 de 3,5 kg e da cadência de 900 disparos por minuto, nenhuma das três feras humanas resiste ao cerco dos lobos com dorsos de felinos e seus caninos assassinos que os impede de recuperá-las.)

149. EXTERIOR. NOITE. NA SELVA DO ACAMPAMENTO

(A “hybris” da irracionalidade dita humana do grupo de NORTON, rendeu-se à “hybris” de uma irracionalidade animal típica de predadores pré-históricos de temível e irresistível inteligência selvática. A alcatéia invadiu o acampamento não para lutar e morrer, mas para lutar e matar. Se preciso fosse.)

As feras pareciam saber do potencial mortífero, da paixão pelo aniquilamento do inimigo que dominava suas presas humanas, armadas pela tecnologia mortífera mais moderna. O antagonismo conflituoso do combate foi rápido e decisivo. As feras invasoras venceram. Contra todo presságio das táticas de combate do animal humano. Bravio e cruel.

150. EXTERIOR. NOITE. NA TERRA DEVASTADA DO ACAMPAMENTO

A câmera focaliza os gestos saltitantes dos cães-lobos. Eles levantam as patas dianteiras. ao torná-las ao chão, recuam, ao mesmo tempo que, ameaçadores, lançam-se em frente, indicando que devem ser seguidos. A lua em plenilúnio ajuda a visualização das trilhas mal discernidas da Amazônia.

NORTON — Eles querem que os sigamos. Vamos! — VASSARI parece querer ficar na retaguarda mas é lançado violentamente para frente por um lobo que se lança ferozmente contra suas costas. Ele cai e levanta. Ao levantar é novamente atacado e lançado outra vez para a frente.

Todos parecem, súbito, compreender a intenção da matilha. Ninguém se faz de rogado. Os membros da Expedição NORTON correm, cercados pelos rosnados dos animais da família “canidae”. Não sabem ao certo para onde estão indo. Mas têm de seguir a alcatéia.

ROSSI (em “flash-back” memoriza cenas de um acontecimento muito passado. Quando um grupo de migrantes hominídeos, sobreviventes da Era do Gelo, está sendo acossado por um grupo de lobos cinzentos. Os mais fracos do grupo arrastam-se no final da fila indiana dos que fogem do inverno rigoroso em busca de abrigo nas cavernas da savana africana.

Há muito tempo comem apenas gramíneas e raízes de raros arbustos. Ao cair, uma mulher grávida fica para trás e os animais simplesmente estraçalham seu ventre e devoram dois embriões (gêmeos) que estavam prestes a nascer. A mulher lembra remotamente Adriane.

151. EXTERIOR. NOITE. PLANILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA

(A câmera focaliza os troncos arfantes, a respiração apressada, os rostos afogueados, as caras surpresas dos membros da Expedição.

Eles se olham. As órbitas dilatadas. As bocas entreabertas. VASSARI, o tronco curvado, apóia as mãos sobre os joelhos. ROSSI, de cócoras, ofegando, a boca aberta, o tronco pulsando rápido. TAUIL deitada na grama, os braços estirados para os lados, os olhos esbugalhados, tenta fazer a respiração voltar ao normal. NORTON arqueja apoiando a mão direita numa rocha. E HERMANN, recuperando-se, apalpa o corpo em busca de uma arma.)

152. EXTERIOR. NOITE. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA

HERMANN — (olhando interrogativo para NORTON E VASSARI) — Nada mal manter o dedo na pinguela.

NORTON — (persuasivo) — Relaxa. Nesse lugar, se quisessem nos atingir, não teríamos a mínima possibilidade de defesa.

ROSSI (chegando-se à ADRIANE) — Você está bem? — Ela estende a mão (ainda deitada) pegando a mão dele, sorrir meio forçado, como se dizendo que sim.

NORTON — (checando o receptor de GPS) — As indicações não confirmam ser este o lugar.

ROSSI — (fala com convicção) — Nesse lugar nada vai checar com indicações via satélite. Parece que estamos num campo magnético intenso.

NORTON, VASSARI E HERMANN afastam-se. Parecem estar se desentendendo. Em iídiche.

153. EXTERIOR. NOITE. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA

Todos parecem assuntar uma sonoridade longa, característica de uma flauta andina. Primeiro uma nota grave. Intensa. Logo depois, uma nota aguda. Ambas veementes. Impetuosas.

Eles buscam na rocha o lugar de onde provém a longa sonoridade. Entre a vegetação rugosa, encoberta por plantas silvestres, há uma reentrância para dentro da rocha, onde HERMANN vê uma fissura horizontal. Parece uma entrada, escondida a seis metros acima do lugar onde chegaram após a corrida com os lobos.

Os esforços se concentram no sentido de nela penetrarem. O que conseguem fazer. Não sem algum malabarismo. Desde que têm de escalar até o lugar íngreme até a fissura na pedra.

154. INTERIOR. FISSURA NA ROCHA. TÚNEL

Após algum tempo, agastados, eles avançam túnel adentro.

NORTON — (capitaneando o grupo) — O foco da lanterna apagou. Apesar da bateria ser nova.

