Ferido de Morte
Por: Valdeck Almeida de Jesus
Quando eu era criança um passageiro do ônibus urbano em que eu estava brincou comigo e eu não dei trela. Ele reclamou e disse que eu estava emburrado, com a cara fechada e que não dava um sorriso.
Aquela frase me marcou. A adolescência e a juventude foram os piores dias de minha vida, sem falar no que passei na infância: fome, doenças diversas, miséria absoluta nas casas de aluguel em que passei a vida inteira, aleijão de minha mãe numa cadeira de rodas, a loucura de meu pai que roubou parte de nossa alegria etc. Tudo isso talvez tenha contribuído para apagar o sorriso do meu rosto.
Na vida adulta procurei ganhar o mundo, recuperar o tempo perdido. Estudei, trabalhei duro, comprei casa, apartamento, carro, viajei para o exterior várias vezes, conheci uma boa parte do Brasil, tirei mais de vinte mil fotografias, participei de carnavais, pagodes, shows com artistas locais, nacionais e internacionais. Terminei o curso superior, iniciado e desistido por décadas. Conheci gente de todo canto, namorei, curti, dancei em boate, tomei banho de sol em praia e piscina. Tive acesso a comida, bebida, dinheiro na poupança, bens diversos. Mas o sorriso ainda era apagado, meio triste, como se dissesse que algo interno ainda não estava acertado.
E não estava mesmo. Eu ainda era aquele mesmo menino do coletivo, que não sabia sorrir. O que me faltava busquei: catecismo, batismo nas águas, sessão espírita, dar a mão para ser lida pela cigana, jogo de búzios, e nada. Aí fui a um psiquiatra que me receitou planejar a vida para trinta, quarenta anos à frente. Fiz isso e logo me apareceu motivo para sorrir. O amor surgiu em minha vida de uma forma sutil e foi me fazendo perder o medo da entrega. Fui me deixando levar, sem saber ao certo para onde ia. Será que tinha acertado da loteria da vida? O motivo de minha sutil alegria tinha sorriso largo, olhos grandes, inocência nas perguntas. Eu, desconfiado, calejado das traições e mentiras por que tinha passado, das peças que a vida me pregara, relutei. Resisti até quando não pude mais. Caí em tentação, como Eva no Jardim do Éden, quando entregou sua vida a uma aventura.
Entreguei-me aos poucos, sempre com um pé atrás, mas tudo me dizia que eu deveria me jogar de vez, sem medo da queda. Foram meses de euforia, beijos, abraços, dengo e cafuné. Não podia passar um dia sequer longe da pessoa amada. Depois, vieram os sinais para pisar no freio do coração: papos no MSN, mensagens no orkut, telefonemas furtivos, conversas mal resolvidas, festas secretas, amizades suspeitas, recusa em sair comigo. Eu, ainda encantado e sem querer perder a última esperança, fazia de conta que não via e ia vivendo a fantasia do amor, apesar das dores e das lágrimas que verti.
O golpe fatal não tardou: traição. A dor, o sofrimento e o desengano. Lamentei, sofri muito e, mais uma vez, me deixei levar pelo coração. Quem ama, perdoa. Mas a dor não se dilui com o tempo. O medo de uma nova mentira me assaltava todo dia, mas resolvi reatar o relacionamento. Momentos de calmaria e, em seguida, em meio a promessas vãs de amor eterno, de novo, mais um problema. Desta vez foram as drogas a visitar minha vida. A cocaína foi responsável por mais noites e dias de tenebroso terror. O amor, já combalido, quase sem forças, ainda reagiu e suspirou forte. Junto com a dor de ver a pessoa amada se destruindo com um pó branco, ainda amarguei a recusa em fazer amor comigo. Vegetei e, como pássaro ferido, fui aceitando migalhas e permiti me curar para não morrer.
Juras de amor renovadas e o golpe final chegou como uma misericórdia: eu ouvi que a pessoa não me amava mais, que não sentia mais nada por mim. E eu, mais uma vez, como um tonto, implorei para que ficasse comigo. Soube que a pessoa tinha saído com várias outras enquanto eu sonhava com um recomeço… Caí em depressão, meu corpo doeu, minha alma pediu para sair da matéria e fluir, por não aguentar mais tanta pressão.
