ERRO SEMÂNTICO NO ARGUMENTO ATEÍSTA DE FAURE
É intrigante perceber como erros lógico-linguísticos podem manipular informações e posicionamentos filosóficos e ideológicos. A linguagem é deveras um mecanismo complexo, cheio de enigmas e faces.
Não é raro encontrar, em grandes discussões filosóficas e científicas, problemas de nominalizações mau empregadas, falsas analogias, erros semânticos, etc.
Percebe-se um desses erros em um dos argumentos contra a existência de Deus proposto pelo filósofo Sebastien Faure em sua obra " Doze provas da inexistência de Deus". O argumento é o seguinte:
"O perfeito( Deus) não pode produzir o imperfeito (criação).
Estou plenamente convencido de que se eu fizer a um religioso a pergunta: “Pode o imperfeito produzir o perfeito?”, ele responderia sem vacilar: – Não, o imperfeito não pode produzir o perfeito!
Pelas mesmas razões, e com a mesma força de exatidão, eu posso afirmar – O perfeito não pode produzir o imperfeito!
Mais: entre o perfeito e o imperfeito não há somente uma diferença de grau, de quantidade, mas uma diferença de qualidade, de natureza, uma oposição essencial, fundamental, irredutível, absoluta."
Há um erro semântico nesse argumento . Está na proposta de significação da frase "O perfeito não pode produzir o imperfeito."
Imperfeito e perfeito estão colocados como dois seres antônimos. A diferença de " natureza, de qualidade e essência" que Faure expõe, estaria correta se O perfeito e o imperfeito fossem dois seres distintos.
Faure substantiva a palavra imperfeito através do artigo. Quando ele diz "o" imperfeito, ele trasforma imperfeito em um ser, em uma coisa.
Mas, imperfeito não é um ser ; é uma característica aplicada a um ser. Dentro da cosmovisão que o Faure pretende refutar, o mundo e o homem são seres imperfeitos no sentido de incompletos, o que não significa ser algo ruim, mas uma condição transitória rumo à plenitude que é Deus. Não existe um ser cuja palavra "imperfeito" seja também um nome próprio do mesmo. Enquanto que O perfeito é Deus, ou seja, há um ser cuja palavra lhe é atribuída enquanto sinônimo.
Embora usemos habitualmente a palavra perfeito para qualificar coisas, ela não é logicamente apenas um adjetivo.
Ela é um nome, pois se refere a Deus, que é o ser perfeito.
Quando afirmamos " Que livro perfeito", o sentido da palavra perfeito não é de plenitude existencial, como nos referimos à Deus como Ser Perfeito, mas sim um grau máximo de qualidade, enquanto livro.
Neste sentido, quando o autor sugere que Deus crie o perfeito, ele pretende que Deus crie outro Deus, mas isso é logicamente impossível, pois se o Deus criador existe, o que ele cria já não será mais perfeito, pois passará a existir por causa Dele e está determinado à sua Lei Final. Logo, é um absurdo querer que a criação seja um ser perfeito, porque logicamente, não podem existir dois seres essencialmente completos.
Mas isso não significa que a criação seja ruim. A criação é boa , na condição de criação.
Como bem coloca o autor de Gênesis : " E Deus viu que era bom".