VASSARI — (bate a lanterna no pulso) — Não é problema de bateria. É influência do lugar.

ADRIANE TAUIL — (irônica) — Felizmente resolvi meu problema com claustrofobia.

ROSSI (olhando para ela) — Vai saber, é a toca daquela serpente em que tropeçamos.

ROSSI — (fazendo uma careta) — Esse odor de enxofre... Talvez seja uma entrada para o inferno. (Sorrisos)

155. INTERIOR. TÚNEL. MADRUGADA?

HERMANN — (afirmativo) — Quem precisa de lanterna? Esse túnel é fosforescente.

(Em poucos segundos todos se deram conta da luminosidade tênue e azulada.)

(E continuaram a "escalada" rumo ao "target" desconhecido. De repente a montanha de pedra treme. O ruído de uma longa trovoada promove a sensação de que as paredes do túnel vão desabar sobre eles. Soterrando-os. Todos têm a impressão de que uma grande pedra, pesada e redonda, está rolando em direção deles.)

156. INTERIOR. TÚNEL. MADRUGADA?

Felizmente o ruído de trovão da pedra rolante passa ao largo, talvez em outro túnel paralelo e acima deles.

NORTON — (olha o relógio no pulso).

ROSSI — (logo atrás dele) — Estão parados há horas.

O túnel desemboca numa caverna de teto alto onde se veem estalactites. Eles descem alguns degraus.

Chegam a uma plataforma. Após alguns momentos à outra plataforma. E logo depois a outra maior.

(Contemplam então a paisagem de um platô a meia centena de metros abaixo.)

157. INTERIOR. DIA. PLATAFORMA. BORDA DO PLATÔ

O lugar todo exala uma luminosidade sutil e anilada. No platô se destaca uma árvore baobá com 25 metros de altura. E um tronco de aproximadamente 10 a 11 metros de diâmetro. Uma sensação inusitada e estimulante toma conta do sistema nervoso central dos expedicionários.

ROSSI — (estupefato) — Esse planalto é francamente encantado, surreal. Um lugar de sonho.

TAUIL — (atônita) — Como planalto? Esse platô está lá embaixo!?

ROSSI — (admirado) — Nesse lugar todos os caminhos se bifurcam e se encontram. Como no conto de Borges!

TAUIL — (fascinada) — É surreal! Baobás são nativas da ilha Madagascar. Como essa veio parar aqui? Na selva Amazônica?

ROSSI — (assertivo) — Amazônia? Esse lugar está fora do tempo e do espaço como o conhecemos. Fascinante.

TAUIL — (beliscando um dos braços) — Excessivamente sedutor. Como vamos chegar lá embaixo?

158. INTERIOR. DIA. PLATAFORMA DO PLATÔ

NORTON — (contido e ansioso) — O lugar é primitivo e ao mesmo tempo high-tech.

ROSSI — (advertindo) — Não há caminho de volta. Como sair desse lugar?

(Os olhares convergem para o ambiente de onde há pouco saíram. Dezenas de cavernas mostram-se acima e em volta deles.

A passagem pela qual vieram, se confunde com outras.)

159. INTERIOR. DIA? PLATAFORMA DO PLATÔ

(NORTON HERMANN E VASSARI conversam. As legendas em iídiche traduzem as falas.)

NORTON — (admirado e afirmativo) — Este é o lugar. Aquela árvore conduz a Amrita. Ou Amrit, o elixir da vida Sing na língua Punjab: a coragem os poderes do leão. Numa vida saudável e longa.

VASSARI — (surpreso) — Mas é apenas um baobás. Vi um em Recife, na praça da República.

NORTON — (tentando parecer didático) — A fruta, mukua, é rica em vitaminas e sais minerais. Não é por isso que se associa à vida longa... ( pensativo)... Muito longa. Depois de curtir a pele da serpente Anfisbena Licranço, a água do tronco do baobás, fica permeada de uma substância sutil e quase que imperceptível, bolhas parecidas com vitórias-régias (olhando com ares de cumplicidade para VASSARI...)

VASSARI — (encurtando a conversa) — Duas cabeças peçonhentas, os dois mini-chifres da serpente adâmica. Origem do povo Rama dos naacales. A lenda de Deccan, capital de Rama há 7000 anos a. Cristo.

NORTON — (concluindo) — "Vida longa para seus habitantes". Os anciões centenários desde as mais antigas lendas.

(A conversa continua em iídiche.)

HERMANN — (deslizando os dedos numa inscrição de pedra) — Hábito fossorial, nunca cansa de escavar. O dialeto naacal conduz à capital lemuriana. "Ser saudável por mais tempo: o trabalho ferve" (as pontas dos dedos de HERMANN perpassam o final da inscrição.)

160. INTERIOR. TARDE? PLATAFORMA DO PLATÔ

(Após identificadas reentrâncias e saliências no paredão da rocha que conduzem até o platô, a Expedição começa a audaciosa descida.)

NORTON — (iniciando a descida) — Talvez os orifícios contenham animais peçonhentos. — (Olhando para ADRIANE TAUIL ) — Não olhe para baixo. Concentra a atenção nas mãos e nos movimentos.