Aquele sorriso que eu estampava no início do romance e que tinha se amarelado com o tempo, fechou-se de vez. Voltei a ter a aparência carrancuda do garoto de oito anos de idade que não conseguia sorrir…
Salvador, 04 de abril de 2011, 01:30hs
Por: Valdeck Almeida de Jesus
Quando eu era criança um passageiro do ônibus urbano em que eu estava brincou comigo e eu não dei trela. Ele reclamou e disse que eu estava emburrado, com a cara fechada e que não dava um sorriso.
Aquela frase me marcou. A adolescência e a juventude foram os piores dias de minha vida, sem falar no que passei na infância: fome, doenças diversas, miséria absoluta nas casas de aluguel em que passei a vida inteira, aleijão de minha mãe numa cadeira de rodas, a loucura de meu pai que roubou parte de nossa alegria etc. Tudo isso talvez tenha contribuído para apagar o sorriso do meu rosto.
Na vida adulta procurei ganhar o mundo, recuperar o tempo perdido. Estudei, trabalhei duro, comprei casa, apartamento, carro, viajei para o exterior várias vezes, conheci uma boa parte do Brasil, tirei mais de vinte mil fotografias, participei de carnavais, pagodes, shows com artistas locais, nacionais e internacionais. Terminei o curso superior, iniciado e desistido por décadas. Conheci gente de todo canto, namorei, curti, dancei em boate, tomei banho de sol em praia e piscina. Tive acesso a comida, bebida, dinheiro na poupança, bens diversos. Mas o sorriso ainda era apagado, meio triste, como se dissesse que algo interno ainda não estava acertado.
E não estava mesmo. Eu ainda era aquele mesmo menino do coletivo, que não sabia sorrir. O que me faltava busquei: catecismo, batismo nas águas, sessão espírita, dar a mão para ser lida pela cigana, jogo de búzios, e nada. Aí fui a um psiquiatra que me receitou planejar a vida para trinta, quarenta anos à frente. Fiz isso e logo me apareceu motivo para sorrir. O amor surgiu em minha vida de uma forma sutil e foi me fazendo perder o medo da entrega. Fui me deixando levar, sem saber ao certo para onde ia. Será que tinha acertado da loteria da vida? O motivo de minha sutil alegria tinha sorriso largo, olhos grandes, inocência nas perguntas. Eu, desconfiado, calejado das traições e mentiras por que tinha passado, das peças que a vida me pregara, relutei. Resisti até quando não pude mais. Caí em tentação, como Eva no Jardim do Éden, quando entregou sua vida a uma aventura.
Entreguei-me aos poucos, sempre com um pé atrás, mas tudo me dizia que eu deveria me jogar de vez, sem medo da queda. Foram meses de euforia, beijos, abraços, dengo e cafuné. Não podia passar um dia sequer longe da pessoa amada. Depois, vieram os sinais para pisar no freio do coração: papos no MSN, mensagens no orkut, telefonemas furtivos, conversas mal resolvidas, festas secretas, amizades suspeitas, recusa em sair comigo. Eu, ainda encantado e sem querer perder a última esperança, fazia de conta que não via e ia vivendo a fantasia do amor, apesar das dores e das lágrimas que verti.
O golpe fatal não tardou: traição. A dor, o sofrimento e o desengano. Lamentei, sofri muito e, mais uma vez, me deixei levar pelo coração. Quem ama, perdoa. Mas a dor não se dilui com o tempo. O medo de uma nova mentira me assaltava todo dia, mas resolvi reatar o relacionamento. Momentos de calmaria e, em seguida, em meio a promessas vãs de amor eterno, de novo, mais um problema. Desta vez foram as drogas a visitar minha vida. A cocaína foi responsável por mais noites e dias de tenebroso terror. O amor, já combalido, quase sem forças, ainda reagiu e suspirou forte. Junto com a dor de ver a pessoa amada se destruindo com um pó branco, ainda amarguei a recusa em fazer amor comigo. Vegetei e, como pássaro ferido, fui aceitando migalhas e permiti me curar para não morrer.
Juras de amor renovadas e o golpe final chegou como uma misericórdia: eu ouvi que a pessoa não me amava mais, que não sentia mais nada por mim. E eu, mais uma vez, como um tonto, implorei para que ficasse comigo. Soube que a pessoa tinha saído com várias outras enquanto eu sonhava com um recomeço… Caí em depressão, meu corpo doeu, minha alma pediu para sair da matéria e fluir, por não aguentar mais tanta pressão.
Aquele sorriso que eu estampava no início do romance e que tinha se amarelado com o tempo, fechou-se de vez. Voltei a ter a aparência carrancuda do garoto de oito anos de idade que não conseguia sorrir…
Salvador, 04 de abril de 2011, 01:30hs