ROSSI — (intimamente convicto) — O “Arquivo Jângal” começa a fazer muito sentido!

(Começam a travessia. A câmera focaliza a muralha na vertical. O foco vai aos poucos mostrando a beleza da paisagem surreal lá embaixo. Há uns 60 metros. Lá embaixo. Como se fosse a entrada de algum Paraíso Perdido.)

161. INTERIOR DA ROCHA. NOITE? ESCALADA DESCENDENTE NO PLANO VERTICAL DO PENHASCO

HERMANN — (advertindo) — Nos orifícios há crias de escorpiões amarelos. Eles são venenosos.

ADRIANE — (intranqüila, dirige-se a ROSSI) — Esse lugar parece cheio de surpresas!

ROSSI — (impositivo) — Fique tranqüila. Se for picada, há antídotos. — (Olhando de soslaio ele pára e estica o braço em direção a um exemplar de escorpião amarelo conhecido por “tityus strandi”, gênero serrulatus). Lentamente aproxima a mão esquerda, enluvada, do bicho. Hábil e rapidamente o suspende, pegando-o abaixo da ponta do ferrão venenoso. Após pressionar o polegar e o indicador, ele olha o pedaço da calda do lacrau que ficou na mão.

ADRIANE permanece apreensiva, contendo o impulso de olhar para baixo. (Em um momento de desatenção ela se desprende e parece cair, enquanto estende um braço em direção a ROSSI, tentando segurá-lo e evitar a iminente queda.)

(Dos orifícios da rocha projetam-se sobre os membros da Expedição, escorpiões e aranhas. Eles olham seus corpos desprenderem-se dos pontos de apoio. Os membros desabam no vácuo, em direção a profundidade do platô. Sentem-se sugados por um túnel, como se tecido de teia de aranhas.)

162. INTERIOR DA ROCHA. NOITE?

Os membros da Expedição Norton caem em câmera lenta, como se sustentados por uma força magnética imponderável, em direção ao solo do platô.

163. AMBULÂNCIA. ENTRADA DE HOSPITAL. ENTARDECER. MORGUE

(Dezenas de corpos saem de ambulâncias. Alguns envolvidos em sacos fechados. Pessoas se acumulam em frente a vários hospitais.)

164. INTERIOR. NOITE? ACAMPAMENTO NO CHÃO DO PLATÔ

(Sobre as mesas a três centímetros do chão, no grande palco do platô, encontram-se inanimados os corpos dos Expedicionários. Estão plenamente despertos na dimensão paralela do sonar PSI. O aspecto exterior indica um estado comatoso induzido por uma memória anciã no universo hostil dos sentimentos paleolíticos.)

(A águia da memória de cada personagem Expedicionário voa célere em direção às vivências da ansiedade anciã. Uma mulher foge de caçadores rapineiros kadanuumuu. Seres de aparência primitiva, demoníaca. Ao mesmo tempo, são predadores de uma consistência física de atletas da mais antiga antiguidade que se conhece: a da força bruta das mutações de hominídeos influenciadas pelo DNA lemuriano. A mulher, apesar dos trajes de época e da aparência brutalizada, de alguma forma se parece com ADRIANE. Assim como os chefes dos rapineiros cadanuumuu lembra remotamente as feições de ROSSI.)

165. INTERIOR. NOITE? ACAMPAMENTO NO CHÃO DO PLATÔ

(Os delírios e imagens PSI provocadas, talvez pela intervenção do monge, após a massagem na glândula pituitária dos membros da Expedição NORTON, provocam visões de grande intensidade emocional anciã, entrecortadas, por vezes, com imagens da atualidade. Há a presença do Memorial de traumas convividos coletivamente há milênios. Tal como narrado por textos traduzidos do naacal, contidos em capítulos do “Arquivo Jângal”, que aconteceria com intrusos em território lemuriano.)

(Através do nariz de cada um deles uma espécie de secreção gelatinosa, misturada com gotas de sangue, observa-se escorrer de maneira abundante. Principalmente em NORTON, VASSARI E HERMANN.

De qualquer modo, todos parecem envolvidos em acontecimentos imemoriais: Membros da tribo cadanuumuu carregam prisioneiros —ou o que restou deles— pendurados em cangas. (Uma menina de 11 anos, carregada numa espécie de cesto primitivo, à mostra uma das faces com uma enorme ferida de mordida.)

(A face mortificada porque a garota está com os olhos largamente abertos, numa atitude justificável de pânico. Ela leva as mãos ao rosto lesionado. Mostrado através do olhar, dos cabelos amarfachados, do que restou dos lábios entreabertos, um desespero autoconformado.)

166. EXTERIOR. NOITE. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA MIGRA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS

TAUIL TOGLODITA — (aproximando-se da prisioneira pendurada num galho de árvore) — Grrruunhhhhingrun. — Começa a perscrutar as feições aflitas, deformadas e conformadas da mulher à qual membros de sua tribo haviam arrancado pedaços do corpo para comer.

TAUIL TOGLODITA — (confusa e interrogativa) — Grunhindo ela estende a mão em direção a face espancada da outra. Apalpa nas pontas dos dedos partes de seu corpo lesionado. Faz gestos bruscos. Move-se aos pulos ao redor do corpo tungado. Sempre olhando cada vez mais interrogativamente a outra, aproxima-se dela movendo o pescoço em gesto indagativo para os lados, como se descobrindo uma certa empatia com ela. A Outra.

167. EXTERIOR. NOITE. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS

(TAUIL TOGLODITA ao aproximar-se da mulher vitimada pelo canibalismo de sua tribo, consegue uma experiência, talvez a primeira da espécie, de cumplicidade emocional entre elas. É como se surpreendesse a dor que a outra está sentindo em sua agonia por ter tido partes dos membros arrancados e devorados. Ao aproximar os dedos da mão destra do rosto dela, esta, que TAUIL julgava talvez morta, ainda consegue forças para, num gesto súbito, morder seu dedo cata-piolhos. Tirando-lhe um naco.)

(TAUIL berra, e puxa os dedos da mão para si, encostando-os abruptamente à altura do coração, enquanto olha a mulher semi-devorada encarar seu rosto pela última vez, enquanto a cabeça tomba para baixo. A câmera afastando-se do rosto em PP, mostra-lhe os braços amarrados em cruz no galho baixo da árvore. A câmera afastada fixa-se em PG.

ROSSI TOGLODITA após aproximar-se dela ameaça bater na prisioneira com um pedaço de galho em mão. TAUIL pegando-lhe o braço grunhe ameaçadoramente em direção ao rosto dele.)

168. EXTERIOR. NOITE. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS

(ROSSI TOGLODITA abarca com a manopla esquerda o rosto da mulher. Lançada à distância TAUIL TOGLÔ cai e desmaia após bater a cabeça no tronco de uma árvore.

ROSSI TOGLODITA urra, grunhe e à maneira dos lobos, levanta o pescoço em direção ao alto. (Lança com força e ódio incomuns o grande pedaço de madeira que conservara na mão destra, em direção a um monólito negro que paira a alguns metros sobre sua figura selvagem a urrar furiosamente na direção do mesmo.)

169. EXTERIOR. NOITE DE LUAR. AMAZÔNIA. INTERIOR DE BARCOS

(Soldados e oficiais nazis olham fixo um ponto que lhes parece distante. Um ponto de fixação dentro deles, de sua estrutura PSI. Em verdade parecem não estar vendo nada do que acontece no mundo exterior. Eles ignoram a beleza resplandecente das águas luzidias, límpidas, esverdeadas do lugar por onde singram velozmente os barcos.

Os barcos chegam a um píer em lugar afastado da selva. Os militares todos ostentam no braço uma tarja preta com uma cruz gamada desenhada em negro. Entram em formação num avião Boeing XB15, fabricação americana de 1937, usado pelos nazis para disfarçar sua atuação em espaços aéreos Aliados.)

170. INTERIOR. NOITE? SALA RESERVADA NO REICHSTAG. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL

(Oficiais SS filmam a encenação dos soldados que voltaram da cidade subterrânea dos lemurianos na Amazônia. Através de um painel transparente, cientistas nazis vêem as instruções através da montagem das miniaturas dos protótipos de foguetes, aeronaves, armamentos, carros refrigerados a ar, mísseis e aeronaves. Von Braun prestou particular atenção quando da exposição de montagem do projeto bélico denominado Exterminador Orbital. Que os americanos denominaram posteriormente de “Guerra nas Estrelas”.)

171. INTERIOR. NOITE. SALA RESERVADA NO REICHSTAG. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL

(Oficiais da Gestapo supervisionam as equipes de cientistas sob o comando de Wernher Von Braun no interior do perímetro de uma base de fabricação de mísseis da marinha alemã.

As legendas eletrônicas do filme “full-time” da TV-Ghost, focaliza os bombardeios da cidade de Londres pelos mísseis alemães entre 7 de setembro de 1940 e o dia 10 de maio de 1941. (O “ghost-movie” do dia mostra Londres parcialmente destruída. E os milhares de mortos, de um total de 600 mil, nas ruas das principais capitais européias, e outros milhares de desabrigados e feridos.)

172. EXTERIOR. DIA. EXPLOSÕES ATÔMICAS NAS CIDADES DE NAGASAKI E HIROSHIMA. II GUERRA MUNDIAL. JAPÃO: 6 E 9 DE AGOSTO DE 1945

(As câmeras mostram cenas chocantes de conflitos nos cinco continentes (América, Ásia, África, Europa, Oceania e Antártica) pós-II Grande Guerra até a queda das Torres Gêmeas.

Os locutores dos jornais nacionais dos canais de TV, amalgamando-se com a imagem especular uns dos outros, em dezenas de países do planeta globalizado pela notícia e pelo entretenimento via Internet e TV, fundem-se numa imagem PSI, projetada de dentro do cristal mental, hipófise coletiva/cristal lemuriano, recriando via interface especular, as personagens de si mesmos, membros da Expedição Norton, captadas pela superfície especular do laser em retransmissão direta para os canais da TV-Ghost em todas as localidades do planeta.)

173. EXTERIOR. DIA. CÂMERA INVADE E DEVASSA O INTERIOR DE CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO DA II GUERRA MUNDIAL

(Embaixo dos chuveiros nos banheiros coletivos de Birkenau, milhares de pessoas extremamente angustiadas, magras, desesperadas, pânicas, medrosas, conformadas, olham esperançosas para os canos que deveriam ser de água e deles sai gotículas venenosas de gás-mostarda. A atuação é gradativa (cegueira, abertura dos poros da pele, rompimento das veias e artérias nos vasos sanguíneos.

Os soldados da SS filmam de perto (usam máscaras protetoras) dezenas de pessoas da etnia judaica nas mais impressionantes expressões de sofrimento extremo e desespero contido. Bolhas vesiculares deformam as faces de pessoas que vêem outras entregues às queimaduras químicas e debilitantes. Os corpos resistem ao estertor das mais variadas formas de agonia.)

(Cenas macabras de milhares de cadáveres esqueléticos sendo jogados por soldados SS em covas coletivas. A “TV-Ghost” exerce comando, comunicação e controle em todas as salas de jantar globalizadas pelos noticiários de TV e pelos vídeos da Internet. Na hora “sagrada” dos jornais TVvisivos os filmes da “TV-Virtual” costumam coincidir com enredos nos quais estão inseridas imagens desses jornais.)

174. INTERIOR DE QUARTOS E SALAS DA GRANDE SÂO PAULO E DA GRANDE MAÇÃ. INTERIOR DE LARES EM TÓQUIO, LONDRES, CHINA, TIBET, PARIS, ROMA, VATICANO, RIO DE JANEIRO, SALVADOR, LOS ANGELES, E EM CAPITAIS DE PAÍSES ÁRABES, NAS AMÉRICAS, ASIÁTICOS E NA ANTÁRTIDA

(A câmera focaliza ambientes intimistas nos quais há a presença de representantes da grande maioria dos espectadores de TV sentados no sofá da sala de jantar. Os mais jovens plugam-se, a seus sistemas nervosos, na interface dos games que, simultaneamente às imagens dos documentários jornalísticos da “TV-Full-Time”, permitem aos TVespectadores viver, coletivamente, sentimentos semelhantes aos dos personagens de filmes, novelas, documentários e noticiários de guerras.

Os ferimentos e dores terminais das personagens reais podem ser transmitidos às pessoas com o sistema nervoso central plugado, via moldem sensorial, nos aparelhos de TV sintonizados na central globalizada da “TV-Holy-Ghost” também conhecida por “planeta informatizado”. Emocionalmente.)

175. INTERIOR. (DIA? NOITE?). “SUBWAY” LEMURIANO NA AMAZÔNIA. PLANALTO DO PLATÔ

Os membros da Expedição começam a despertar para uma realidade inusitada. Estão envolvidos nela de forma intrínseca. Cada um deles agora está consciente de sua intimidade com os objetivos coletivos da civilização alienígena da qual fazem parte. ROSSI aproxima-se dos outros membros da Expedição.

— Há um túnel que parece ser uma passagem para outro nível de realidade. Talvez uma espécie de Portal. Pode ser apenas uma impressão equivocada. Vocês gostariam de ver? NORTON responde por todos:

— Mostre-nos o caminho.

176. INTERIOR. (DIA? NOITE?) TÚNEL VERTICAL CILÍNDRICO. MOSTEIRO NO INTERIOR DA SERRA DO RONCADOR

ADRIANE TAUIL e ROSSI dirigem o olhar em direção à plataforma superior do túnel onde vêem a parte superior de um capuz de monge desaparecer por trás de uma minúscula guarita. No topo, de uma altura aproximada de trinta metros.

Os outros três membros da Expedição, apesar de treinados para a percepção de toda espécie de eventos, não perceberam este. As paredes do túnel agora parecem irradiadas por uma luminosidade sutil, metálica, aquosa, através da qual aparecem crianças vestidas com uma roupagem que parece ser uma extensão da própria pele.

177. INTERIOR (DIA? NOITE?). NO INTERIOR DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS

ADRIANE TAUIL — (olhando para ROSSI enquanto suas formas humanas parecem se dissipar) — O desafio está em sentir-se estimulado a aceitar o desafio de atingir novos estados evolutivos. Não a busca de equilíbrio...

ROSSI — (sua imagem a perder a forma física e térmica) — (as palavras saem distorcidas) — “Um novo equilíbrio”.

178. INTERIOR (DIA? NOITE?). NO INTERIOR DA GARGANTA NO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS

CRIANÇAS com trajes supostamente espaciais materializam-se em redor deles. Os Expedicionários não sabem ao certo se foram conduzidos a um local outro, ou se as CRIANÇAS simplesmente apareceram do nada ao redor deles.

NORTON — (após alguns momentos de certa perplexidade) — Tudo bem, CRIANÇAS viemos do mundo externo, que vocês querem?

CRIANÇA — (qual delas?) — Shususuusussssiisssisihshi. — Um zunido precede as respostas que se fazem traduzir no interior da mente deles: “Tudo bem adultos, estamos aqui! Que podemos fazer por vocês?”.

VASSARI — (voz tentando parecer amigável, mas soa insolente e provocativa) — Até agora vocês eram mito... (ele fala em iídiche) — Estamos aqui para conhecer o mundo de vocês.

179. INTERIOR (DIA? NOITE?). INTERIOR DA GARGANTA NO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS

(A tênue névoa fosforescente dissipa-se do ambiente interno do tubo. As CRIANÇAS e os membros da Expedição vêem-se nitidamente.)

— Grhrhrhiiissihummmsjh. — A sonoridade fricativa ecoa no interior das mentes dos expedicionários. — Imediatamente a esse timbre sonoro surge na mente deles a pergunta: “As armas, por que as armas?

— Corrupção, mentira, agressão, domínio pela força bruta, perversidade, covardia, ação pelo terror. Esses são os traços característicos de sua raça. Os motivos alegados são sempre nobres, salvar as almas, trazer a religião aos silvícolas. A colonização de vocês aumenta a quantidade de escravos, de doenças, de violência e medo. Termina sempre com a riqueza e o poder da sociedade concentrados em mãos de poucos. Este princípio de ordenação social tem por efeito sadismo e perversidade inomináveis.

— As armas são apenas para defesa, apela VASSARI, sem muita convicção.

— Krhrhhriirisisinnannansh! — “A tecnologia de defesa de vocês construiu artefatos destrutivos de fissão e fusão atômicas. A linguagem falada de vocês é sempre um desvio em direção à mentira. Tudo e todas as demais iniqüidades, mais numerosas que seus fios de cabelos vem daí.

— Desculpem-nos. Invadimos sua morada. Somos um povo inquieto. Interessado pelo inusitado. Cedemos ao impulso pelo conhecimento do novo, da aventura. Vivemos tencionados pelas solicitações de sobrevivência de nossas cidades. — Por detrás das palavras de Norton há uma vontade de camuflar a intenção sub-reptícia de hostilidade.

— Zhauuunnsnsnshissizhins! ““Você! Nefasto! Todo pensamento seu está sempre contaminado pela agressão e a mentira. Seu Deus lhe ensinou isso? Você age como se Ele tivesse de se subordinar à sua cultura. E não vice-versa. Acredita que a Terra será dominada por um povo escolhido? Seus profetas neolíticos diziam, traduzindo seu Deus: “Minha casa é a casa de oração de todos os povos”.

— Suas orações deveriam ser os mantras de todos os povos. Não sua hostilidade, vontade de domínio. Seu medo atávico, suas culpas remotas, sua ganância insaciável. Globalizaram tudo que é ordinário. Mas não suas orações. Vocês estão desservidos de espiritualidade. Secos, satanizados. E como não foram capazes de se humanizar, vão criar a “New World (Dis)Order” para gerir essa dominação.

180. INTERIOR (DIA? NOITE?). NA GARGANTA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS

(As respostas vão se traduzindo simultaneamente à sonoridade dos zunidos fricativos.)

HERMANN — Por que querem respostas. Por que sugerem respostas, se parecem saber tudo sobre nós? — Mais que irritado ele mostra-se irrequieto. Perturbado.

ROSSI (dirigindo-se a HERMANN) — Pegue leve. Você não está em condições de fazer ameaças.

ADRIANE TAUIL — Partes da espécie humana atual, deseja fazer-se prevalecer sobre outros grupos populacionais pela força de arsenais bélicos. Os mais armados dominam as culturas com menos recursos em armamentos tecnológicos.

— Grupos sociais se impõem aos demais pela força. Os mais necessitados são forçados à aceitação das regras sociais impostas pelas minorias dos que detêm poder político. E econômico. Os desprotegidos, os faltos de recursos, estão sujeitos ao comando, à comunicação e ao controle de seus poderes. É assim que funcionam as geopolíticas.

ROSSI — A essa dominação da sociedade chamam de democracia.

— Zhauuthrissunnsnsnshissizhinkys! “Espiritualidade é simples. Não teme a peste que anda na escuridão de intenções, nem os que caem à direita e à esquerda. Somente com teus olhos verás, sem desprezo, a trágica recompensa dos ímpios.”

— Kryssshissgurrthreilhasahinsthihaj! “Praga alguma chegará às suas tendas. Pisarás o leão e a áspide. Eu os livrarei da angústia. Da derrota, da aniquilação anímica coletiva. Desde que estão inaptos a visualizar a trilha da salvação. De seu gênero.”

181. INTERIOR (DIA? NOITE?). NA GARGANTA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS

(Os expedicionários ficam, por momentos, extasiados. Como se tivesse caído a ficha do acontecimento estranho no qual estão imersos.)

— Xhiiishnisisiisisizonnsnsnsnt. “Sua cultura é produto de fixações. O rebanho humano semelhante a um rebanho de bisões galopando numa direção, sem que saibam para onde estão se dirigindo. Estão sempre fugindo de algo e o destino pode ser lançarem-se no abismo.”

— Nossa civilização precisa de mais tempo para começar a agir com racionalidade. Nossa escrita data de apenas 4000 anos. Os primeiros registros da ciência e da tecnologia datam de quatro a cinco séculos. E todos foram motivados pela posse e pela guerra. — Adriana busca legitimar a história sapiens.

Yhshshisiisiidiunsnsnnsiisusnsn. “Vocês não descobriram que não haverá futuro para uma cultura sem ética. Se são produtos de uma mesma raça, não há como privilegiar alguns e jogar no lixo de sua história outros. Se não consideram salvar a todos não haverá salvação para nenhum. Querem ganhar o espaço cósmico quando as geopolíticas de seu planeta sobrevivem de ações predatórias. Sua cosmopolítica seria uma extensão desse caos cultural.”

— É o melhor que podemos realizar. — A voz de Rossi soa como uma desculpa esfarrapada. — Não sabemos como fazer acontecer as coisas da cultura de outro modo.

— Lhisisihenenhhhsygwiwhshnsi. Não há transcendência nem liberdade em seu futuro enquanto espécie. A forma de progresso de sua cultura põe em risco essa parte do cosmo. Sua liberdade aparente aponta para o controle sistêmico de uma raça de escravos anímicos. Seus corações, suas mentes, suas almas estão aprisionadas pela atração eletromagnética de seu inconsciente coletivo. Tudo o que podem conseguir é ser cada vez mais e mais escravos do controle orbital luciferino.”

182. INTERIOR (DIA? NOITE?). NA GARGANTA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS

(ADRIANE TAUIL e ROSSI notam que HERMANN, VASSARI e NORTON estão a sangrar pelos olhos, nariz e ouvidos. Ao ver a estranha ocorrência a jornalista pergunta):

— Por que está acontecendo com eles? Não estamos sob as mesmas influências?

(Desta vez não há sons fricativos. Eles simplesmente ouvem a mensagem):

— “Eles vieram em missão militar ultra-secreta. Vocês seriam sacrificados em prol de uma estratégia de divulgação globalizada da Expedição Norton. Um artefato nuclear estaria aqui em duas horas e meia após NORTON comunicar as coordenadas de acesso a este lugar. Um comando militar traiçoeiramente denominado “A Última Pá De Cal Sobre O III Reich” faria a detonação de um potente artefato nuclear. Seus corpos estariam a poucos metros da explosão.”

— Mas por quê? Com qual finalidade? Pergunta ROSSI.

— “Promover contaminação ambiental por radiação induzida. Tirar os nativos de suas reservas ecológicas alegando que em conjuntos habitacionais construídos nas periferias de cidades vizinhas estariam seguros e protegidos da contaminação radioativa.”

— “Os locais ricos em minérios estariam posteriormente liberados para a exploração de companhias extrativistas de minérios. Haveria a ocupação da Amazônia por um Comitê de Defesa do Ecossistema administrado por uma comissão de preservação do meio ambiente, gerida pela ONU.”

183. INTERIOR (DIA? NOITE?). NA GARGANTA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS

(As CRIANÇAS vão desaparecendo aos poucos como se estivessem sendo teletransportadas para outro lugar. As duas que ficam, pegam TAUIL e ROSSI pelas mãos e os conduzem a um nicho no qual estão quatro assentos.)

O casal de jornalistas lembra que NORTON, VASSARI e HERMANN ficaram para trás. E logo surge a mensagem em suas mentes:

— Estejam tranquilos. Vocês terão notícias deles.

(Após estar confortáveis nos assentos eles ouvem uma sonoridade grave lenta e intensa, como se fosse o sibilar de uma lendária e formidável anaconda.)

184. EXTERIOR. DIA. QUARTO DE HOTEL. CIDADE DE BARRA DO GARÇAS

TAUIL — (abrindo os olhos numa expressão de horror, grita, assustando os idosos em sua volta.) — Nãaãaããooooaaaoãao! NananaÃooooAãaooooo. A sonoridade de seu berro traduz um terror atroz: NÃOÃOÃOAOÃOAOÃOÃAOÃAOAAÃOÃAOÃAO!

(O grito ecoa e reverbera. A câmera focaliza do alto a paisagem panorâmica, tendo por epicentro o lugar onde está o antigo hotel.)

1ª IDOSA (tentando acalmá-la) — Calma, querida, você agora está bem. Só precisa se acalmar.

TAUIL — (a sensação de uma solidão impetuosa afirma-se em sua percepção. Sentando-se na cama ela põe as mãos dos lados da cabeça) — Aconteceu. Aconteceu mesmo. Como essa coisa pôde acontecer? — (olhando para as mulheres ao redor, ela exclama) — Não há mais juventude na Terra. Há apenas idosos, não é?

2ª IDOSA — Não é bem assim, minha filha, agora temos vocês (risos).

185. EXTERIOR. DIA. TERRAÇO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS

ROSSI (não consegue explicar a si mesmo por que está tão amedrontado. Ele vê TAUIL chegar até ele e abraçá-lo. Sob as vistas de idosos, de ambos os sexos, que não contêm a curiosidade mórbida.)

ADRIANE TAUIL (ainda abraçada a ROSSI) — Não pode ter acontecido mesmo. É tão demasiadamente absurdo. Inacreditável!

IDOSO (dirigindo-se para eles em tom de chiste) — Melhor vocês subirem para o quarto. Pega mal fazer isso em público.

IDOSA (amigável e sorridente) — Vocês vão ter de se habituar à curiosidade inesgotável das pessoas. Elas há tempo não vêem ninguém tão jovem.

IDOSO — Vocês são chamados de Adâo & Eva fim dos tempos, Nova Era.

IDOSA — Adão & Eva pós Idade das Trevas. (Sorrindo) — É tão bom ver vocês...! Tê-los por perto. Essa sensação de que poderá haver outra vez um futuro para a espécie humana.

IDOSO — (olhando interrogativo para ADRIANE TAUIL) — Você também não pode gestar?

186. EXTERIOR. DIA. SALA DE ESTAR DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS

(Os idosos conversam entre si. Tentam achar uma explicação para a presença do casal adâmico. Que vieram fazer na Terra pós-amblose disforme? Que poderiam fazer? Exceto curtir essa ociosidade fim dos tempos? As perguntas buscam uma resposta!)

1ª IDOSA — Vocês, quando foram trazidos pelos monges do povo muito Antigo hibernaram ainda 72 horas. Pensei até que não fossem despertar.

2ª IDOSA — Não fosse pela leve respiração, quem diria que iriam acordar um dia? (risos.)

1° IDOSO — Vocês vão ter de exercitar muita paciência. Não vão faltar romeiros que queiram vê-los vindo das proximidades. A curiosidade geral é grande.

2° IDOSO — Muito grande. Mesmo. Como podem ser tão jovens? Os monges largaram vocês aqui e sumiram. Quem sabe para onde. Para suas cidades subterrâneas.

3ª IDOSA — Ou em direção às estrelas. — Ele (apontando para ROSSI num gestual de cabeça) estranhamente, estava com muita fome.

4ª IDOSA — Parece não ter visto comida a maior parte da vida (risos). Nesse momento o estômago de TAUIL roncou alto (mais risos).

ROSSI — Pelo visto, os efeitos da amblose disforme foram devastadores.

TAUIL — O planeta se transformou num campus geriátrico.

3ª IDOSA — É incrível. Vocês parecem ter pouco mais de trinta anos. Se tanto.

2° IDOSO — Hibernaram numa nave durante uns quarenta, talvez cinquenta anos. À velocidade próxima à da luz. Aquela história da teoria da relatividade.

187. EXTERIOR. NOITE. PÁTIO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS

(A câmera focaliza a abóbada celeste. Alguns pontos luminosos são vistos como se fossem meteoritos indo em direção contrária. Ou seja: afastando-se da Terra.)

1ª IDOSA — Num filme da TV-Full-Time vimos que esses “meteoritos ao contrário”, são almas ou “faíscas quânticas” querendo sair do campo gravitacional da terra. Mas a “velocidade de escape” delas é insuficiente. Após a tentativa desesperada e frustrada de libertarem-se em direção a “outras moradas do Pai”, são capturadas pelo magnetismo anímico da “lua simétrica invisível”. Um portal com bilhões de nichos do tamanho de nanômetros.

(Enquanto as pessoas narram os acontecimentos, a tela plugada na “TV-ghost” mostra o momento em que essas mesmas pessoas estiveram visualizando o mesmo.)

1° IDOSO — O campo gravitacional no interior de cada nicho-nanômetro é tão intenso, que aprisiona para sempre as “faíscas quânticas”, não permitindo que venham a tornarem-se livres desse portal que é parte da nave intergaláctica de Satã. Esta é parte da luta definitiva, apocalíptica, que se trava entre as forças polarizadas do bem e do mal.

2° IDOSO — Sob a dominação das leis globalizadas do Mercado, as pessoas pensavam e agiam unicamente com o objetivo de consumir mercadorias. Gerar lucros, acumular bens e riquezas. Não havia na Terra valores a preservar. Exceto o “fator econômico”.

3° IDOSO — E o que dizer dos dias de hoje? Da política dos “spas” que capturavam os “hot-dogs” para fazer cosméticos deles?

2ª IDOSA — Quem quer que gerasse lucro, não importava como... 3ª IDOSA se traficando, matando, fabricando armas, comercializando drogas, assassinando, prostituindo... 1° IDOSO... enganando, ganhando bilhões de verdinhas com a invasão política e econômica de países, em qualquer lugar do planeta, era bem-vindo à comunidade econômica das nações.

2° IDOSO — O advento da “amblose disforme” parece ter terminado com essa farra...

1ª IDOSA — Talvez não (olhando para TAUIL E ROSSI) — vocês não estão vendo esse casal de brotinhos pronto para povoar o mundo outra vez? (Risos, muito risos.)

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 15/07/2011
Reeditado em 10/12/2012
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